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Extrema direita europeia é desarticulada e sofre com divergências, avalia criador do Xadrez Verbal

Filipe Figueiredo, comentarista de política internacional e criador do Xadrez Verbal, é o novo colunista do Estadão

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Foto do author Daniel Gateno
Foto: Filipe Figueiredo / Arquivo Pessoal
Entrevista comFilipe Figueiredograduado em história pela USP, comentarista de política internacional e criador dos podcasts Xadrez Verbal e Fronteiras Invisíveis do Futebol, sobre política internacional e história

Apesar de um crescimento da extrema direita no Parlamento Europeu, a desarticulação dos grupos da direita radical faz com que o movimento não seja tão grande, segundo Filipe Figueiredo, comentarista de política internacional e criador dos podcasts Xadrez Verbal e Fronteiras Invisíveis do Futebol, sobre política internacional e história.

Conhecido por popularizar o noticiário de política internacional em seu podcast, Figueiredo estreia nesta semana uma coluna no Estadão, que será publicada todas às quartas-feiras, às 20h. O novo colunista aponta que divergências em relação a Otan, guerra na Ucrânia e contextos nacionais fazem com que as duas coalizões do Legislativo Europeu, o Identidade e Democracia (ID), liderada pelo partido Reagrupamento Nacional, da francesa Marine Le Pen, e os Reformistas e Conservadores Europeus (RCE), da primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, não tenham articulação política.

“O partido Irmãos da Itália de Giorgia Meloni é um partido que é contra a imigração, que abriga os descendentes do Mussolini, porém ao mesmo tempo é um partido completamente pró-Otan, pró-UE, ao contrário do Alternativa para a Alemanha, por exemplo, que é um partido que tem posições contra a Otan, que acha que a Europa não deveria se envolver na guerra da Ucrânia, um partido que tem elos muito suspeitos com a Rússia de Vladimir Putin”, aponta Figueiredo.

O analista destaca que a crise econômica de 2008 ressaltou as diferenças entre os movimentos da direita radical nos países europeus. “Para os eurocéticos de Alemanha e França a crise significou um questionamento em relação a outros países. Eles apontaram que França e Alemanha estavam bancando países como Grécia, Portugal e Espanha. E nos países menos ricos da União Europeia, a extrema direita cresceu com o discurso de que os países ricos estavam se aproveitando porque emprestavam dinheiro com muitos juros. Então em 2008 a extrema direita europeia não tinha perspectivas muito similares sobre muitos assuntos”.

Confira trechos da entrevista

As eleições do Parlamento Europeu mostraram uma ascensão da extrema direita principalmente na Alemanha, França e Itália. Como o Parlamento Europeu pode mudar com esta nova composição?

Em um cenário mais amplo, nós não temos um crescimento e uma articulação tão grande assim da extrema direita. Os dois principais blocos de extrema direita cresceram em algumas cadeiras, porém o próprio Parlamento Europeu cresceu, foi de 705 para 720 cadeiras. Então as duas principais frentes de extrema direita cresceram pouco mais de 1% no cenário geral.

O crescimento da extrema direita passa pelo partido Alternativa para a Alemanha, um partido que começou como populista e nacionalista, e hoje é um partido de extrema direita que tem abraçado publicamente a revisão do nazismo. Por esse revisionismo, a Marine Le Pen, francesa e líder do partido europeu Identidade e Democracia, expulsou o líder deste partido no Parlamento Europeu. Então o Alternativa para a Alemanha conquistou muitas cadeiras como um partido não inscrito e o grande crescimento da extrema direita passa pelo crescimento de parlamentares que não estão nos blocos europeus da direita radical, os não inscritos e independentes.

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Então podemos até falar em um crescimento em número da extrema direita, mas é uma frente desarticulada. Os partidos de extrema direita têm bandeiras em comum, a principal delas é o movimento anti-imigração, inclusive o grupo da Marine Le Pen no Parlamento Europeu chama Identidade e Democracia, que é um eufemismo para racistas, neste caso. É uma ideia de que existiria uma identidade visual europeia.

A líder do Reagrupamento Nacional, Marine Le Pen, participa de um debate em Paris, França  Foto: Julien De Rosa/AP

Os Irmãos da Itália de Giorgia Meloni é um partido que é contra a imigração, que abriga os descendentes do Mussolini, porém ao mesmo tempo é um partido completamente pró-Otan, pró-UE, ao contrário do Alternativa para a Alemanha, por exemplo, que é um partido que tem posições contra a Otan, que acha que a Europa não deveria se envolver na guerra da Ucrânia, um partido que tem elos muito suspeitos com a Rússia de Vladimir Putin.

Então nós temos um crescimento da extrema direita, porém as duas frentes articuladas de extrema direita não cresceram tanto assim e em um cenário mais amplo, a extrema direita europeia não tem uma coordenação muito ampla.

Mesmo em relação ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Também não há essa convergência completa, o Alternativa para a Alemanha tem muitos militantes homossexuais nas suas fileiras sob a argumentação de que o maior perigo para os homossexuais alemães seriam os imigrantes muçulmanos. Então não foi uma grande vitória da extrema direita, houve um crescimento, mas ele não foi conjunto.

