O FBI não tinha agentes disfarçados entre a multidão que participou dos protestos de 6 de janeiro de 2021, nem instruiu seus informantes a infringir a lei e invadir o Capitólio dos EUA naquele dia, afirmou o inspetor-geral do Departamento de Justiça em um relatório divulgado na quinta-feira, 12.
No entanto, muitos informantes foram a Washington naquele dia por conta própria, sem serem instruídos a fazê-lo, afirmou o relatório. Além disso, algumas informações coletadas por informantes sobre os planos dos Proud Boys e de seu líder, Enrique Tarrio, nunca foram compartilhadas com o Escritório de Campo de Washington do FBI antes do evento.
O documento tão aguardado pode ser usado para desmentir, ainda mais, anos de teorias da conspiração propagadas pelo presidente eleito Donald Trump e seus aliados, que afirmavam que agentes do FBI no Capitólio incitaram intencionalmente a confusão sem precedentes. Cerca de 140 policiais foram agredidos enquanto uma multidão invadia o prédio para tentar impedir os legisladores de certificarem a vitória eleitoral de 2020 de Joe Biden sobre Trump, e pelo menos cinco mortes foram associadas, de alguma forma, à violência.
O inspetor-geral Michael Horowitz examinou se o FBI lidou e avaliou adequadamente suas fontes e investigações antes da certificação da eleição presidencial no Capitólio. O FBI e o Departamento de Segurança Interna foram fortemente criticados por um relatório de um comitê do Senado, que descreveu como um fracasso acreditar nas dicas de inteligência recebidas nos dias anteriores ao ataque.
No geral, o relatório de Horowitz concluiu que o FBI reconheceu o potencial de violência e “tomou medidas significativas e adequadas para se preparar”. No entanto, o relatório também apontou erros do FBI antes de 6 de janeiro, por não buscar adequadamente, em seus 55 escritórios regionais, informações relevantes coletadas pelos informantes sobre o evento. Essa falha prejudicou os preparativos das forças de segurança.
Transição significativa no FBI
“Embora o FBI tenha empreendido esforços significativos para identificar sujeitos de terrorismo doméstico que planejavam viajar para a região do Capitólio em 6 de janeiro e para se preparar para apoiar seus parceiros de segurança pública, também determinamos que o FBI não tomou uma medida que poderia ter ajudado o FBI e seus parceiros a se prepararem com antecedência para 6 de janeiro”, afirmou o relatório. “Especificamente, o FBI não realizou uma sondagem em seus escritórios regionais antes de 6 de janeiro de 2021 para identificar qualquer inteligência, incluindo relatórios de informantes, sobre possíveis ameaças à Certificação Eleitoral de 6 de janeiro.”
Logo após o ataque, o Departamento de Justiça ordenou que o inspetor-geral conduzisse a revisão. O inspetor-geral afirmou que a investigação foi adiada por anos para garantir que ele não interferisse nas investigações criminais em andamento relacionadas ao tumulto.
O FBI está se preparando para uma possível transição significativa, com Trump retornando ao cargo e prometendo nomear um aliado leal, que tem sido profundamente crítico ao órgão, para liderá-lo. Christopher A. Wray, que foi diretor do FBI nos últimos sete anos, anunciou na quarta-feira que renunciará ao final do mandato de Biden, rompendo a prática usual de diretores permanecerem no cargo de uma administração presidencial para a próxima.
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Conheça os principais pontos do relatório:
O FBI não incentivou informantes a incitarem violência ou caos
Vinte e seis informantes do FBI foram a Washington em conexão com os eventos de 6 de janeiro. Dezessete entraram no prédio ou no terreno restrito do Capitólio, e nenhum foi preso. Três desses informantes, referidos no relatório como fontes humanas confidenciais, foram especificamente designados por escritórios regionais do FBI para viajar a Washington em 6 de janeiro e relatar sobre alvos de casos de terrorismo doméstico. Um deles entrou no edifício.
Dos outros 14 que entraram no terreno, três adentraram o Capitólio durante o tumulto. Os 23 que não foram direcionados a ir a Washington “fizeram isso por iniciativa própria”, afirma o relatório.
De acordo com uma nota de rodapé na resposta do FBI ao relatório, o gabinete do procurador dos EUA na capital, Washington, afirmou que “geralmente não acusou aqueles indivíduos cujo único crime em 6 de janeiro de 2021 foi entrar nas áreas restritas ao redor do Capitólio, o que resultou no gabinete do procurador dos EUA em Washington recusando-se a processar centenas de pessoas”. Essa abordagem também se aplica aos informantes, diz a nota de rodapé.
