Fãs de k-pop renovam táticas contra Trump

Jovens com grande capacidade de mobilização vêm sabotando eventos de campanha do presidente e da extrema direita nos EUA

PUBLICIDADE

Foto do author Thaís Ferraz

O k-pop – música pop coreana – é um fenômeno que ultrapassa fronteiras e atrai jovens do mundo inteiro em comunidades leais. Devotos, eles dominam o Twitter, mas se organizam também pelo TikTok, Facebook, Instagram e outras redes sociais. Recentemente, esse exército de fãs decidiu entra na campanha eleitoral dos EUA, tirando o sono do presidente Donald Trump. 

Em junho, Amanda Method, de 34 anos, foi uma das centenas de fãs de k-pop que reservaram ingressos para o comício de Trump em Tulsa, sem ter a menor intenção de usá-los. Impedida de participar de protestos, por ser PcD (pessoa com deficiência), a jovem viu na “pegadinha” online uma forma de se somar a outras vozes. “Aderi assim que fiquei sabendo”, conta. “Reservei uma entrada para cada membro da minha família.”

Fãs americanos de k-pop reunidos em Newark, New Jersey Foto: Krista Schlueter/NYT

PUBLICIDADE

O movimento, puxado por contas do TikTok e do Twitter, ganhou os holofotes após o esvaziamento do comício – contrariando as expectativas republicanas, só 6,2 mil pessoas compareceram. Há meses, fãs do k-pop se unem nas redes para sabotar hashtags da extrema direita, arrecadar fundos para movimentos sociais e driblar os aplicativos de vigilância para proteger a identidade de manifestantes.

Amanda participou de algumas dessas ações. “Estou farta dos constantes maus tratos às minorias de todo o tipo neste país, e queria falar em nome delas”, conta. “Grandes bases de fãs, como as do k-pop, podem ser uma ferramenta útil. Já temos uma organização para espalhar mensagens de forma rápida e clara, e levar a informação certa aos lugares certos é o recurso mais valioso neste momento.” 

Publicidade

A demonstração de força no comício de Trump colocou os fãs de k-pop e os usuários do TikTok no centro do debate eleitoral. Apartidários ou pluripartidários, politicamente conscientes, eles têm em mãos o engajamento orgânico, tão desejado por campanhas políticas, e, a julgar por recentes 'chamados às armas' em redes sociais, continuam dispostos a usar sua força para atrair atenção para as causas em que acreditam. 

“Sabotamos o comício de Trump porque ele pretendia fazê-lo no dia do Juneteenth, que marca a libertação dos escravos nos EUA”, diz uma adolescente, que preferiu se identificar apenas como Jennah. “Ele também pretendia fazê-lo em Tulsa, onde um massacre racial aconteceu. Sabotamos porque achamos que seria uma injustiça alguém como Trump fazer esse comício em uma época tão sensível.”

Jennah afirma que os fãs do gênero tendem a ser progressistas, por serem pessoas de diferentes países, raças, religiões, classes, orientações sexuais e identidades de gênero. “A força motriz de qualquer movimento ou organização é a diversidade e a paixão, e temos essas duas coisas. Assim, quando convocados para uma boa causa, temos a capacidade de aparecer em números que podem ser ótimos para criar mudanças.”

Diversidade

Publicidade

Acusados por políticos e influenciadores republicanos de serem parte de um esquema de “interferência estrangeira”, os fãs de k-pop são também americanos. De acordo com a Blip, empresa privada de pesquisas, o país foi o quarto maior consumidor de conteúdo de k-pop no Youtube no ano passado. Em 2020, segundo o Spotify, os EUA foram o país que mais escutaram o gênero musical. E, embora seja difícil traçar um perfil dos fãs de k-pop – a maioria das estatísticas é incompleta –, é inegável que essa base vem mudando ao longo dos anos. 

Integrantes do BTS participam de conferência da ONU em Nova York, em 2018; grupo doou US$ 1 milhão para causa Black Lives Matter Foto: Caitlin Ochis/Reuters

“Se você voltar 15 anos, a maioria desses fãs seriam asiáticos-americanos, ou pessoas asiáticas morando temporariamente nos EUA”, afirma a professora de Línguas e Culturas do Leste Asiático da Universidade De Indiana, CedarBough Saeji. “Mas, durante a última década, principalmente negros fizeram muito para apoiar e espalhar o k-pop, assim como muitos latinos que moram nos EUA.” 

Frequentemente estereotipado e associado a meninas adolescentes, o k-pop ultrapassa fronteiras, afirma a professora. Seus fãs têm se sido atuantes no mundo todo. “Vimos isso no passado. Na Indonésia, fãs do gênero participaram de mobilizações políticas. Na Índia, eles se manifestaram contra o nacionalismo hindu de Narendra Modi”, afirma Saeji. “Parte da atração pelo k-pop vem junto com essa visão idealista por um mundo melhor.” 

