Yoon Suk-yeol sofreu impeachment como presidente da República da Coreia, popularmente conhecida como Coreia do Sul. A Assembleia Nacional o suspendeu do cargo devido às ações do presidente no início do mês, quando ele declarou lei marcial em um discurso televisionado, suspendendo o direito de assembleia e acusando a esquerda do país de “rebelião” e “simpatia” pela Coreia do Norte. A rápida movimentação da sociedade civil sul-coreana em prol de sua democracia pode ser explicada por um fenômeno cultural que é erroneamente associado apenas às adolescentes, o gênero musical do K-Pop.
O conservador Yoon Suk-yeol teve uma ascensão meteórica na política. Ex-procurador geral de algo como uma “Lava Jato coreana”, ele venceu as eleições sob a bandeira da luta contra a corrupção e contra “a esquerda”. Seu governo, entretanto, tem sido um desastre, e os eleitores do país deram um recado no início do ano, elegendo um parlamento de maioria oposicionista. O parlamento bloqueou o orçamento proposto pela presidência conservadora e iniciou uma investigação contra a primeira-dama, justamente por corrupção, acusada de manipular valores de ações.
A lei marcial declarada pelo presidente não tinha nada de segurança nacional ou relação com alguma enorme crise, foi uma cartada autoritária em um cenário de queda de braço entre o Executivo e o Legislativo, uma tentativa de autogolpe de manual, quando um poder constituído busca anular o outro. A maior parte da sociedade sul-coreana notou que se tratava de uma movimentação autoritária que usava o “fantasma do comunismo” como espantalho, em benefício de um governo sem prestígio e fracassado. O presidente determinou até a prisão de diversas figuras importantes da política nacional.
Houve rápida mobilização, incluindo o confronto de populares com tropas militares que cercaram o Parlamento. Os parlamentares entraram na casa e rapidamente votaram para anular o decreto de lei marcial. Vários integrantes do governo renunciaram, incluindo o então ministro da Defesa, e Yoon foi colocado na mira do impeachment, aprovado no Parlamento com votos de deputados de seu partido. Agora, seu destino está nas mãos da Suprema Corte que, pela constituição sul-coreana, precisa determinar a validade do processo de impeachment.
A mobilização da sociedade civil sul-coreana, especialmente dos jovens, é efeito dos dividendos democráticos do país. Até 1987, a república coreana foi governada de maneira autoritária, incluindo por governantes militares, mais uma das ditaduras anti-comunistas da Guerra Fria. Golpes de Estado, assassinatos políticos, vigilância estatal, tudo isso fazia parte da Coreia do Sul. Parte desse legado ainda se faz presente no país, marcado por relações promíscuas entre a política e grandes conglomerados econômicos. Em 1988, entretanto, veio a abertura política, a democratização e a abertura do país para o mundo, com os jogos olímpicos daquele ano como grande símbolo.
Em 1995, como parte dessa abertura, foram lançadas as bases da política Hallyu, a Onda Coreana, com dois pilares. O primeiro é a melhoria da imagem do país pela exportação de produções culturais sul-coreanas, aproximando pessoas dos diferentes continentes da cultura coreana, numa abordagem de Soft power. O segundo pilar é o econômico, com programas de incentivo e financiamento pelo Estado para produções locais. A Hallyu é um sucesso, em todos os parâmetros. Entre os idiomas estudados por estrangeiros, o coreano é o segundo idioma que mais cresceu no século XXI. Cada dólar investido no setor cultural vira cinco dólares em exportações de, por exemplo, roupas, cosméticos e eletrônicos, além de crescimento no turismo.
Em 2019, a Coreia do Sul recebeu mais de 17 milhões de turistas estrangeiros, três vezes o número de turistas quinze anos antes. Os grandes símbolos dessa abertura cultural democrática são os grupos de K-Pop, além do premiado filme Parasita. Todo esse processo de abertura cultura faz com que os dividendos democráticos sejam perceptíveis por toda a sociedade coreana. O jovem sul-coreano vê seu país ser valorizado, vê a importância da abertura, é beneficiado economicamente por ela. O jovem coreano não quer uma ditadura fechada. Consequentemente, está disposto a ir às ruas para impedir um autogolpe de quinta categoria e defender sua democracia.
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