Existe uma divisão na extrema direita da Europa, entre o grupo Identidade e Democracia (ID), representado pela francesa Marine Le Pen do Reagrupamento Nacional, e o grupo Reformistas e Conservadores Europeus, da primeira-ministra da Itália Giorgia Meloni. Quais são as diferenças entre esses grupos?

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É difícil entender as separações entre os dois grupos. O grupo dos Irmãos da Itália também inclui o VOX, que é um partido neo franquista. Estes partidos, quando falam de integração europeia, falam do que eles veem como uma guerra cultural. Uma luta por uma Europa branca, cristã, enquanto criticam uma suposta centralização de uma burocracia europeia.

O grande símbolo disso acaba sendo Bruxelas. Na campanha a Giorgia Meloni até falava que desejava mais Roma e menos Bruxelas.

A extrema direita europeia começa a ganhar força com o pai da Le Pen, o Jean-Marie Le Pen, que chegou a ir para o segundo turno nas eleições presidenciais francesas em 2002, porém o pai da Le Pen conseguiu aquele sucesso porque era um momento de grande expansão da União Europeia, com a entrada da Polônia. Para o brasileiro, é difícil ver outro país como grande porque o Brasil é um país continental, mas para padrões europeus a Polônia é grande.

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A primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, participa de uma coletiva de imprensa em Roma, Itália  Foto: Filippo Monteforte/AFP

Então naquele momento de expansão da União Europeia, nós tivemos um crescimento da extrema direita, contra a expansão da UE para o Leste. Porém, o grande boom da União Europeia veio com a crise de 2008, que para os eurocéticos de Alemanha e França significou um questionamento em relação a outros países. Eles apontaram que França e Alemanha estavam bancando países como Grécia, Portugal e Espanha.

E nos países menos ricos da União Europeia, a extrema direita cresceu com o discurso de que os países ricos estavam se aproveitando porque emprestavam dinheiro com muitos juros. Então em 2008 a extrema direita europeia não tinha perspectivas muito similares sobre muitos assuntos.

O VOX por exemplo vai ansiar por um tempo de glória da Espanha, o tempo do Franco, quando supostamente a Espanha era uma potência econômica. Enquanto os alemães olham para a Espanha e veem um ralo de dinheiro de Bruxelas. Então são perspectivas que muitas vezes não acabam combinando entre os dois partidos da extrema direita do bloco europeu.

A Le Pen tem mudado um pouco o discurso dela, porque chegamos em um cenário que uma saída da França da União Europeia seria um processo extremamente traumático e a Le Pen sabe disso. Ela sabe que pode só ficar no discurso, que se ela tentar alguma coisa prática pode ser mais calamitoso ainda. Então quando a extrema direita chega no poder como é o caso da Giorgia Meloni ou da Le Pen, que está muito perto do poder, eles acabam moderando o discurso

O líder do partido de extrema direita Vox, Santiago Abascal, participa de um comício em Madri, Espanha  Foto: Thomas Coex/AFP

O segundo semestre deve ser dominado pelas eleições nos EUA. Teremos o primeiro debate no dia 27 de junho entre Joe Biden, um presidente democrata que é constantemente questionado pela sua idade, e Donald Trump, um ex-presidente condenado pela Justiça americana. Na sua avaliação, Trump deve explorar cada vez mais a idade e a suposta incapacidade de Biden para o cargo? E Biden? Vai falar sobre a condenação de Trump? O que ele vai explorar?

Explorar a idade em si não. Estamos falando da eleição entre os candidatos mais velhos da história dos Estados Unidos, quem quer que ganhe se tornará o presidente mais velho da história. O que o Donald Trump provavelmente vai fazer neste sentido é repetir o que ele fez na campanha anterior, que é falar que o problema não é idade porque ele também é mais velho, mas diferentemente de Biden ele teria uma saúde de ferro e está lúcido. Trump tentará acusar Joe Biden de ser senil e fragil, e que por essas razões não poderia ser presidente.

Já Biden certamente vai explorar a questão da condenação de Trump, ele já está fazendo isso, questionando as credenciais morais do ex-presidente. O democrata vai apontar os perigos disso. Também existe toda a questão jurídica e política sobre um possível indulto que Donald Trump poderia fazer em relação a si mesmo, e o Biden vai explorar isso.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, deve enfrentar o ex-presidente americano Donald Trump nas eleições presidenciais em novembro  Foto: AP / AP

Queria conversar sobre a guerra na Ucrânia. O pacote militar e econômico dos EUA está chegando aos poucos em Kiev. Enquanto isso, a Rússia explorou este momento para avançar na região de Kharkiv. Recentemente os russos também trocaram o ministro da defesa, saiu Sergei Shoigu e entrou Andrei Belousov, um economista. Esta troca significa que a Rússia está preparada para uma longa guerra?

A troca do ministério da Defesa na Rússia é muito provavelmente voltada para isso. Esta troca ocorreu por conta de vários fatores relacionados a uma lentidão do avanço russo em relação à Ucrânia e a concertação do apoio internacional que a Ucrânia recebeu. Ninguém esperava que isso fosse ocorrer, na Rússia ou mesmo no chamado Ocidente. Até porque se esperava que a Ucrânia fosse cair relativamente rápido e tivemos uma série de problemas operacionais que não podem ser debatidos hoje.

