TÓQUIO - O Japão vive um dia de choque com o assassinato do ex-primeiro-ministro do japonês Shinzo Abe, morto a tiros nesta sexta-feira, 8, durante um comício em Nara, nos arredores de Kyoto, oeste do país. O suspeito foi identificado como Tetsuya Yamagami, de 41 anos. Detido, ele atribuiu o crime a diferenças políticas com o ex-premiê. A polícia, no entanto, não deu mais detalhes sobre suas motivações.
O mais longevo primeiro-ministro da história do Japão e expoente de uma família política de nacionalistas que remonta à 2ª Guerra, Abe foi o responsável pelo rearmamento do país diante das ameaças nucleares da Coreia do Norte e da expansão da China no Pacífico. Ele tinha se afastado do governo por questões de saúde, mas ainda militava no Partido Liberal Democrata (PLD).
Abe, de 67 anos, foi baleado enquanto discursava antes das eleições parlamentares, em campanha para colegas do partido, como Kei Sato, candidato à Câmara Alta do Parlamento japonês pelo distrito de Nara.
Horas após o crime, dezenas de pessoas se reuniram enlutadas diante da estação de trem da cidade para homenagear o ex-premiê. A morte de Abe deixou também incrédula parte da comunidade internacional e provocou reações de líderes de diversas partes do mundo, da Ásia à América do Norte.
O suspeito
Yamagami usou uma arma de fogo caseira para atirar em Abe, segundo a polícia. A rede de TV NHK informou que o suspeito serviu na Força de Autodefesa Marítima - A Marinha Japonesa - por três anos na década de 2000.
O suspeito confessou o crime a polícia e disse que quis atacar o ex-premiê por ele ter vínculos com um grupo político que Yamagami “odiava”. A polícia, no entanto, não deu detalhes sobre qual seria esse grupo.
Mais tarde, foram encontradas diversas armas de fabricação caseira na casa de Yamagami. A pistola usada no crime era artesanal e tinha cerca de 40 centímetros de comprimento.
Horror ao vivo
O ataque a Abe foi transmitido ao vivo na TV. Abe discursava do lado de fora de uma estação de trem principal em Nara. De pé, vestido com um terno azul marinho, ele levantava o punho, quando um tiro é ouvido.
A primeira bala não atingiu o premiê, que se virou para tentar detectar de onde vinha o barulho. A segunda bala, então, o acertou no peito e no pescoço.
O ex-premiê chegou a apertar o tórax ao ser atingido, e desmaiou com a camisa ensanguentada. No momento do ataque. Ele foi socorrido e levado a um hospital, e sua morte foi confirmada no fim da madrugada no horário do Brasil.
O primeiro-ministro Fumio Kishida chamou o ataque de “covarde e bárbaro” e acrescentou que o crime ocorrido durante a campanha eleitoral, que é o fundamento da democracia, era absolutamente imperdoável. Ele se disse abalado pela perda de um grande amigo e colega de partido.
Yoshio Ogita, 74, secretário-geral da seção local do PLD, estava ao lado de Abe no momento do crime. Ele disse que ouviu dois sons altos e viu uma nuvem de fumaça branca subindo no céu. “Eu não sabia o que tinha acontecido”, disse ele em entrevista por telefone na tarde de sexta-feira. “Eu o vi desmaiar.”
Trajetória
Abe foi o primeiro-ministro mais longevo do país e cumpriu dois mandatos -- de 2006 a 2007 e de 2012 a 2020. Ele renunciou ao cargo em agosto de 2020, após apresentar problemas de saúde. Enquanto esteve no poder, ganhou notoriedade pela ascensão econômica aplicada no país. No Brasil, ele ficou conhecido por participar do encerramento das Olimpíadas do Rio, em 2016. Também chegou a se reunir com a então presidente Dilma Rousseff, naquele ano, e com Jair Bolsonaro, em 2019
Seu sucessor, Yoshihide Suga, 64, foi indicado pelo Partido Liberal Democrata (PLD). Depois de um ano no cargo, renunciou, em uma saída precipitada pela má gestão da pandemia. O atual líder do Japão, Kishida, foi escolhido para liderar o país com o apoio tácito de Abe.
O ex-primeiro-ministro foi preparado para seguir os passos de seu avô, o ex primeiro-ministro Nobusuke Kishi. Sua retórica política muitas vezes focada em tornar o Japão uma nação “normal” e “bonita” com uma militarização mais forte e maior papel nos assuntos internacionais.
Ele disse aos repórteres na época que foi “doloroso” deixar muitos dos seus objetivos inacabados. Ele falou de seu fracasso em resolver a questão do japonês sequestrado anos atrás pela Coreia do Norte, em uma disputa territorial com a Rússia e uma revisão da Constituição de renúncia à guerra do Japão.
Seu ultranacionalismo provocou protesto das duas Coreias e da China, e seu esforço para normalizar a postura de defesa do Japão criou insatisfação em muitos japoneses. Abe não conseguiu reescrever formalmente a constituição pacifista redigida pelos EUA devido ao fraco apoio público.
A primeira passagem de Abe, repleta de escândalos, como primeiro-ministro foi o começo de seis anos de mudança anual de liderança, lembrado como uma era de ``porta’' política que carecia de estabilidade e políticas de longo prazo.
Quando voltou ao cargo em 2012, Abe prometeu revitalizar a nação e obter sua economia fora de sua estagnação deflacionária com sua fórmula ``Abenomics’', que combina estímulo fiscal, flexibilização monetária e reformas estruturais.
Ele ganhou seis eleições nacionais e construiu um sólido controle do poder, reforçando o papel e a capacidade de defesa do Japão e sua aliança de segurança com os EUA. Ele também intensificou a educação patriótica nas escolas e elevou o perfil internacional.
Repercussão internacional
Líderes mundiais tem lamentado ao longo do dia a morte de Shinzo Abe. O atentado foi um choque em uma das cidades mais seguras do mundo, localizada em um dos países com algumas das mais rígidas leis de controle de armas.
A Casa Branca enviou condolências à família do ex-premiê e disse estar acompanhando os desdobramentos do caso. “Por mais que ainda existam muitos detalhes desconhecidos, sabemos que uma violência desta magnitude é inaceitável e as armas deixam cicatrizes profundas nas comunidades afetadas por elas”, disse o presidente Joe Biden em comunicado. “Os Estados Unidos se solidarizam com o Japão neste momento de luto e envio minhas condolências à família do ex-premiê.”
No Twitter, o presidente da França, Emannuel Macron, enviou condolências para a família de Abe e afirmou que os franceses “apoiava o povo japonês”. Boris Johnson, o primeiro-ministro britânico que ontem anunciou sua renúncia, escreveu que a notícia do ataque o deixou “chocado e triste”.
Governos de diversos países ao redor do mundo, como Quênia, Irã, Rússia, Holanda e Portugal também condenaram a morte de Abe.
Sobre o histórico de armamento no Japão, o jornal The New York Times noticiou que 10 tiroteios que contribuíram para a morte, ferimentos ou danos materiais foram registrados em 2021, segundo estatísticas da Agência Nacional de Polícia do país. /AP, AFP, EFE, THE NEW YORK TIMES e WASHINGTON POST
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