No dia 23 de agosto, o presidente Lula deverá participar da reunião de Cúpula do Brics na África do Sul. Além dos cinco membros do grupo (Brasil, China, Índia, Rússia e África do Sul), foram convidados todos os países da União Africana, além dos países que manifestaram interesse em ingressar no Brics: Arábia Saudita, Argélia, Argentina, Bangladesh, Bahrein, Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Honduras, Indonésia, Irã, Kuwait, Marrocos, Nigéria, Senegal, Tailândia, Venezuela, Vietnã.
O Brasil, desde o início, se posicionou corretamente contra a ampliação do número de países porque o grupo tem um peso político próprio pela importância global e regional de cada um deles e porque enfraqueceria a posição brasileira, diluída com países que competem com outras agendas.
O Brasil, nos governos anteriores, propôs discutir critérios e princípios para adiar essa decisão, patrocinada pela China. A situação se modificou a partir do momento em que a China – que procura ampliar sua área de influência global e impor sua liderança no grupo – passou a estimular os países com pretensão de se juntar ao Brics e a fazer pressão sobre o Brasil e a Índia, os únicos contra a ampliação do grupo.
Segundo se informa, contudo, a Índia, teria cedido à pressão da Arábia Saudita e, em um gesto ao príncipe Bin Salman, mudou de posição. A Rússia, que também estava relutante, com a guerra na Ucrânia e precisando de amigos, também favoreceu o aumento. África do Sul acompanhou a China.
Segundo declaração do presidente Lula, “é extremamente importante a entrada da Arábia Saudita, dos Emirados, da Argentina e de outros países no Brics”, em significativa mudança da posição do Brasil.
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Como as decisões no Brics são tomadas por consenso, ao contrário da declaração presidencial, na defesa do interesse nacional, o governo brasileiro deveria manter sua oposição. Poderia propor soluções intermediárias como a criação da categoria de países associados.
O Brasil é o único país do Brics com padrão de votação diferenciado na questão da Ucrânia. Num clube de dez ou quinze membros que votam exatamente como a China e Rússia em questões como direitos humanos, democracia e a guerra na Ucrânia, o Brasil vai ficar ainda mais isolado dentro do grupo.
Se esse aumento pudesse respaldar nossa pretensão a membro permanente do Conselho de Segurança, ainda poderia haver uma razão para um toma lá da cá, mas é altamente improvável que a China (membro permanente mais refratário à reforma, nunca apoiou publicamente o Brasil) e outros países mudem de posição.
A posição do Brasil de equidistância na guerra da Ucrânia e nas tensões entre EUA e China ficará seriamente comprometida com a companhia da Venezuela, Irã, Cuba, Arábia Saudita. Haverá uma tendência de o Brics tornar-se mais antiamericano e anti-Ocidente.
Caso haja incorporação desse grande número de países, não restará ao Brasil alternativa senão deixar o grupo para manter sua posição de independência e afirmar uma posição de liderança no Sul Global. Se aceitar o aumento, o governo Lula sofrerá um grande desgaste interna e externamente.
* É presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE) e ex-embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004)
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