Mais de 100 pessoas morreram e 170 ficaram feridas no Irã, nesta quarta-feira, em uma dupla explosão durante a homenagem ao general Qassim Suleimani, assassinado num ataque com drone em 2020, informou a televisão estatal iraniana. Até o momento, o Irã confirmou a morte de 103 pessoas.
As explosões ocorreram perto do túmulo do general em uma mesquita na cidade de Kerman, no sul do país, disse a emissora. A TV estatal afirma que o caso é tratado como um “ataque terrorista”.
Segundo a agência Tasnim, ligada à Guarda Revolucionária do Irã, duas bombas escondidas em pastas foram detonadas por controle remoto, uma a cerca de 700 metros do túmulo de Suleimani e outra, a quase 1 km, no cemitério de Kerman (820 km a sudeste de Teerã).
Ainda não houve acusação a Israel ou aos EUA pelo atentado, que também não teve autoria reivindicada por nenhum dos diversos grupos contrários ao regime teocrático de Teerã em operação no país. Nos últimos anos, separatistas árabes, o Estado Islâmico (EI) e outros grupos jihadistas sunitas afirmaram ter realizado ataques letais contra forças de segurança e santuários xiitas no país.
Suleimani, que era chefe da força de elite Quds, é herói nacional. Ele foi um dos principais responsáveis pela expansão militar do Irã patrocinando grupos armados em diversos países da região, caso do Hezbollah no Líbano e dos rebeldes houthi do Iêmen.
Em 4 de janeiro de 2020, o comandante da Força Quds, encarregado das operações externas da Guarda Revolucionária (o Exército ideológico da República Islâmica), morreu em um ataque americano com um drone em Bagdá, no Iraque. Na época, o então presidente Donald Trump afirmou que foi uma resposta aos ataques contra interesses americanos em solo iraquiano.
“Enorme explosão ouvida perto da mesquita Saheb al-Zaman”, onde o ex-chefe das operações estrangeiras da Guarda Revolucionária do Irã está enterrado, disse a TV estatal em uma primeira reportagem, nesta quarta. “Uma segunda explosão foi ouvida perto da mesquita Saheb al-Zaman”, acrescentou a emissora, pouco depois.
Dupla explosão
Em dezembro, um tribunal iraniano condenou o governo dos Estados Unidos a pagar US$ 50 bilhões por perdas e danos em decorrência do assassinato do general Qasem Soleimani (1957-2020) no Iraque, anunciou a agência da autoridade judicial iraniana, Mizan Online. Soleimani era considerado herói de guerra e peça-chave no aparato de segurança local.
Qasem Soleimani, morto aos 62 anos, foi um dos homens mais poderosos do país persa. Ele liderou as operações militares iranianas no Oriente Médio como comandante da Força Quds, unidade de elite da Guarda Revolucionária do Irã. Ele morreu enquanto sua comitiva deixava o aeroporto de Bagdá, junto a integrantes de uma milícia iraquiana.
Na ocasião, o ataque ocorreu poucos dias após manifestantes invadirem a embaixada dos EUA em Bagdá. De acordo com o Pentágono, Soleimani teria aprovado os ataques. Naquela época, os manifestantes protestavam contra um bombardeio direcionado às bases do grupo Kataib Hezbollah no Iraque e na Síria, em que 25 pessoas morreram.
Os Estados Unidos afirmaram, por sua vez, que a ofensiva foi uma resposta a um ataque de míssil contra uma base militar no Iraque que matou um civil americano. Com a morte de Soleimani, as tensões entre Washington e Teerã aumentaram, e o líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, afirmou que “uma vingança severa” aguardava os “criminosos” responsáveis.
Quem era Qassim Suleimani
Apesar de sua baixa estatura e comportamento silencioso, Qassim Suleimani foi considerado um dos militares mais infames no Oriente Médio pelos Estados Unidos e seus aliados. Como comandante da Guarda Revolucionária do Irã, o homem grisalho de 62 anos assumiu a responsabilidade pelas operações clandestinas do país no exterior, estendendo silenciosamente o alcance militar do Irã em conflitos estrangeiros como os da Síria e do Iraque.
No processo, ele ganhou um status quase mítico entre seus inimigos e uma enorme idolatria por seus partidários iranianos. Analistas se queixaram de que Suleimani tinha mais influência diplomática do que o ministro das Relações Exteriores do Irã, Javad Zarif, e ponderaram se ele iria, eventualmente, buscar um cargo político importante.