O FBI deveria ter consultado todos os escritórios regionais sobre informações de ameaças
O inspetor-geral concluiu que o FBI deveria ter instruído seus escritórios regionais em todo o país, antes de 6 de janeiro, a perguntar aos seus informantes se tinham informações relevantes sobre ameaças relacionadas ao evento. O relatório indicou que o escritório regional de Washington considerou fazer tal consulta após ver alguns relatos online sobre possíveis atos de violência. Contudo, analistas de inteligência decidiram contra isso depois que a polícia de Washington afirmou que não havia encontrado nada nas redes sociais que “corroborasse qualquer discussão sobre protestos armados em massa”. Eles já estavam investigando ameaças relacionadas à próxima posse presidencial.
Papel do FBI no contexto da preparação para 6 de janeiro
Como o Departamento de Segurança Interna (DHS) não declarou o evento de 6 de janeiro como um evento nacional de segurança especial, o FBI desempenhou apenas um papel de apoio na preparação para o dia. O DHS já declarou que a certificação eleitoral prevista para 6 de janeiro de 2025 será um evento nacional de segurança especial, o que significa que as responsabilidades do FBI serão mais centrais.
Informações sobre os Proud Boys e Tarrio não foram totalmente divulgadas
O FBI tinha pelo menos quatro informantes fornecendo informações sobre os planos dos Proud Boys e de seu líder, Enrique Tarrio. No entanto, grande parte dessas informações permaneceu nos escritórios regionais do FBI, em parte porque o escritório de Washington não buscou essas informações com seus colegas.
Em 4 de janeiro de 2021, um informante relatou que entre 35 e 45 membros dos Proud Boys participariam dos protestos em 6 de janeiro. O informante compartilhou informações de um grupo de bate-papo dos Proud Boys, afirmando que os membros seriam a “linha de peso pesado e quebra-escudos para permitir que nossas forças principais entrem”. O agente responsável pelo informante registrou essas informações nos arquivos de seu escritório, mas não contatou o escritório de Washington e não tomou nenhuma ação adicional.
Tarrio foi posteriormente acusado e condenado por conspiração sediciosa por seu papel na organização dos ataques de 6 de janeiro, recebendo uma sentença de 22 anos de prisão.
Relatório aponta os alertas ‘Guardian’ recebidos pelo FBI
O FBI utiliza um sistema chamado Guardian Program para catalogar, monitorar e compartilhar denúncias relacionadas a ameaças domésticas. Embora a existência desse programa raramente seja revelada publicamente, o relatório confirma informações divulgadas pelo The Washington Post em 2021, indicando que o FBI abriu e rapidamente encerrou diversos relatórios Guardian baseados em denúncias recebidas antes de 6 de janeiro.
Segundo o relatório, o FBI frequentemente descartava essas denúncias após análises superficiais. Muitas advertências vieram de cidadãos preocupados ou de pessoas que conheciam apoiadores de Trump planejando ou já viajando para Washington. Algumas dessas advertências chegaram ao escritório regional de Washington. Entre os alertas recebidos:
- Um residente de Washington, D.C., que administrava um site chamado “WashingtonTunnels.com”, dedicado à exploração da arquitetura subterrânea da cidade, relatou que surgiram discussões em fóruns mencionando um dos mapas de túneis subterrâneos perto do Capitólio. As mensagens incluíam comentários como: “A sessão começa às 13h. Esteja lá de manhã, entre 6h e 10h;” e “É preciso bloquear os democratas e os [Republicanos de Mentira]”.
- Um morador da Geórgia informou que Enrique Tarrio e os Proud Boys estariam em Washington em 6 de janeiro. A denúncia dizia: “Esses homens estão vindo para causar violência. Eles provocarão grande desordem, destruição e, potencialmente, matarão muitas pessoas nas ruas de Washington em 6 de janeiro...” No entanto, o FBI não considerou a ameaça digna de ação: “Uma revisão das postagens de Tarrio enviadas não revelou nenhum chamado para violência”, segundo o relatório Guardian.
Relatório aponta que o FBI não foi informado de que o Congresso era um alvo
O inspetor-geral não identificou nenhuma informação crítica que o FBI tenha ignorado ao falhar em coletar adequadamente dados de seus informantes, embora não esteja claro como ele definiu o que é considerado informação crítica.
O relatório afirma que uma consulta completa a todos os escritórios regionais poderia ter permitido ao FBI corroborar informações de várias fontes, ajudando a agência a ter uma visão mais abrangente e completa das ameaças iminentes antes dos distúrbios de 6 de janeiro.
“Essas informações não eram mais específicas do que, e eram consistentes com, outras fontes de informação” que o FBI e seu escritório de Washington já haviam recebido sobre o potencial de violência, diz o relatório.
Além disso, o documento revela que a Polícia do Capitólio dos EUA não informou os funcionários do FBI sobre sua avaliação de que apoiadores de Trump que iam a Washington em 6 de janeiro estavam mirando no Congresso. Essa avaliação, escondida perto do final de um relatório da Polícia do Capitólio, tem sido motivo de controvérsia por anos.
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