O último dia nove de junho foi agitado no calendário eleitoral europeu. Foram quatro eleições nacionais, dois referendos nacionais e, principalmente, a eleição para o Parlamento Europeu, o segundo maior sufrágio do mundo em número de eleitores. A reação inicial e instintiva de muitas pessoas foi apontar uma suposta vitória da direita nacionalista e da extrema direita no pleito europeu, mas um olhar mais atento desafia essa perspectiva.
Enquanto essa coluna é escrita, ainda não temos os resultados finais, apenas as projeções oficiais e os resultados finais de alguns países-membros. Os números finais podem ser ligeiramente diferentes, com uma ou duas cadeiras a mais ou a menos para cada grupo citado. “Grupo”, nesse caso, é cada frente partidária europeia, uma organização transnacional que atua nas instituições da União Europeia formada por partidos nacionais.
O primeiro lugar foi mantido pelo grupo Partido Popular Europeu, uma frente conservadora clássica de centro-direita cujos integrantes são, por exemplo, a União Democrata-Cristã alemã e seu partido irmão, o Partido Popular espanhol e o Partido Social Democrata, que atualmente governa Portugal. O PPE foi de 176 para 186 cadeiras, seguido pela Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas, que manteve o segundo lugar.
O grupo formado por social-democratas foi de 139 para 135 cadeiras. O grupo liberal Renovar a Europa foi um dos grandes perdedores do pleito, indo de 102 para 79 cadeiras, mas mantendo o posto de terceira maior bancada. Os verdes, com 71 cadeiras, eram a quarta maior bancada, e agora serão apenas a sexta, com 53 cadeiras, sendo os outros grandes perdedores dessa eleição.
Os verdes precisarão repaginar sua imagem e seu discurso com os impactos energéticos após a invasão da Ucrânia pela Rússia de Vladimir Putin. Olhando para os números do pleito, pode-se atestar que todos os três grupos que podem ser considerados à esquerda do centro diminuíram, já que a frente Esquerda continua como o menor grupo partidário da casa, com 36 cadeiras, menos do que a soma dos eurodeputados independentes.
O grupo Reformistas e Conservadores Europeus ficou com 73 cadeiras, antes ocupando 69. Esse é o grupo dos partidos Fratelli d’Italia, da premiê da Itália, Giorgia Meloni, e Vox, espanhol neofranquista. Já o grupo Identidade e Democracia, liderado pelo francês Reunião Nacional de Marine Le Pen, saltou de 49 para 58 cadeiras. O “identidade” nesse caso dialoga com o Movimento Identitário, um eufemismo que grupos racistas europeus se deram.
Somando os dois grupos de direita nacionalista e de extrema direita, eles ficaram com 131 cadeiras de 720, 18,1% do parlamento. Antes, ocupavam 118 assentos de 705, 16,7% da casa.
Ou seja, nada de um crescimento assombroso. Isso não quer dizer que a ameaça interna à integração europeia não teve ganhos. O RN de Le Pen se tornou o maior partido francês no Parlamento Europeu, com 30 das 81 cadeiras do país.
Junto com isso, o Alternativa para a Alemanha, conhecido pela sigla em alemão AFD, que abraçou o revisionismo escancarado do nazismo, se tornou a segunda bancada da Alemanha, com 17 das 96 cadeiras.
França e Alemanha são os dois principais pilares da União Europeia, e o crescimento da extrema direita nesses dois países gera um efeito sísmico no restante da UE, favorecendo a corrosão institucional do bloco.
Além disso, o motivo de não termos mencionado o AFD em nenhuma frente partidária europeia é pelo fato de que ele fazia parte dos Identitários, mas foram expulsos por Le Pen depois que o revisionismo nazista começou a gerar repercussão muito negativa. Oficialmente, eles assumem como “não inscritos”, lembrete de que muitos eurodeputados independentes e de outros grupos são também de extrema direita.
O fato dos partidos nacionalistas e de extrema direita estarem pulverizados em diversas frentes partidárias mostra que eles não agem em concerto ou de forma monolítica. São unidos em poucas pautas, como imigração, e enxergam no Parlamento Europeu seu palco ideal, com “Bruxelas” servindo de grande espantalho nacionalista. As principais forças pela integração da União Europeia podem respirar tranquilas. Ao menos por enquanto.
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