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Opinião | No G-20, a realidade dobra as posições ideológicas de Javier Milei

A Argentina assinou a declaração final do G20 sem ressalvas; Buenos Aires e Brasília também assinaram um memorando de entendimento para a exploração de gás natural no campo argentino de Vaca Muerta

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Foto do author Filipe Figueiredo

O discurso ideológico de Javier Milei de que não faria negócios com “esquerdistas e comunistas” como Lula não durou nem um ano de choque de realidade. O presidente da Argentina precisa fazer negócios com o presidente do Brasil, sejam quem essas pessoas forem. Na Cúpula de Líderes do G20, no Rio de Janeiro, ambos podem dizer que saíram ganhando após uma boa barganha diplomática.

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No último 30 de outubro, Javier Milei demitiu sua então chanceler, Diana Mondino, após ela ter seguido a posição tradicional da diplomacia argentina e votado pela condenação do embargo dos EUA contra Cuba na ONU. Foram 187 votos pela condenação, com a abstenção de Moldova e o voto contrário apenas dos EUA e de Israel. A posição da chanceler, somada com questões internas, teria enervado Milei e seus óculos “anarcocapitalistas”.

Milei, então, passou a interferir em várias conversas em curso dentro da chancelaria, ameaçando inclusive voltar atrás na posição argentina na declaração final do G20. Chegou ao ponto de anunciar que o país não integraria a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. O fato de Milei ter ido até os EUA, onde foi chamado de “presidente favorito” por Donald Trump, alimentou desconfianças de que o argentino seria um “cavalo de Troia” trumpista.

O presidente da Argentina, Javier Milei, participa de uma reunião da cúpula do G-20, no Rio de Janeiro  Foto: Pablo Porciuncula/AFP

O presidente argentino, entretanto, esqueceu da realidade concreta. Seu país não pode se dar ao luxo de se tornar uma espécie de pária internacional, nem de fiar-se a apenas um ou dois aliados, mesmo que dentre eles estejam a maior economia do mundo durante o governo Trump. Principalmente, não pode se dar ao luxo de virar as costas para o Brasil, por mais que ele acredite que ser chefe de Estado signifique abraçar apenas os que lhe são simpáticos.

Durante a cúpula ocorreram dois desdobramentos. Primeiro, algumas lideranças expressaram diretamente para Milei o seu descontentamento com sua posição, incluindo Emmanuel Macron, o presidente francês. Principalmente, os governos de Brasil e de Argentina construíram um acordo como parte de uma renovação da aproximação diplomática e a adesão argentina aos documentos brasileiros.

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A Argentina assinou a declaração final do G20 sem ressalvas e aderiu à aliança proposta pelo governo Lula. Como parte das conversas, Brasil e Argentina assinaram um memorando de entendimento para a exploração de gás natural no campo argentino de Vaca Muerta. Difícil que seja feito algum reconhecimento público e explícito sobre isso ter sido uma negociação, mas duas fontes diferentes confirmaram à coluna.

O presidente da Argentina, Javier Milei, e sua delegação, participam de uma reunião com o presidente da China, Xi Jinping, e sua comitiva, no Rio de Janeiro  Foto: Presidência da Argentina/AFP

Necessitada de investimentos e de renovação de infraestrutura, a Argentina precisa de parceiros para explorar Vaca Muerta, que vê quase como um bilhete de loteria. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, em conferência de imprensa, reconheceu o acordo como parte de um “gesto importante” que já era parte da agenda energética brasileira e também “muito simbólico diplomaticamente”. Para bom entendedor.

Depois da publicação da declaração de líderes, a Casa Rosada publicou uma nota apresentando discordâncias e que se distanciará da Agenda 2030 da ONU. Nota para mero consumo interno e ideológico, já que o país assinou sem ressalvas. No fim das contas, todos venceram. A Argentina potencialmente ganha investimentos, o Brasil conseguirá diversificar sua fonte de gás e o governo Lula teve uma vitória diplomática imediata, com uma nota unânime e a criação de um novo mecanismo internacional contra a pobreza.

Opinião por Filipe Figueiredo

Filipe Figueiredo é graduado em história pela USP, comentarista de política internacional e criador dos podcasts Xadrez Verbal e Fronteiras Invisíveis do Futebol, sobre política internacional e história

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