Rodrigo Duterte, ex-presidente das Filipinas, está em Haia, nos Países Baixos, preso sob um mandato do Tribunal Penal Internacional. Ele foi preso pela polícia de seu país no último dia onze de março, acusado de crimes contra a humanidade relacionados à “guerra às drogas” conduzida sob seu governo, que resultou em dezenas de milhares de execuções extrajudiciais e outros abusos de Direitos Humanos pelas autoridades. Apesar da boa notícia de um ex-governante responder por seus crimes, é necessário devagar com o andor.
A “guerra às drogas” nas Filipinas durou todo o mandato de Duterte, de 2016 a 2022, sendo uma promessa de campanha do candidato metido à imagem de “durão” e que “falava o que pensava”, tornando-se manchete por ofender o então presidente dos EUA, Barack Obama, com um xingamento referente à genitora de Obama. No Brasil, era por vezes comparado a Jair Bolsonaro, ou colocado na mesma categoria de políticos.
Sua campanha eleitoral era muito baseada na ideia de que, sem ele, as Filipinas mergulhariam no caos e se transformariam em um “narco-Estado”. Chegou ao ponto de incentivar cidadãos comuns a linchar e matar usuários de drogas. Duterte disse até que “Hitler massacrou três milhões de judeus. Agora há três milhões de viciados em drogas. Eu ficaria feliz em massacrá-los”. Deixando de lado o número errado sobre o Holocausto, que assassinou seis milhões de judeus, dentre outras vítimas, a frase é talvez o exemplo mais visível de como a tal “guerra às drogas” se tratou de um massacre chancelado pelo Estado.

Depois de seis anos, as Filipinas ocupam posições muito parecidas nos principais rankings internacionais sobre crime e segurança pública. Mais que isso, a imprensa filipina investiga até que a “guerra às drogas” de Duterte na verdade foi uma fachada para usar as forças policiais para beneficiar chefões do crime ligados ao próprio Duterte, eliminando rivais. Tal esquema teria iniciado com o “esquadrão da morte” de Davao sob a prefeitura do mesmo Duterte, algo digno de roteiro de um “Tropa de Elite”, com muitos ecos com o Brasil.
Existem muitos motivos para uma figura como Duterte, que liderou uma política de extermínio, estar no banco dos réus na Haia. Por saber disso que seu governo retirou o país do Estatuto de Roma do TPI em 2018, algo oficializado em março de 2019. Ou seja, o tribunal possui jurisdição para julgar apenas os eventos ocorridos na primeira metade de seu mandato, o que, infelizmente, já preenche vários requisitos para a acusação formal de crimes contra a humanidade e violações sistemáticas de Direitos Humanos.
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Mesmo com todas essas razões apontadas, é necessário segurar o entusiasmo e não acreditar que se trata de uma mudança de paradigma, que agora todo crápula e projeto de tiranete será devidamente julgado.
O caso de Duterte possui tudo para ser uma exceção. A sua entrega ao TPI é consequência direta dos jogos de poder domésticos das Filipinas. Duterte foi sucedido no poder por Ferdinand Romualdez Marcos Jr., mais conhecido como “Bongbong” Marcos, filho do ex-ditador Ferdinand Marcos, uma das figuras mais corruptas do século XX.
Não há reeleição nas Filipinas e Rodrigo Duterte não podia ser candidato contra Marcos. Para garantir uma chapa vencedora, foi feito um acordo político entre as duas famílias, a coalizão “Uniteam”. Marcos Jr. como presidente e Sara Duterte, filha de Rodrigo, como vice-presidente, já que são eleições separadas. Logo após a vitória eleitoral, Marcos afirmou que seu governo não cooperaria com o TPI, pois já se falava em eventual mandado contra Rodrigo Duterte. Veio, então, a realidade de dividir o poder entre duas famílias.

Marcos Jr. e Sara Duterte rapidamente entraram em rota de colisão, com direito até a entrevista de Sara afirmando que tinha um “plano secreto” de assassinar Marcos Jr. “em caso de necessidade”. Isso foi a gota d’água. A maioria do legislativo ficou do lado do presidente, Sara Duterte sofreu impeachment e, um mês depois, seu pai foi entregue para o TPI pela polícia filipina. Rodrigo Duterte enfrenta o banco dos réus não apenas por seus crimes, mas também pela conveniência para a conjuntura política de seu país.
Essa é a triste realidade da maioria dos casos de criminosos entregues ao TPI. Por exemplo, muitos criminosos das guerras da ex-Iugoslávia foram entregues apenas pela pressão da União Europeia durante as negociações para as adesões dos países da região. Em 2024, escrevemos aqui sobre a impune visita de Putin à Mongólia. Essa é a realidade. Mandados de prisão débeis, que são cumpridos apenas quando convenientes. Decisões vinculantes da Corte Internacional de Justiça foram ignoradas de forma impune, como pelo Azerbaijão, em 2023. Quem acha que os grandes criminosos de potências, ou de países com apoio dessas potências, sentarão no banco dos réus na Haia precisa colocar as barbas de molho.