BERLIM - O ex-chanceler alemão Gerhard Schroeder rejeitou a indicação ao conselho de supervisão da estatal russa Gazprom, a maior exportadora de gás natural do mundo, segundo ele mesmo afirmou nesta terça-feira, 24.
A afirmação foi feita no momento em que Schroeder é punido na Alemanha por ocupar posições altas no setor energético da Rússia e pela posição adotada após a invasão da Rússia na Ucrânia. Os legisladores alemães concordaram em fechar o escritório dele, financiado pelos contribuintes, e o Parlamento Europeu pediu que ele sofresse sanções por receber dinheiro russo.
Schroeder criticado por se manter nos cargos depois do início da guerra e chegou a dizer, três semanas antes da invasão, que a Ucrânia teve um comportamento agressivo nas relações com a Rússia. O convite para integrar o conselho da Gazprom foi feito em fevereiro, poucos dias depois das declarações contra a Ucrânia.
A resposta estava prevista para junho, mas Schroeder afirmou nesta terça-feira que renunciou a indicação “há muito tempo”. “Renunciei a minha indicação ao Conselho de Supervisão da Gazprom há muito tempo. Também relatei isso à empresa”, escreveu Schroeder no seu perfil do LinkedIn. A Gazprom se recusou a comentar na terça-feira sobre nomeação de Schroeder.
Durante o período em que foi chanceler, entre 1998 e 2005, Schroeder apresentou projetos ambiciosos de reforma do estado de bem estar social e se destacou por ter se oposto à guerra no Iraque, liderada pelos Estados Unidos. Ele deixou o cargo, que representa a chefia do governo alemão, em 2005 como um estadista respeitado.
Desde então, Schroeder ganhou uma imagem suspeita pela relação próxima e supostamente lucrativa com o setor de energia russo -- desde 2017, ele preside o conselho de administração da estatal russa Rosneft -- e por uma amizade com o presidente russo Vladimir Putin. Apesar da suspeita, não era o único na Alemanha a adotar essas posições.
Entretanto, a posição do ex-chanceler após a guerra na Ucrânia acabou por desgastar a sua imagem. No dia da invasão, ele afirmou que o governo russo tinha responsabilidade de acabar com a guerra o mais rápido possível e que os interesses de segurança não justificavam a invasão, mas não falou sobre os cargos que ocupa no setor de energia russo. Posteriormente, disse em um post no Linkedin que as relações da Rússia com o Ocidente tiveram “muitos erros -- de ambos lados”.
Em uma entrevista concedida em abril para o jornal The New York Times, Schroeder declarou: “Eu não faço mea culpa”. Em seguida, disse que o massacre em Bucha, nos arredores de Kiev, deveria ser investigado, mas que ele não achava que as ordens teriam partido do Kremlin.
A partir daí, Schroeder foi transformado em um pária político e foi afastado do partido do qual faz parte, o social-democrata do atual chanceler Olaf Scholz. Além das punições dos parlamentos alemão e europeu, o próprio partido marcou uma audiência em junho para discutir os pedidos de expulsão. “Gerhard Schroeder atua há muitos anos apenas como empresário, e devemos parar de vê-lo como um estadista mais velho, como um ex-chanceler”, disse a co-líder do partido, Saskia Esken, no mês passado.
Olaf Scholz afirmou que o ex-chanceler deveria deixar os cargos que ocupa no setor energético, apesar de não indicar apoio a possíveis sanções contra Schroeder no momento.
Na sexta-feira, a empresa estatal russa de energia Rosneft disse que Schroeder planeja deixar o conselho de administração. A decisão parece não ser suficiente para desfazer os danos à imagem. O secretário-geral dos social-democratas, Kevin Kuehnert, chegou a declarar que era “infelizmente tarde demais”.
Não está claro o que levou Schroeder a sair da Rosneft, mas o anúncio foi feito um dia depois da decisão dos legisladores alemães e europeus.
Além do cargo na Rosneft, o ex-chanceler presidiu durante anos o comitê de acionistas da Nord Stream AG (operador do gasoduto que leva gás da Rússia para a Alemanha) e liderou o conselho de administração da Nord Stream 2, um segundo gasoduto construído com a mesma intenção que está com o projeto paralisado desde fevereiro pelo governo de Scholz.
Schroeder passou de uma família pobre da classe trabalhadora para se tornar o líder da Alemanha em 1998. Durante o governo, ele iniciou uma reforma do mercado de trabalho alemão que começou impopular, mas mais tarde ganhou o crédito por tornar a maior economia da Europa mais competitiva e capaz de enfrentar uma série de crises.
Ele também se opôs veementemente à guerra liderada pelos EUA no Iraque, uma postura que contou com os elogios dos eleitores alemães e o ajudou a garantir seu segundo mandato, mas esfriou as relações com o então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush.
“A autodestruição pública de sua reputação foi tão triste de assistir quanto inquietante”, comentou o jornal alemão Sueddeutsche Zeitung. “Ninguém é capaz de explicar como um homem que já foi marcado por um notável instinto político deixou a discussão correr até que seus privilégios fossem retirados.” /REUTERS E AP
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