A queda na popularidade do presidente do Chile, Gabriel Boric, e o avanço da direita e da extrema direita nas pesquisas de intenção de voto para a eleição no país, em novembro, fizeram a esquerda chilena buscar uma panaceia: o retorno da ex-presidente Michelle Bachelet como candidata.
Os pedidos pela volta da ex-presidente eram recorrente há algum tempo, mas ganharam impulso depois de uma revelação feita pela própria Bachelet, em fevereiro: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia plantado a ideia do retorno triunfal em sua cabeça no ano passado. Atualmente em seu terceiro mandato, Lula viveu um cenário semelhante nas duas eleições disputadas por Jair Bolsonaro.
A experiência de Lula no Brasil inspirou a juventude chilena. No último dia 5 de março, o estudante de direito Agustin Burgos Quevedo levou, junto com outros colegas, uma carta assinada por mais de 400 jovens à fundação de Bachelet pedindo o retorno da presidente para um terceiro mandato. Quevedo se tornou porta-voz de um movimento chamado Jóvenes por Bachelet (Jovens por Bachelet), que levou o pedido de candidatura também às lideranças do Partido Socialista.
“Isso foi um impulso não apenas para os jovens, mas também para os cidadãos em geral, que passaram a ver Bachelet como uma possibilidade real de deter a direita ultraconservadora”, afirmou Quevedo.

Segundo as pesquisas, Bachelet é o único nome da esquerda que teria capacidade de competir com a economista Evelyn Matthei, atualmente a primeira nas pesquisas. A atual prefeita de Providência e ex-ministra do Trabalho de Sebastián Piñera é o principal nome da direita. Ela aparece à frente inclusive de José Antonio Kast, que disputou a eleição de 2021 com Gabriel Boric e que hoje concorre pela vaga da extrema direita com Johannes Kaiser.
Se as pesquisas se confirmassem, uma disputa entre Bachelet e Matthei seria um déjà vu das eleições de 2013, vencidas pela socialista.
A ex-presidente chilena foi a público no último dia 5 para declarar, mais uma vez, que não será candidata para as eleições presidenciais de novembro deste ano. “Tenho convicção de que agora precisam ser outros a assumir o desafio presidencial”, afirmou em um vídeo de menos de dois minutos em suas redes.
A publicação foi sua mensagem mais contundente até o momento. Isso porque, a ex-mandatária de 73 anos virou a panaceia de parte dos eleitores da esquerda chilena em meio ao favoritismo da direita e da extrema direita. Até as pesquisas de intenção de votos ignoravam suas negativas anteriores e colocavam Bachelet nas sondagens. O nome surgia como um dos mais competitivos.

Esquerda fragmentada
A esquerda, contudo, está fragmentada. Pela lei, Boric não pode concorrer a um segundo mandato consecutivo. Mas, se pudesse, dificilmente ganharia, já que sua popularidade nunca passou de 30%.
O fracasso de seu processo constituinte, uma crise de segurança acentuada e um afastamento suspeito da esquerda prejudicam a aprovação do presidente. Ainda que ele viva seu melhor momento após aprovar a reforma da Previdência, uma velha promessa de campanha.
Ele tampouco conseguiu fazer um herdeiro ou herdeira políticos claros. Sua braço direito, Camila Vallejo, não empolga os eleitores e gera desconfiança nos centristas que não veem com bons olhos uma candidata do Partido Comunista.
Quem sim deve ser a candidata governista é a ministra do Interior Carolina Tohá, que pediu afastamento do cargo para lançar oficialmente sua candidatura para as primárias.

