MANÁGUA - Milhares de fiéis católicos da Nicarágua celebraram a tradicional via-crúcis dentro das igrejas e ou nos arredores das paróquias do país, por medo de punição a procissões. Embora a ditadura de Daniel Ortega não tenha emitido uma proibição oficial às celebrações, sacerdotes disseram ter recebido ameaças de policiais sobre restrição a procissões da Semana Santa nas ruas.
Em Manágua, centenas de devotos replicaram o caminho de Jesus até a cruz reunidos nos pátios da Catedral Metropolitana, acompanhados pelo cardeal Leopoldo Brenes. Em anos anteriores, a celebração reunia milhares de devotos em procissão pelas ruas da capital.
“Apesar de ter acontecido aqui, tudo ocorreu como deveria”, disse à Associated Press um homem que se identificou como Germán Miranda e que veio à catedral para participar da via-sacra. Segundo ele, “antes era a celebração era melhor, porque era mais livre” e que gostaria que o governo e a Igreja Católica “se reconciliassem, para um futuro melhor”.
O cardeal Brenes confirmou à AP que a via-crúcis deveria ser realizada desta vez ao redor das igrejas ou dentro delas. No entanto, minimizou a repercussão da proibição policial, apontando que “todas as paróquias celebraram, embora não com toda a intensidade”.
A população da Nicarágua é majoritariamente cristã e a celebração da Quaresma é um dos feriados mais importantes do país. Durante a Semana Santa, milhares de fiéis costumam encher procissões em diferentes cidades do país, sendo as mais populares as da Sexta-feira Santa e do Domingo de Páscoa.
Tensões com a Igreja Católica
O governo começou a restringir as atividades religiosas no ano passado, após o aumento das tensões com a Igreja Católica. Embora não tenha emitido uma proibição oficial, padres e sacerdotes do país receberam advertências verbais da polícia antes das atividades.
A constituição da Nicarágua estabelece que “toda pessoa tem direito à liberdade de consciência, de pensamento e de professar ou não uma religião” e que “ninguém pode ser submetido a medidas coercitivas que prejudiquem esses direitos”.
O regime de Ortega deteve o bispo de Matagalpa, monsenhor Rolando Álvarez, que em fevereiro passado foi condenado a mais de 26 anos de prisão por se recusar a ser exilado junto com 222 opositores libertados e enviados aos Estados Unidos.
O presidente sandinista chamou os bispos membros da Conferência Episcopal de terroristas e criminosos, a quem acusa de terem apoiado os protestos sociais de abril de 2018 contra seu governo.
Esta semana, o governo expulsou do país o padre panamenho Donaciano Alarcón, que era pároco na área rural de San José de Cusmapa. Em declarações à imprensa de seu país, o sacerdote disse que em 3 de abril foi detido abruptamente pela polícia nicaraguense após celebrar uma missa.
“Eles me colocaram em uma viatura com dois policiais e me levaram até a fronteira com Honduras e lá me fizeram atravessar e me disseram: você está fora do país e não pode mais voltar”, disse Alarcón à rádio Hogar, do Panamá. O padre disse que a polícia o acusou de agitar o povo e de realizar via-crúcis e procissões, o que negou. “Não fiz procissão, porque eram proibidas, e fui o primeiro a dizer às pessoas que não haveria procissão”, disse.
Nesta mesma semana, também foram relatadas prisões de supostos opositores. O Movimento Universitário 19 de abril denunciou a prisão de seu vice-presidente, Jasson Salazar, 26, que foi levado pela polícia ilegalmente e arbitrariamente de sua casa em Manágua, e garantiu que continua detido.
Também foi noticiada a prisão da jovem Anielka García, na cidade de Chichigalpa, e da oposicionista Olesia Muñoz. Familiares do jornalista Víctor Ticay, do canal de televisão 10, disseram que o repórter foi detido pela polícia um dia após cobrir uma procissão religiosa no município de Nandaime. A polícia da Nicarágua não confirmou nenhuma dessas prisões.
As tensões entre Ortega e a Igreja Católica aumentaram no ano passado, após a expulsão em março de 2022 do núncio apostólico Waldemar Sommertag, que em várias ocasiões tentou defender a libertação de opositores presos.
Ortega atacou o Vaticano, chamando de máfia e, em 12 de março, o Papa Francisco se referiu ao governo da Nicarágua como uma ditadura grosseira. Dias depois, o governo anunciou a suspensão das relações diplomáticas com o Vaticano, o que resultou no fechamento das duas missões em Roma e em Manágua.
Essas tensões são vividas poucos dias após o quinto aniversário da revolta de abril de 2018, quando a repressão policial aos manifestantes civis deixou pelo menos 355 mortos, mais de 2.000 feridos, 1.600 detidos em diferentes momentos e mais de 100.000 exilados./AFP e AP
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.