Alguns o compararam a Karla, o fanático e fictício mestre de espionagem soviético dos romances de John LeCarré durante a Guerra Fria. Sua história terminou nesta quinta-feira, 02, após um ataque dos Estados Unidos perto do aeroporto de Bagdá.
A morte de Suleimani encerra uma carreira que começou nos primeiros dias após a revolução de 1979 e que ajudou a moldar a república islâmica que a seguiu. "Mais do que qualquer outra pessoa, Suleimani foi responsável pela criação de um arco de influência - chamado pelo Irã de 'Eixo da Resistência' -, que se estende do Golfo de Omã até Iraque, Síria e Líbano, e chega nas costas orientais do Mar Mediterrâneo", escreveu Ali Soufan, ex-agente do FBI e analista de segurança nacional, em um perfil publicado em 2018.
Jovem de uma família pobre do sudeste montanhoso do Irã, Suleimani se juntou ao Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica, um grupo que visava proteger a nova república e reforçar seus estritos objetivos ideológicos após a revolução de 1979. Durante a guerra com o vizinho Iraque, entre 1980 e 1988, o grupo ganhou poder político e econômico no país. Enquanto isso, a guerra sangrenta e brutal no Iraque também ajudou a moldar a personalidade de Suleimani.
Embora estivesse apenas na casa dos 20 anos, ele empreendeu missões atrás das linhas inimigas, o tipo de guerra irregular que um dia se tornaria o cartão de visita da Guarda Revolucionária do Irã. Ele também encontrou aliados entre a maioria xiita do Iraque, que posteriormente apoiaram o Irã contra a ditadura sunita de Saddam Hussein.
No final dos anos 90, Suleimani recebeu o controle da Guarda da Revolução do Irã e passou a se dedicar aos assuntos externos. E embora o grupo tenha uma longa história de bons relacionamentos na região, ajudando a estabelecer o Hezbollah no Líbano durante o início dos anos 80, foi sob a vigilância de Suleimani que ele conseguiu expandir ainda mais a sua influência no Oriente Médio.
Quando a invasão do Iraque pelos Estados e seus aliados expulsaram Saddam, a Guarda Revolucionária começou a ajudar as milícias iranianas no país, enquanto lutavam contra as tropas americanas. Uma estimativa recente do Pentágono argumentou que as forças pró-iranianas mataram pelo menos 608 soldados dos Estados Unidos no Iraque entre 2003 e 2011.
Mais tarde, a guerra civil síria viu uma intervenção maciça da Guarda Revolucionária, ao influenciar a batalha a favor de Bashar al-Assad, líder regional aliado de Teerã. No entanto, apesar de a influência de Suleimani ter sido mais sentida no Oriente Médio, suas ambições práticas não estavam vinculadas apenas ao território.
A Guarda também estava ligada a conspirações na Ásia e na América Latina. Em 2011, o grupo se envolveu em uma tentativa frustrada de assassinar o embaixador da Arábia Saudita nos Estados Unidos, em um restaurante italiano em Georgetown.
Depois que o presidente Donald Trump retirou os Estados Unidos do acordo nuclear feito em 2015 pelo Irã e outras potências mundiais, a Guarda Revolucionária se viu no centro de uma crescente tensão com o país. No Iraque, milícias xiitas usualmente assediavam as tropas americanas no país, disparando foguetes contra as bases utilizadas pelos soldados.
A situação ganhou novos rumos depois que um ataque no final de dezembro matou um empreiteiro americano. Em resposta, os Estados Unidos lançaram ataques aéreos contra bases ao longo da fronteira com a Síria, matando 25 milicianos e ferindo mais de 50. Como consequência, na véspera de ano-novo, milícias xiitas e seus apoiadores invadiram o complexo da Embaixada dos EUA em Bagdá.
Embora ninguém tenha sido morto no caos, Trump alertou que o Irã era o responsável pelo ato. "Eles serão totalmente responsabilizados", tuitou. O ataque aéreo da manhã de sexta-feira, 03, no fuso horário local, matou não apenas Suleimani, mas também Abu Mahdi al-Muhandis, um comandante da milícia iraquiana.
Analistas concordam que Suleimani era uma figura única e provavelmente insubstituível para o regime iraniano. Mas, após as notícias chocantes de sua morte, alguns se perguntaram qual seria a consequência de matar uma figura tão reverenciada na região. “A pressão para retaliar será imensa”, observou em sua conta no Twitter Vali Nasr, especialista em Oriente Médio e professora da Universidade Johns Hopkins. Resta apenas esperar.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.