Expansão do Brics ameaça isolar o Brasil; leia artigo de Rubens Barbosa

Pressão pela inclusão da Arábia Saudita e outros países em bloco tem surtido efeito e pode causar desgaste para o País, interna e externamente

PUBLICIDADE

Foto do author Rubens Barbosa
Atualização:

No dia 23 de agosto, o presidente Lula deverá participar da reunião de Cúpula do Brics na África do Sul. Além dos cinco membros do grupo (Brasil, China, Índia, Rússia e África do Sul), foram convidados todos os países da União Africana, além dos países que manifestaram interesse em ingressar no Brics: Arábia Saudita, Argélia, Argentina, Bangladesh, Bahrein, Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Honduras, Indonésia, Irã, Kuwait, Marrocos, Nigéria, Senegal, Tailândia, Venezuela, Vietnã.

PUBLICIDADE

O Brasil, desde o início, se posicionou corretamente contra a ampliação do número de países porque o grupo tem um peso político próprio pela importância global e regional de cada um deles e porque enfraqueceria a posição brasileira, diluída com países que competem com outras agendas.

O Brasil, nos governos anteriores, propôs discutir critérios e princípios para adiar essa decisão, patrocinada pela China. A situação se modificou a partir do momento em que a China – que procura ampliar sua área de influência global e impor sua liderança no grupo – passou a estimular os países com pretensão de se juntar ao Brics e a fazer pressão sobre o Brasil e a Índia, os únicos contra a ampliação do grupo.

Reflexo em janela mostra bandeiras nacionais dos países do Brics (China, Índia, Rússia, África do Sul, Brasil) durante a Reunião de Ministros das Relações Exteriores do Brics na Cidade do Cabo, em junho de 2023 Foto: Rodger Bosch /AFP

Segundo se informa, contudo, a Índia, teria cedido à pressão da Arábia Saudita e, em um gesto ao príncipe Bin Salman, mudou de posição. A Rússia, que também estava relutante, com a guerra na Ucrânia e precisando de amigos, também favoreceu o aumento. África do Sul acompanhou a China.

Segundo declaração do presidente Lula, “é extremamente importante a entrada da Arábia Saudita, dos Emirados, da Argentina e de outros países no Brics”, em significativa mudança da posição do Brasil.

Publicidade

Como as decisões no Brics são tomadas por consenso, ao contrário da declaração presidencial, na defesa do interesse nacional, o governo brasileiro deveria manter sua oposição. Poderia propor soluções intermediárias como a criação da categoria de países associados.

O Brasil é o único país do Brics com padrão de votação diferenciado na questão da Ucrânia. Num clube de dez ou quinze membros que votam exatamente como a China e Rússia em questões como direitos humanos, democracia e a guerra na Ucrânia, o Brasil vai ficar ainda mais isolado dentro do grupo.

Da esquerda para a direita, o presidente da China, Xi Jinping, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, o ex-presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, o premiê da Índia, Narendra Modi, e o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, em cúpula dos Brics em novembro de 2019 Foto: Pavel Golovkin/via Reuters

Se esse aumento pudesse respaldar nossa pretensão a membro permanente do Conselho de Segurança, ainda poderia haver uma razão para um toma lá da cá, mas é altamente improvável que a China (membro permanente mais refratário à reforma, nunca apoiou publicamente o Brasil) e outros países mudem de posição.

A posição do Brasil de equidistância na guerra da Ucrânia e nas tensões entre EUA e China ficará seriamente comprometida com a companhia da Venezuela, Irã, Cuba, Arábia Saudita. Haverá uma tendência de o Brics tornar-se mais antiamericano e anti-Ocidente.

Caso haja incorporação desse grande número de países, não restará ao Brasil alternativa senão deixar o grupo para manter sua posição de independência e afirmar uma posição de liderança no Sul Global. Se aceitar o aumento, o governo Lula sofrerá um grande desgaste interna e externamente.

Publicidade

* É presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE) e ex-embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004)

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.