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Vaticano beatifica família que escondeu judeus na Polônia e foi morta pelos nazistas

Decisão despertou receios de que governo polonês possa utilizar o ato para reforçar narrativa contra colaboracionismo com os nazistas

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Foto do author José Fucs
Atualização:

Marcowa – Uma família polonesa assassinada pelos nazistas em março de 1944, durante a ocupação da Polônia pelas forças alemãs, será beatificada neste domingo, 10, no vilarejo de Markowa, na região sudeste do país, onde vivia e foi sepultada.

O casal Jozef e Wiktoria Ulma e suas sete crianças, incluindo um bebê que Wiktoria ainda carregava no ventre e que teria nascido no momento de seu assassinato, foram mortos depois de ser denunciados por abrigar uma família de judeus, durante 18 meses, num pequeno espaço escondido no sótão de sua casa. Os judeus escondidos pela família Ulma tiveram o mesmo destino trágico na ocasião.

Túmulo da familia Ulma, que foi assassinada pelos nazistas, em Markowa, no interior da Polônia, em março de 1944 Foto: JOSÉ FUCS / ESTADÃO

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O Papa Francisco não deve participar da cerimônia, para a qual são esperadas milhares de pessoas. O ato será presidido pelo Cardeal Marcello Semeraro, prefeito do Dicastério para as Causas dos Santos. Segundo o Vaticano, será a primeira vez na história que toda uma família será beatificada.

Em 1955, a família Ulma já fora incluída na lista dos “Justos entre as Nações”, titulo concedido pelo Memorial do Holocausto, de Jerusalém, em reconhecimento aos não judeus que ajudaram a salvar vidas de judeus perseguidos pelos nazistas na 2º Guerra Mundial.

Os restos mortais da família Ulma foram exumados recentemente e serão colocados neste domingo numa arca que ficará na igreja de Marcowa, de acordo com informações fornecidas ao Estadão pelo vigário local, mas os túmulos em que estavam até agora deverão ser preservados, para receber os visitantes que queiram prestar suas homenagens à família.

Ainda que seja uma decisão estritamente religiosa e que não esteja confirmada a presença de autoridades governamentais na cerimônia, a beatificação da família Ulma despertou receios na Polônia de que o governo possa utilizar o ato para reforçar sua narrativa contra as acusações de colaboracionismo do país com os nazistas.

Ao comentar a questão para o Estadão, o diretor do Museu Família Ulma de Poloneses que Salvaram Judeus na Segunda Guerra, com sede em Marcowa, reafirmou o caráter histórico e não religioso da instituição, mas disse que o cardeal Kazimierz Nycz, arcebispo de Varsóvia, deu seu recado para tentar conter eventuais tentativas de instrumentalizar a beatificação da família polonesa. “O caso da família Ulma se refere apenas a ele mesmo”, disse o cardeal, segundo Rajar.

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Em 2018, o governo polonês, controlado pelo partido ultranacionalista e conservador Lei e Justiça (PiS), no poder desde 2015, tentou aprovar um projeto que tornaria ilegal sugerir que a Polônia teve qualquer responsabilidade nas atrocidades cometidas pelos nazistas em seu território. Mas, diante das reações negativas geradas em Israel e em outros países, como os Estados Unidos, o projeto acabou não indo adiante. “Nós não aceitaremos em nenhuma circunstância qualquer tentativa de reescrever a história”, declarou na época o primeiro-ministro de Israel, Benjamim Netanyahu.

Antissemitismo

Apesar de não ter havido uma colaboração institucional da Polônia com os nazistas e ter existido até um governo no exílio durante a ocupação alemã, baseado primeiro na França e depois na Inglaterra, historiadores e sobreviventes do Holocausto relatam a ampla colaboração prestada por cidadãos poloneses aos nazistas, assim como o forte antissemitismo existente na época no país.

O próprio caso da família Ulma, que foi delatada por um compatriota, é uma mostra de que, ao lado dos benfeitores que protegiam os judeus na Polônia ocupada, existiam também, provavelmente em número bem maior, aqueles que estavam prontos a denunciar vizinhos que escondiam judeus durante a guerra, para entregá-los nas mãos dos nazistas.

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