Caso Donald Trump mantenha a postura de seus primeiros dias com os países parceiros do seu, provavelmente criará problemas para os EUA no médio e no longo prazo. Trump vem de um mundo onde os EUA praticamente não tinham concorrentes econômicos. Esse mundo não existe mais. Hoje, crises com os EUA abrem espaços que podem ser preenchidos por outros atores, especialmente pela grande obsessão de Trump, a China.
Nos últimos dez dias, o mundo viu os relatos de uma ligação telefônica em que o presidente dos EUA foi agressivo e incisivo com a primeira-ministra da Dinamarca, país que controla a Groenlândia, e também assistiu às ameaças de tarifas e sanções administrativas contra a Colômbia, que recusou o recebimento de seus cidadãos deportados pelos EUA caso eles fossem enviados em aviões militares.
Os EUA são a maior potência militar do planeta e, dependendo dos critérios, a maior economia do mundo, além de diversos outros atributos que o qualificam como uma superpotência. É claro que os EUA possuem uma relação assimétrica com praticamente todos os outros países e em qualquer campo de atuação, salvo pequenas exceções. Ninguém seria insano para negar isso.
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Ser poderoso, entretanto, implica saber quando, e como, usar esse poder. Trump vociferou ameaças e imposições não contra países antagônicos ao seu, como a Nicarágua ou a Coreia do Norte, mas contra aliados tradicionais. Os dinamarqueses, membros da Otan, combateram no Afeganistão durante vinte anos, de 2001 a 2021, após o 11 de Setembro, e sofreram proporcionalmente mais baixas do que os EUA.
A Colômbia sedia bases dos EUA e foi o único país latino-americano que apoiou a invasão do Iraque em 2003. Talvez, então, a postura de Trump tenha sido motivada pelo fato de que ambos os países, hoje, são governados por políticos de esquerda. Isso deixaria sua postura ainda mais tacanha, movida por birra ideológica. Principalmente, entretanto, a postura de Trump já provocou alertas e reações.
Na Europa, é crescente o desejo por maior integração militar que diminua a dependência dos EUA na defesa do continente. Além disso, uma postura agressiva perante a Dinamarca apenas incentivaria ações similares por outros países, algo já abordado aqui em nossa coluna. Na América Latina, cogitou-se articular uma reunião da Celac para encontrar uma postura comum perante a questão das deportações em massa e ameaças de sanções.
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Em ambas as regiões, líderes já comentam que, em caso de tarifas comerciais, haverá retaliação na mesma medida. A economia dos EUA não é autárquica. Na verdade, quanto mais rico um país, mais dependente do comércio ele será. Uma guerra comercial seria trágica para todos, o que inclui Trump e seu governo, que devem achar que ficariam incólumes. O índice de inflação dos EUA rapidamente mostraria o contrário.
Tanto europeus quanto latino-americanos também podem buscar aprofundar suas relações econômicas com outros países, e entre si, como no acordo de livre-comércio entre UE e Mercosul. Claro que esses processos não são rápidos e, no curto prazo, Trump poderia bradar que sua política de distribuir tarifas é um sucesso e “dobrou” os outros. No médio e longo prazo, entretanto, o estrago estaria feito. A velocidade do mundo não é a das redes sociais.
Novamente, não se trata de negar que os EUA sejam o país mais poderoso do mundo, mas ver que ninguém gosta de coerção ou de um parceiro que não respeita seus aliados. Nos anos 1980 e 1990, não haveria muito a ser feito. Hoje, entretanto, alternativas se oferecem, como a Índia e as monarquias árabes do golfo. Principalmente, a China está interessada em preencher qualquer vácuo. Vide os comentários do embaixador chinês em Bogotá durante a “crise”.
A fatia chinesa do comércio global apenas cresceu entre os anos de 2015 e 2019, o primeiro mandato de Trump antes da pandemia. Mais que isso, a presença chinesa nos índices de investimentos cresceu e o uso internacional do dólar diminuiu. Todos esses são fatos e são essas as preocupações de Trump, mas o remédio está errado. Não será falando grosso com seus aliados e fino com Putin que ele reverterá esse processo.
Parte do status dos EUA se deve ao estabelecimento de parcerias e ao aprofundamento institucional das relações internacionais após a Segunda Guerra Mundial. Mesmo na Era dos Impérios pré-Grande Guerra, quando o “poder era direito”, Theodore Roosevelt tinha como lema “fale manso, mas carregue um grande porrete”, a chamada Política do Big Stick. Trump, aparentemente, não se deu ao trabalho de prestar atenção na parte do “fale manso”.