BELFAST - Aos 20 anos, Gerard “Mo Chara” Kelly foi detido pelas forças de ordem britânicas quando preparava explosivos que pretendia detonar em um carro-bomba, no que seria um novo atentado do Exército Republicano Irlandês (IRA) em Belfast, Irlanda do Norte. Passados 41 anos, o ex-guerrilheiro, artista plástico e pintor que ornamenta paredões da cidade com alusões ao que chama de “colonialismo” quer ver “a bomba do Brexit” explodir no colo de Theresa May.
Para ex-guerrilheiros e militantes do IRA ouvidos pelo Estado em Springfield Road, área residencial com predomínio de irlandeses católicos, nacionalistas e republicanos em Belfast Oeste, o divórcio entre Londres e Bruxelas abre oportunidade para a concretização de um sonho que a luta armada não conseguiu: a reunificação da Irlanda em um só país, independente e republicano.
Essa perspectiva seria aberta pela insatisfação crescente dos moradores do que chamam de “norte da Irlanda” - e não Irlanda do Norte - com o desligamento do país da União Europeia. Somadas a outra “bomba”, a demográfica, que favorece o aumento da população irlandesa e católica, em detrimento da britânica e protestante, as chances de que a ilha se torne mais uma vez autônoma em relação ao Reino Unido entusiasma.
“Eu não votei no plebiscito do Brexit, pois o assunto não me interessava. Mas vejo o Brexit com muito interesse”, diz Mo Chara - que significa “O amigo”, em irlandês.
Martin Dudley, de 66 anos, simpatizante do IRA ferido com um tiro na cabeça em 1972, durante o Massacre de Springhill, é outro remanescente dos anos de chumbo que vê o Brexit com interesse especial. Paralisado no lado esquerdo desde os 20 anos, por causa do disparo de um soldado britânico, Dudley se tornou militante do IRA e promete continuar a apoiar o grupo se ele se levantar contra o Reino Unido caso os britânicos construam uma fronteira física na ilha.
“Nunca deveríamos ter sido divididos, para começar”, diz Dudley, pai de cinco filhos - prole numerosa que define como um ato militante para favorecer a demografia dos católicos.
Fora dos limites de Springfield Road, Eddie Mallon, militante associativo irlandês e católico, lembra que os protestantes terão muita influência nos rumos do Brexit, em especial porque são parte essencial da coalizão no governo de Theresa May. Menos otimista que os militantes do IRA, ele se preocupa com a influência do Partido Unionista Democrático (DUP) no interior da coalizão.
“Eu sou irlandês, não britânico. Tenho o passaporte irlandês. Nós votamos em favor da União Europeia e por isso não quero a fronteira. Mas o DUP quer”, explica Mallon, que trabalha a não mais de 25 metros do célebre mural em homenagem a Bobby Sands, militante do IRA morto após 66 dias de greve de fome em 1981.
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