MOSCOU - Uma enorme fila tomava conta do terceiro andar do GUM, um dos mais luxuosos centros comerciais de Moscou, na Praça Vermelha, na última segunda-feira. Ali, uma maioria de russos e alguns turistas aguardavam ansiosamente, havia mais de uma hora, pela oportunidade de entrar na loja Hearts of Russia para comprar uma das camisetas da “coleção patriota” do designer Alexander Konasov.
A série tem como garoto-propaganda o presidente Vladimir Putin. A comoção pelas peças é um dos muitos sinais do culto à imagem do líder russo, cuja popularidade atingiu 87%, segundo uma pesquisa divulgada no começo do mês.
A coleção lançada por Konasov é apenas uma entre uma série de produtos comercializados no país com a imagem do presidente – há canecas, ímãs de geladeira, pôsteres, bandeiras e até bonecas matrioshkas de Putin. Além do designer, a dupla de estilistas Anna Yefremova e Ivan Yershov também pegou carona na popularidade do presidente e lançou uma linha de camisetas comemorando as recentes “vitórias” do Kremlin – como a realização dos Jogos Olímpicos de Inverno em Sochi e a anexação da Crimeia, em março, à Federação Russa. Mais de 7 mil unidades foram vendidas em apenas um dia.
Entre os fãs do líder russo que lotaram o GUM durante os últimos dias à procura do souvenir estava o ator americano Mickey Rourke, que não apenas vestiu a camisa, mas também disse que Putin foi um “verdadeiro cavalheiro” todas as vezes que os dois se encontraram. “Acredite, se eu não gostasse dele, eu não compraria a camiseta”, afirmou Rourke à imprensa local.
Enquanto as camisetas vendidas no GUM saem por volta de 1.800 rublos ( 40 ), é possível encontrar peças mais baratas no centro de Moscou com imagens sempre glorificando a forma física e a atitude “macho alfa” do presidente – em uma delas, Putin aparece de quimono, dando um golpe certeiro de caratê no colega americano, Barack Obama.
A explicação que muitos russos dão quando questionados sobre os motivos de tamanha adoração é apenas uma: orgulho do que o presidente vem fazendo para “defender os interesses” da Rússia diante da comunidade internacional.
“Eventos como a Olimpíada de Inverno em Sochi e a Copa do Mundo no Brasil desencadearam sentimentos patrióticos entre os russos”, explicou ao Estado a socióloga Karina Pipiia, do Centro Levada, instituição independente responsável pela pesquisa que deu a Putin 87% de aprovação – um de seus melhores índices desde que o presidente chegou ao Kremlin, em 2000. O mesmo levantamento mostrou que 66% acreditam que a Rússia está “no caminho certo”.
Segundo Karina, a alta popularidade do presidente deve-se, principalmente, à crise na Ucrânia, que “mobilizou a população contra os ‘inimigos’ declarados do povo russo: os extremistas ucranianos, os EUA e a Comissão Europeia”. “Já há alguns anos a população ansiava por um Estado forte com um líder forte, e agora estas ambições imperialistas foram satisfeitas”, disse Karina, referindo-se à anexação da Crimeia.
Medidas controvertidas. Tamanha popularidade, segundo analistas, é o que dá a Putin o sinal verde para fazer o que bem entender e ordenar medidas que podem vir a prejudicar o país – como a restrição imposta pelo Kremlin de importações de alimentos e produtos agrícolas de países que impuseram sanções contra a Rússia em razão da situação na Ucrânia.
“A maioria dos russos vê essas contra-sanções como uma demonstração de força e independência. É algo como ‘o mundo inteiro está contra nós, mas nós não ligamos’”, explicou Karina.
No entanto, as medidas podem abalar a popularidade do presidente no longo prazo, segundo a analista política russa Gulnaz Sharafutdinova, do Instituto Rússia do King’s College, em Londres. “Os níveis de aprovação de Putin estão condenados a diminuir lentamente à medida que a situação econômica for piorando e a euforia inicial do orgulho associado ao fato de a Rússia não ceder diante das pressões externas for recuando”, afirmou Gulnaz.
De acordo com as previsões da analista, as sanções atingirão principalmente as classes média e alta, mas terão um grande impacto sobre toda a população, que passará a pagar preços mais altos por alimentos.
Gulnaz, porém, reconhece o poder de propaganda do Kremlin em garantir os altos índices de popularidade do presidente. “A propaganda aumentou o grau de ansiedade entre os russos e usou métodos bastante inteligentes para definir Putin como aquele que defende o ‘Mundo Russo’ contra o Ocidente”, explicou. “Eu acho, no entanto, que há impasses estruturais – em sua maioria relacionados a como os russos enxergam o resultado do colapso da União Soviética, à maneira como a Rússia foi integrada no mundo e à constante ambivalência em torno da identidade nacional – que tornam a sociedade russa mais suscetível à lavagem cerebral.”
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