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Fidel tentou exportar a revolução

Líder cubano colocou homens e armas à disposição de guerrilhas e governos esquerdistas do Terceiro Mundo

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Foto do author Marcelo Godoy

Mais do que charutos, açúcar e rum, o que Fidel Castro sempre quis exportar foi a revolução. Um dia, sentou-se no trono que fora do imperador etíope Haile Selassié, hoje reverenciado como um deus pelos rastafáris. Ele estava em Adis-Abeba e diante dele havia os homens do Exército do coronel Mengistu Haile Mariam, que derrubara Selassié e instalara um regime marxista na Etiópia. A deferência com que Fidel fora tratado era gratidão. Sem os soldados e tanques cubanos, liderados pelo general Arnaldo Ochoa, Mengistu não teria como vencer a guerra de Ogaden (1977-1978) contra os rebeldes da região e as tropas da Somália. Os cubanos só saíram do país em 1989 e dois anos depois Mengistu foi derrubado. A renúncia de Fidel não é só o fim do projeto de exportar a revolução por meio da luta armada e do sonho de criar um, dois, muitos Vietnãs, mas também o de um internacionalismo sem paralelo no pós-guerra. El Viejo pôs seus campos de treinamento, homens, armas e médicos a serviço não só das guerrilhas, mas também de governos esquerdistas pelo Terceiro Mundo afora. Foi essa ajuda que despertou na esquerda o sentimento que lhe impedia de criticar o comandante. Antes mesmo que Che Guevara partisse para o Congo e depois para a Bolívia, as forças especiais do Ministério do Interior de Cuba já estavam na Venezuela, apoiando a guerrilha de Douglas Bravo, em 1962. Foi a primeira intervenção direta dos cubanos em um país latino-americano. O fiasco, que quase isolou Fidel na Organização dos Estados Americanos (OEA), levaria o comandante a não mais repetir a fórmula. A partir de então, Cuba treinava, dava armas, mas não enviava homens. Foi assim em El Salvador, Guatemala, Brasil, Uruguai, Colômbia, Chile e Argentina. Houve uma exceção: a revolução sandinista na Nicarágua, que afastou Anastasio Somoza do poder. Para lá, Fidel enviou o batalhão de chilenos da Frente Patriótica Manoel Rodrigues, formados nas academias das Forças Armadas cubanas. Ao mesmo tempo em que apoiava a guerrilha na América, Fidel enviava já nos anos 60 ajuda a governos amigos, como o da Síria e o do argelino Ahmed Ben Bella. Fornecia ainda treinamento ao Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). Em novembro de 1975, quando Portugal se retirou e Angola se tornou independente, os marxistas do MPLA controlavam Luanda, mas estavam cercados. Ao norte, havia a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), de Holden Roberto. Ao sul, avançava a Unita de Jonas Savimbi. Em poucas horas, pousavam em Luanda as tropas especiais de Ochoa. Primeiro, os cubanos esmagaram os homens de Roberto. Depois, destruíram o avanço dos sul-africanos e da Unita. Fidel pôs 36 mil homens em Angola em 1976 e salvou o MPLA. A ação contra os interesses do regime sul-africano em Angola e na Namíbia valeram a Fidel a amizade de Nelson Mandela. Contudo, Cuba não se fazia presente só com militares. Enviava médicos, técnicos agrícolas e engenheiros. As missões eram pagas e renderam US$ 50 milhões em 1977 ao regime de Fidel. Seus homens envolveram-se ainda com o tráfico de diamantes e armas. Em 1989, o esquema acabou no expurgo de Ochoa, fuzilado sob as acusações de tráfico de drogas e traição. BRASIL No Brasil, o apoio de Cuba à revolução começou antes do golpe de 1964. O slogan da 2ª Declaração de Havana lançada pelo governo cubano em fevereiro de 1962 embalou toda uma geração de militantes de esquerda. Ele dizia que "o dever de todo revolucionário é fazer a revolução". O deputado Francisco Julião, então líder das Ligas Camponesas, estava em Havana naqueles dias. Julião manteve-se em cima do muro, mas o chamado cubano teve acolhida nas Ligas. Três de seus dirigentes criaram um campo de treinamento de guerrilha em Divinópolis (GO). Acabaram descobertos com armas e bandeiras cubanas e uma minuciosa descrição dos fundos enviados por Cuba para a sublevação camponesa. Terminava a primeira aventura de Cuba no Brasil. Era novembro de 1962 e João Goulart ainda presidia a República. O golpe de 1964 empurrou mais gente para a luta armada. Cuba apoiou os adversários do regime não só com slogans, armas e dinheiro. Mas também com treinamento. O Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), de Leonel Brizola, recebeu dinheiro para montar focos guerrilheiros. O mais famoso tinha cinco homens treinados em Cuba. Era a Guerrilha do Caparaó, desbaratada em 1967. Depois vieram os militares e operários da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e os comunistas da Ação Libertadora Nacional (ALN), de Carlos Marighella. Teórico da guerrilha urbana, Marighella procurou apoio de Manuel Piñero Lozada, da Direção-Geral de Inteligência (DGI) cubana. Piñero aceitou treinar os exércitos da ALN, grupos de jovens destacados para aprender guerrilha em cursos de seis meses em Cuba. Um dos que lá treinaram foi o ex-ministro José Dirceu, para quem o curso era "um vestibular para o cemitério". Dirceu e seus colegas protagonizaram um dos mais dramáticos episódios da luta armada no País: o fim do Movimento de Libertação Popular (Molipo). Dissidentes da ALN, os jovens do Molipo foram incitados pelos cubanos da DGI a voltar ao Brasil. Um traidor entre eles fez um acordo com o DOI de São Paulo e ajudou a dizimar os colegas. Poucos sobreviveram. Apesar disso, o general Ochoa, então subordinado de Piñero, ainda propôs a Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz, o Clemente, comandante da ALN, uma última cartada: o desembarque de uma centena de cubanos no Amazonas. Era 1973. O plano não foi adiante. A maioria das organizações armadas brasileiras estava destruída ou abandonara as armas, caso do MR-8. No fim dos anos 80, com o declínio das verbas de Moscou, Piñero montou uma rede de militantes de vários países para praticar roubos a banco e seqüestros na América Latina a fim de financiar a revolução. No Brasil, o esquema esteve por trás dos seqüestros do banqueiro Antônio Beltran Martinez (1987), do publicitário Luís Sales (1989), do empresário Abílio Diniz (1989) e do publicitário Geraldo Alonso (1992). Essas ações acabaram transformando-se no símbolo do fracasso do projeto cubano, aquele que prometia revolucionar a revolução. Abandonada pela esquerda, a luta armada tornou-se um fantasma.

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