Ela afirma não ter ficado surpresa com a mobilização. “Só porque alguém é fã de k-pop não significa que não haja outras coisas na sua cabeça. Sim, os fãs amam k-pop, mas, ao mesmo tempo, estão preocupados com o país e com o racismo sistêmico”, diz. “Então, não fico surpresa que eles tenham feito esse tipo de ação, e acho possível que isso aconteça de novo.” 

Publicidade

PUBLICIDADE

Mobilização

Apesar da diversidade, os fãs de k-pop têm algo em comum: o fervor por seus ídolos. De todas as partes do mundo, eles se juntam para organizar votações, pedir músicas em rádios e colocar as bandas nas diferentes paradas musicais. Suk-Young Kim, professora de Estudos Críticos e diretora do Centro de Estudos de Performance da Universidade da Califórnia, Los Angeles (UCLA) e autora do livro K-pop Live: Fans, Idols, and Multimedia Performance, explica que a relação dos fãs com a internet é peculiar. 

“A indústria do k-pop é desenhada de um jeito que os ídolos não conseguem ter sucesso, nem crescer, sem a participação dos fãs”, diz. “Suas carreiras dependem disso, principalmente da participação nas mídias sociais.”

Comício de Trump em Tulsa teve participação abaixo do esperado pelos republicanos: apenas 6.200 pessoas compareceram Foto: Leah Millis/Reuters

Quando os grupos lançam novos álbuns ou clipes, fãs se mobilizam para gerar conteúdo e impulsionar os números do streaming. “É quase como uma organização política ou religiosa para apoiar seus ídolos”, conta Kim. “É uma cultura muito participativa, e eles sabem que têm poder.” 

Publicidade

Ainsley, uma jovem americana de 14 anos, conta que foi esta “máquina” que entrou em funcionamento. “Os fãs de k-pop provaram ser capazes  de criar hashtags que alcançam os trending topics facilmente, e criar ‘festas de votação’ em massa para ajudar nossos ídolos a ganhar prêmios”, diz. “Então, se pararmos de nos concentrar nisso por um tempo e começarmos a votar em massa nas petições e espalhar a hashtag #BLM (#BlackLivesMatter), podemos ajudar a alimentar movimentos positivos.” 

A adolescente conta que os fãs coordenaram ações e “ataques” nas últimas semanas. “A informação é espalhada no Twitter e, em seguida, se espalha para o aplicativo de vídeo TikTok. Quando chega ao TikTok, a maioria dos fãs do k-pop já está ciente. Mas ainda mais pessoas que não fazem parte de fãs-clubes do k-pop passam a participar.” 

Com quase 5 mil seguidores no Instagram, Ainsley também participa de outras formas de mobilização, como a divulgação de petições e arrecadação de dinheiro. 

Os ídolos, por outro lado, costumam ser reticentes em relação à política – embora também façam doações para causas sociais. “Eles são treinados para não se envolver”, afirma Suk-Young. “Da perspectiva das empresas que gerenciam suas carreiras, o objetivo é fazê-los populares para o público geral, e polarizar seus fãs em torno de questões políticas não serve a este propósito.” 

Publicidade

Eleições

Não há ainda um movimento organizado ou partidário formado por fãs de k-pop – embora a reportagem tenha encontrado uma iniciativa recém-criada que busca reunir fãs para ações anti-Trump, além de algumas postagens incentivando que eles se registrem para votar nas eleições de novembro.

Ari, 16, uma jovem que reservou ingressos para alguns comícios de Trump, ajudou a sabotar o aplicativo da polícia de Dallas e assinou petições, acredita que os fãs compartilham alguns valores.  "Eu acho que a maioria dos kpop stans têm a mesma visão. Parecemos ter ideias muito progressistas e mais radicais, provavelmente porque podemos ver o efeito de certas coisas em nossa sociedade do ponto de vista de outras sociedades", diz. 

Ela conta se identificar com o Partido Democrata, ainda que mais à esquerda, mas ainda não pode votar. “Como alguém que mora nos EUA e vê toda a injustiça nesse país, eu me empolguei quando percebi que tinha poder para fazer algo, já que não posso ir às urnas”, diz. “(Participar dessas ações) me fez sentir que eu podia mudar algo”.

Publicidade

Para Saeji, há esperança de que esses fãs se sintam mais politicamente empoderados após eventos como o comício de Tulsa. “Eles sentem que podem fazer a diferença se se juntarem, e voto é a mesma coisa: se nos juntarmos, podemos fazer a diferença”, diz. Mas, ressalta, isso não significa que eles possam ser ‘usados’. “Eu não acredito que um ‘outsider’ possa motivar esses fãs a fazerem algo. Você não pode controlá-los: a única coisa que se pode prever sobre eles é que eles vão apoiar seus ídolos”.

Para conhecer: as 5 músicas de k-pop mais escutadas no Spotify

1. Boy With Luv - BTS feat Halsey

2. Fake Love - BTS

Publicidade

3. Kill This Love - BLACKPINK

4. DNA - BTS

5. DDU-DU DDU-DU - BLACKPINK

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.