Binyamin Netanyahu não se importa com os reféns israelenses sob o cativeiro do Hamas. Isso já foi escrito aqui nesse espaço meses atrás. Desde então, o colunista ouviu essa mesma frase diretamente de familiares de reféns, assim como a situação política israelense se agravou.
Netanyahu e seu governo usam as vidas e os restos mortais dos reféns israelenses para prolongarem suas agendas. No caso de seus ministros, a do retorno dos assentamentos à Gaza, enquanto o líder do governo quer sobreviver politicamente e juridicamente.
As ações militares israelenses libertaram apenas oito reféns. Oito. Quase todos os reféns que retornaram foram via negociações. Sem mencionar quantos reféns possivelmente foram mortos por ataques aéreos israelenses, como relatado por Noa Argamani, uma refém libertada, na ONU.

Sabendo disso que Einav Zangauke, mãe de um refém e ativista pelas famílias de reféns, está organizando, junto a outros familiares, uma ação perto de Gaza, para evitar uma nova ofensiva militar.
Ela, assim como a maioria da sociedade israelense, sabe que Netanyahu não se importa com os reféns e que não irá negociar, pois isso significaria o início de seu fim político. A imprensa israelense noticiou que o Hamas manteve seus termos para a segunda fase do cessar-fogo.
Mesmo assim, o cessar-fogo foi encerrado de forma unilateral por Israel com ataques aéreos que deixaram centenas de mortos em Gaza. Semanas atrás, o governo israelense também rapidamente rejeitou o plano de paz da Liga Árabe para a reconstrução de Gaza.
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Após a repercussão negativa causada pelas imagens dos palestinos mortos nos ataques, incluindo muitas crianças, a assessoria de Netanyahu postou um vídeo do primeiro-ministro, em inglês, ou seja, voltado para o público internacional. Nele, a argumentação cínica de que tudo o que acontece seria responsabilidade apenas do Hamas, pelo fato de que foi o grupo fundamentalista que realizou o ataque no dia sete de outubro de 2023. Sim, é um grupo fundamentalista, não apenas um grupo de resistência armada. Sim, foi um ataque terrorista.
Ainda assim, Netanyahu fala como se, desde então, ele não tivesse nenhuma responsabilidade como líder de seu país, como se não houvesse um Direito Internacional Humanitário, violado sob seu governo ao ponto dele ser acusado formalmente pelo TPI. E como também se o Hamas não tivesse relação com o próprio Netanyahu, como é analisado e afirmado pela imprensa israelense.
A jornalista Tal Schneider sintetizou: “Durante anos, Netanyahu sustentou o Hamas. Agora, isso explodiu na nossa cara”. O líder israelense foi muito claro: apoiar o grupo fundamentalista era o caminho para enfraquecer a secular Autoridade Nacional Palestina e, consequentemente, evitar um Estado palestino.
Existem dois desdobramentos recentes nessa seara. Primeiro, o “Catar Gate”, com dinheiro do Catar repassado ao Hamas, via integrantes do gabinete do Netanyahu, que teriam recebido parte dos valores em propinas, incluindo o transporte de malas de dinheiro vivo.
Segundo, o Shin Bet, a agência de inteligência doméstica de Israel, publicou relatório mostrando as falhas de segurança do governo Netanyahu e que o financiamento do grupo possibilitou o ataque de sete de outubro, e que tal financiamento foi incentivado pelo governo de Israel.
O relatório não cita o primeiro-ministro nominalmente. Ainda assim, a reação de Netanyahu foi demitir Ronen Bar, chefe do Shin Bet. A decisão não foi adiante por interferência da procuradora-geral Gali Baharav-Miara, que afirmou que não existe base legal para a demissão, devido ao seu óbvio caráter político. Não é a primeira vez, nem será a última, que o premiê israelense entra em conflito com alguém que o impede de impor seus caprichos, vide o “golpe judiciário” que ele tentava impor e que motivou enormes protestos em seu país.

A retomada dos ataques contra Gaza também permitiu que uma audiência dos casos de corrupção e tráfico de influência de Netanyahu fosse suspensa. Além desses julgamentos, todo o contexto citado torna os ataques contra Gaza muito convenientes para Netanyahu.
Ele muda o foco do debate político, varre o “Catar Gate” e o relatório do Shin Bet para debaixo do tapete, e mantém sua “missão” auto-ordenada de fazer o “serviço sujo” contra palestinos e os países vizinhos, mantendo seu país em um estado de guerra permanente. As acusações listadas não podem ser facilmente desmerecidas por Netanyahu e seus apoiadores com a habitual instrumentalização do crime de antissemitismo.
Seria o chefe do Shin Bet antissemita? A refém que sobreviveu para contar sua história? Claro que não. Assim que houver paz, Netanyahu estará fora do cargo. Então, será julgado por seus crimes e pela maior falha de segurança dos últimos cinquenta anos. Ironicamente, segurança é a palavra que o sustentou por décadas.
O filho de historiador, um obcecado com seu legado e imagem histórica, sabe que a ruína lhe espera. Que Netanyahu nunca se importou com as vidas de palestinos, todos sabem. Não achem, entretanto, que ele se importa com as vidas dos reféns. A única vida que o importa é a dele e, por isso, não pode haver paz.