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Por consequência disso, nós tivemos alguns desgastes cujo o mais conhecido deles e o mais notório foi o motim do Grupo Wagner, então era necessária uma mudança de abordagem. O Sergei Shoigu se torna ministro da Defesa depois do sucesso da Guerra de Agosto contra a Geórgia em 2008, quando o então ministro da Defesa naquele momento estava se tornando uma figura muito popular e além disso ele estava mexendo em alguns vespeiros de corrupção dentro do Exército da Rússia. Por isso ele foi demitido e Putin colocou Shoigu.

Shoigu é próximo de Putin desde a década de 1990, ele é um general bombeiro porque ele era o general dos serviços de emergência, então ele não era um militar, uma pessoa que teria a lealdade das forças, uma pessoa que eventualmente poderia se tornar muito forte e ameaçasse o próprio Putin. Ele foi colocado nesta função para gerenciar o cenário interno do setor de defesa russo. Ele estava ali como um gestor interno e como uma figura de confiança do Putin que não seria uma ameaça a ele.

O ministro da Defesa da Rússia, Andrei Belousov, participa de uma reunião com Sergei Shoigu, ex-ministro da pasta em Moscou, Rússia  Foto: Vyacheslav Prokofyev/AP

Ele não estava ali por um grande talento militar ou algum grande talento administrativo ou econômico. Já o Belousov é uma figura que se olharmos para a obra dele, a carreira dele. Ele começa na academia e depois vai para o governo, é um cenário muito incomum na Rússia de Putin. Na Rússia de Putin nós temos um estamento. Ele começa na academia e o próprio pensamento econômico dele é um pensamento muito próximo do que é chamado no Ocidente de keynesianismo militar. Qual foi o diagnóstico do Belousov na década de 90? Acabou a União Soviética, a Rússia está em crise nesta terapia de choque da adaptação a uma economia de mercado, porém a Rússia ainda estava na ponta em alguns setores como o nuclear, aeroespacial e bélico, então o pensamento de Belousov foi que era necessário capitalizar estes setores para modernizar o resto.

Então ele vai defender o que ele vai chamar de milagre econômico russo a partir da indústria bélica. O nome do principal livro dele é como se fosse “Miliagre Econômico Russo: Faremos Nós Mesmos”. Quando ele assume o ministério da Defesa, existe um sinal de um maior planejamento na indústria bélica, uma maior expansão da indústria bélica para outros setores da economia russa, inclusive começando a substituir produtos que antes eram de empresas ocidentais que tiveram que sair da Rússia por conta das sanções e também a preparação para um conflito mais longo.

Agora, a indústria bélica russa, com suas alianças com China e Irã, está tendo que competir com o peso bélico e econômico do chamado Ocidente. Quem está fornecendo armas para a Ucrânia não são os próprios ucranianos, mas sim o Ocidente. Agora a Rússia precisa produzir veículos e munições na mesma escala que a Ucrânia recebe da Europa e dos Estados Unidos, o que é uma tarefa muito complicada.

A Rússia é uma economia razoavelmente menor do que a dos Estados Unidos, principalmente se compararmos o orçamento de defesa. O orçamento de defesa russo não é tão grande assim quando se compara com outros países. A grande vantagem russa em um cenário macro sempre foi a sua capacidade estratégica, na questão nuclear, mas na Ucrânia isso não se aplica.

Então a mudança no ministério da Defesa sinaliza que os russos esperam um conflito ativo ou congelado por muitos anos.

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As eleições na Venezuela estão se aproximando. Qual é a sua expectativa? A oposição vai conseguir desafiar o chavismo ou escancarar a falta de lisura na eleição?

Esta é uma pergunta difícil de ser respondida. O pleito venezuelano é no fim de julho e até agora não tivemos nenhum sinal de uma missão observadora internacional de alguma grande instituição, como algo organizado pela ONU ou pela União Europeia. Não temos isso, pelo contrário. A missão da União Europeia foi vetada pelo governo Maduro. Alguns dias atrás o presidente Lula pediu a Maduro que revisse a decisão e aceitasse uma missão observadora internacional como a da União Europeia.

Eleitora de Nicolás Maduro ergue um cartaz com seu nome em um comício em Caracas, Venezuela  Foto: Leonardo Fernandez Viloria/REUTERS

A grande questão é: no pleito em si muito provavelmente nós não teremos nenhum desafio ao Maduro. A ausência de uma missão observadora internacional vai de forma óbvia e explícita comprometer completamente qualquer aspecto de legitimidade deste pleito.

Se tivermos uma missão de observadores internacionais da União Europeia por exemplo e o Maduro vencer as eleições, isso é um cenário. Se não tem nenhuma missão, é outro. Agora, Maduro provavelmente sairá vencedor destas eleições, por uma série de razões, incluindo aí o próprio fato de que a oposição teve os seus esforços de registrar candidatos minados. Há poucas dúvidas sobre a vitória dele.

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