Em menos de vinte e quatro horas, dois episódios prometem aumentar enormemente a tensão na região do Oriente Médio. Na manhã do dia 30 de julho, a força aérea israelense realizou um ataque contra Beirute, capital do Líbano.
Nas primeiras horas do dia seguinte, foi divulgado que Ismail Haniyeh, o principal líder político do Hamas, foi assassinado em Teerã, capital do Irã. Infelizmente, o mais alarmante sobre esses eventos é que, hoje, uma escalada é do interesse de muitos atores da região, como Netanyahu.
No último dia 27 de julho, um ataque com foguetes contra as Colinas de Golã deixou doze pessoas mortas, todas eram etnicamente drusas e a maioria crianças que jogavam bola em uma quadra. O ataque foi realizado pelo Hezbollah, que negou a responsabilidade, o que não é comum. Israel retaliou com o ataque aéreo contra Beirute, capital do Líbano. O alvo seria Fuad Shukr, oficial do Hezbollah responsável pelo ataque contra as Colinas de Golã e um dos principais comandantes do braço armado do grupo.
O ataque israelense foi contra uma área densamente povoada e dezenas de pessoas ficaram feridas. Ainda não está claro o número de mortos e se Fuad Shukr estaria entre eles. O governo israelense alega que se defendeu e que o Hezbollah “cruzou a linha vermelha”. Kamala Harris disse que Israel “tem o direito de se defender”. A questão é que apenas os EUA reconhecem o território atacado como sendo israelense. Toda a comunidade internacional considera as Colinas de Golã como território sírio ocupado.
Nenhuma das crianças vitimadas pelo ataque do Hezbollah era cidadã israelense, inclusive. Os drusos vivem divididos entre os três países da região, com a maioria vivendo na Síria. Ou seja, a retórica de “autodefesa” provavelmente será questionada. Ao mesmo tempo que alega se defender, o governo israelense nega que queira uma escalada e que o ataque teria sido um alerta. Ao mesmo tempo que nega a escalada, o governo israelense realizou um ataque que foi condenado, por exemplo, pela Rússia como desproporcional e em área urbana.
A realidade é que uma escalada poderia ser do interesse de Benjamin Netanyahu, que precisa da guerra para se manter no poder e evitar seus processos judiciais. Nas últimas semanas, com a diminuição da intensidade da guerra em Gaza, os protestos por sua renúncia voltaram a ganhar força e seu “gabinete de guerra” foi desmontado, com Benny Gantz voltando para a oposição. E não é apenas Netanyahu que se beneficiaria de uma eventual escalada, que também é do interesse do Hezbollah.
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O grupo surgiu como resistência xiita à ocupação israelense no sul do Líbano e têm no antagonismo aos israelenses uma de suas razões de ser. O Hezbollah é dividido em um partido político e um grupo armado, mas, nos últimos anos, com a profunda crise socioeconômica libanesa, o grupo adotou cada vez mais a estratégia de se apresentar como a única barreira contra Israel e usar o tom belicista como bandeira nacional. Hoje, o Hezbollah é um “Estado dentro do Estado”, com vasta capacidade militar.
Tais capacidades militares são auxiliadas e abastecidas pelo Irã e em muito eclipsam o exército regular libanês. Nas últimas décadas, franceses e sauditas tentaram equipar e treinar o exército libanês como eventual contraponto, mas sem sucesso. E foi no Irã o segundo episódio do dia, com o assassinato de Ismail Haniyeh, principal líder da ala política do Hamas e que recentemente foi uma das pessoas que tiveram sua prisão solicitada pelo Tribunal Penal Internacional, junto de Netanyahu, Yahya Sinwar e Yoav Galant.
As informações sobre o assassinato de Haniyeh ainda são escassas enquanto essa coluna é escrita, mas a morte foi confirmada pelo próprio Hamas. Obviamente a principal possibilidade de responsabilidade recai sobre Israel. Netanyahu recentemente esteve nos EUA e uma operação dessas, na capital iraniana, dificilmente foi decidida sem diálogo com Washington ou até mesmo com inteligência fornecida pelos EUA. Novamente, entretanto, trata-se apenas de especulação.
O assassinato de Haniyeh seria uma óbvia vitória para o governo Netanyahu, mas vai além. Mina completamente qualquer conversa de um cessar-fogo, que Biden prometeu que aconteceria em breve, garantindo que a guerra com o Hamas continuará. Também aumenta o risco de uma escalada com o Irã. Isso é do interesse da Guarda Revolucionária e da linha-dura iraniana, que saiu derrotada na última eleição. Haniyeh estava no Irã justamente para a posse do presidente Masoud Pezeshkian, um moderado.
Uma escalada entre Irã e Israel necessariamente atrairia ainda mais os EUA para a região, em um momento delicadíssimo da política doméstica dos EUA, em plena corrida eleitoral. A morte de Haniyeh provavelmente também terá efeitos nos aliados iranianos, que possivelmente se sentirão mais vulneráveis. Afinal, Haniyeh foi assassinado em plena Teerã. Esse cenário de crise é um ótimo lembrete de que não existe uma “guerra inevitável”. Na verdade, um conflito é do interesse de muitos dos envolvidos
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