Boric ainda sofre de uma maldição semelhante à do Uruguai: é muito difícil um mandatário fazer um herdeiro no Chile. Bachelet foi a exceção, quando foi eleita pela primeira vez após um governo do também socialista Ricardo Lagos. Para somar, todas as últimas eleições globais parecem apontar para uma tendência de punir os incumbentes desde a pandemia.
“Não temos nenhuma liderança na esquerda que seja um ponto de encontro, que seja transversal, como a de Bachelet”, aponta a cientista política Claudia Heiss, da Faculdade de Governo da Universidade do Chile.
“Carolina Tohá não decolou nas pesquisas. Ela é uma pessoa que, apesar de ser muito inteligente e muito capaz, não tem carisma, não tem personalidade e não gera empatia com os cidadãos. Então, as pessoas não gostam dela. E com Bachelet é o oposto. Bachelet tem carisma e também tem a experiência de dois governos”, completa. Tohá aumentou as suas porcentagens depois do vídeo de Bachelet, mas ainda está distante de Matthei.
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Para a ex-ministra de Direitos Humanos de Boric e diretora do Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Eleitoral (International Idea), Marcela Rios Tobar, a crise - no Chile e em toda a América Latina - não é por falta de liderança, mas sim por falta de confiança dos eleitores latinoamericanos em novos nomes.
“Na América Latina há uma enorme quantidade de lideranças jovens muito poderosas e fortes. Mas não é fácil construir uma liderança. Em muitos países os cidadãos talvez estejam mais confiantes em apoiar lideranças que conhecem e que demonstraram resultados, e é mais difícil para eles apoiar lideranças que ainda não demonstraram suas capacidades”, disse.
Muitos líderes jovens, como o próprio presidente Boric ou outros, mostraram que na América Latina temos muitos líderes jovens e emergentes. Homens e mulheres nos congressos, nos governos locais, em diferentes áreas. Mas acho que tanto a mídia quanto o público talvez tenham muito mais dificuldade em reconhecer esses líderes emergentes.
Marcela Rios Tobar, ex-ministra de Justiça e Direitos Humanos do Chile e diretora do Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Eleitoral (International Idea)
A experiência é o motivo que Agustin Burgos Quevedo aponta Bachelet estar tão em alta, além de um apego nostálgico do tempo em que ela governou. “Graças a Bachelet, mais de 500 mil estudantes no Chile têm a oportunidade de acessar o ensino superior gratuitamente. Portanto, acho que houve avanços muito importantes em seu governo que deixaram uma marca na família chilena e, obviamente, nos jovens em particular”, diz.
Não há muitas pessoas que consigam fazer com que o setor mais à esquerda da política chilena fique feliz e também dos setores mais moderados, e Bachelet é uma das poucas pessoas que tem a capacidade de reunir tanto o centro quanto a esquerda.
Claudia Heiss, cientista política da Escola de Governo da Universidade do Chile
Até o dia 5, Bachelet se esquivava das perguntas sobre ser ou não candidata. Dava respostas vagas de que “haveria opções melhores e novas”. Em seu discurso no vídeo, ela não declarou apoio a nenhum candidato da esquerda - que além de Vallejo e Tohá tem Vlado Mirosevic -, mas sua desistência veio junto com o anúncio da renúncia de Tohá do ministério.
Para Quevedo, o apoio de Bachelet será fundamental para quem seja o candidato governista. “Com base nisso, estaremos lá como jovens, porque a presidenta é quem nos une”, afirmou.
Segundo Heiss, a esquerda chilena, pelo menos por enquanto, não parece tão esperançosa em manter o cargo Executivo apesar da distância do pleito. A corrida então será para não perder o Legislativo também.
“Qualquer candidato de esquerda que concorra talvez esteja tentando salvar um pouco mais a eleição parlamentar do que a presidencial. Ele ou ela não está indo com o impulso de ganhar a presidência, mas tentando unificar os candidatos parlamentares em torno das forças de centro-esquerda”, afirma
E completa: A discussão hoje no Chile é de que já é quase certo que a direita vai ganhar. Então os olhos estão muito mais voltados para a disputa da direita atual, para a disputa entre Cast e Kaiser, por exemplo, para o quanto a extrema direita vai crescer, se haverá ou não uma aliança entre a direita tradicional e a extrema direita, como se essas questões fossem as que são vistas hoje como as que definirão grande parte da política e a próxima eleição”.
A tendência, analisa a cientista política, é de que o Chile repita o cenário das eleições parlamentares alemãs, onde um candidato conservador ganhou - em uma manobra do eleitorado para conter a extrema direita - mas os radicais ascenderam como uma segunda força. A questão, no Chile, onde não há um pacto de contenção de nazistas como na Alemanha, é quanto os radicais crescerão e com quem se unirão.