EL PASO - O governo dos EUA se prepara para uma “situação caótica” com 24 mil agentes posicionados na fronteira com o México para impedir a entrada de milhares de imigrantes ilegais no país com o fim de uma regra sanitária que tem sido usada para expulsá-los. O fim da regra já provoca enormes filas em vários pontos da fronteira do México com os EUA.
Na quinta-feira, às 23h59, horário de Washington (00h59 em Brasília), expira o chamado Título 42, regra ativada durante a pandemia que permite a expulsão automática de quase todos aqueles que chegam sem visto ou documentação necessária para entrar no país. A regra foi criada há três anos, no governo Donald Trump.
Críticos dizem que a medida usava a pandemia como pretexto para expulsar os imigrantes. Agora, com a expectativa de que vão poder voltar a pedir asilo nos Estados Unidos, imigrantes chegam em grande número a cidades mexicanas. Famílias, com crianças pequenas, aguardam uma chance pelas ruas e por abrigos ao longo da fronteira.
Agentes de fronteira, autoridades estaduais e locais e até os principais assessores do presidente Biden em Washington estão se preparando para a chegada de dezenas de milhares de imigrantes nos próximos dias. As pessoas já começaram a cruzar para as cidades fronteiriças dos EUA, antecipando o fim do Título 42.
Três cidades do Texas – Brownsville, Laredo e El Paso – declararam estado de emergência. Do lado de fora da Igreja Católica do Sagrado Coração, no centro de El Paso, na semana passada, centenas de imigrantes se espalharam por vários quarteirões ocupando cada pedaço da calçada. Em apenas alguns dias, os números subiram de algumas dezenas para mais de 2.000 pessoas, e mais continuam chegando todos os dias.
O governo Biden tenta agora convencer os imigrantes a recorrerem a “vias legais”, como marcar uma consulta no aplicativo móvel CBP One para pedir asilo em um porto de entrada, recorrer a uma autorização de reunificação familiar ou inserir-se em um programa que autoriza a entrada de 30 mil pessoas por mês da Venezuela, Nicarágua, Cuba e Haiti por motivos humanitários.
Entenda a crise na fronteira México-EUA
Quando as restrições inspiradas pela pandemia terminarem, as autoridades de fronteira retomarão um sistema de imigração que falhou em grande parte por décadas, mas com a pressão adicional de três anos de demanda reprimida. Cerca de 35.000 migrantes estão reunidos em Ciudad Juárez, outros 15.000 em Tijuana e milhares em outros lugares no lado mexicano da fronteira de 2.000 milhas.
Funcionários da Casa Branca disseram que trabalharam durante meses para se preparar para um provável aumento. Eles construíram instalações temporárias para abrigar milhares de migrantes, contrataram empreiteiros e reduziram o tempo de processamento das pessoas sob custódia. Eles também tomaram medidas para encorajar um fluxo de migração mais ordenado.
Uma nova regra dura que desqualifica requerentes de asilo que não buscaram proteção primeiro em outro país entrará em vigor na quinta-feira. Ao mesmo tempo, o governo está trabalhando com as Nações Unidas e outros países para abrir centros de processamento na Colômbia e na Guatemala para incentivar os migrantes a solicitar refúgio nos Estados Unidos ou em outros países sem caminhar até a fronteira. Recentemente, foram adicionados programas para migrantes de alguns outros países.
Na semana passada, o presidente ordenou 1.500 soldados para ajudar na fronteira. Mesmo assim, as autoridades esperam uma multidão de pessoas nos próximos dias. Biden enfrenta mudanças globais nos padrões de migração e forças econômicas e agitação social que estão levando milhares de pessoas da Venezuela, Haiti e América Central para a fronteira. E dentro dos Estados Unidos, o debate sobre como consertar o sistema de imigração do país continua polarizado, representando sério risco político para todos os envolvidos no início da corrida eleitoral de 2024.
Ninguém tem certeza do que acontecerá depois de quinta-feira. O governo federal espera até 13.000 migrantes por dia imediatamente após o término da medida, contra cerca de 6.000 em um dia típico.
O Título 42 permitiu que o governo expulsasse rapidamente imigrantes que tentavam cruzar a fronteira dos EUA com o México — incluindo solicitantes de asilo —, usando a pandemia de covid-19 como justificativa.
O governo Biden continuou a defender a política por mais de um ano após a posse do atual presidente, e expulsou cerca de dois milhões de pessoas até dezembro do ano passado sob o Título 42, segundo dados do Departamento de Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA.
O Título 42 deveria expirar em 21 de dezembro, prazo dado por um tribunal que rejeitou uma tentativa dos Estados liderados por republicanos de manter a política em vigor. Mas dois dias antes do fim do prazo, o presidente da Suprema Corte, John Roberts, emitiu uma suspensão da decisão.
Ativistas democratas e legisladores que apoiam a imigração pedem há dois anos ao governo Biden para encerrar a ordem. Mas o debate não se divide entre as linhas partidárias. Durante as eleições, muitos democratas, temerosos de perder eleitores por causa da questão da imigração, instaram o governo Biden a manter a ordem em vigor.
Membros de ambos os partidos também expressaram preocupação de que os funcionários da imigração na fronteira não estejam adequadamente preparados para lidar com o aumento da imigração que deve ocorrer quando o Título 42 terminar. Em abril, um grupo bipartidário de senadores dos EUA assinou um projeto de lei que atrasaria o fim da política.
“Estão dificultando as coisas”, disse à AFP Michel, um pedreiro venezuelano de 35 anos que prefere não revelar seu sobrenome, enquanto tentava em vão marcar uma consulta pelo aplicativo, em Ciudad Juárez (México). Seu tempo esgotou, mas a partir de sexta-feira o aplicativo estará ativo 23 horas por dia.
Já Miguel Colmenares, um imigrante venezuelano que estava na cidade mexicana de Tijuana, na fronteira com os EUA, afirmou. “Parte meu coração termos que continuar esperando”. “Não sei o que vou fazer, não tenho dinheiro, e minha família está esperando por mim”, disse Colmenares, de 27 anos, à agência de notícias Reuters.
No final de fevereiro, o governo dos EUA propôs novas regras que limitam o acesso ao asilo. Nesta quarta-feira, submeterá as regras de elegibilidade de asilo “para inspeção pública”, a etapa anterior à sua publicação no registro federal, de acordo com informações de um funcionário do governo, que pediu anonimato.
Quando o governo propôs estas regras, as ONGs as compararam a uma medida que o ex-presidente republicano Donald Trump tentou ativar em 2019 para impedir a chegada de caravanas de migrantes, mas foi impedido pelos tribunais.
As regras vão “impor condições significativas” sobre o acesso ao asilo para aqueles que “não usufruem destas fortes vias legais (...) e não peçam asilo em algum dos países por onde passaram”, acrescentou o funcionário.
A proposta original de fevereiro incluía exceções para crianças, “emergências médicas agudas” e ameaças extremas e iminentes à vida ou segurança dos migrantes. Se os migrantes não forem “elegíveis ao asilo”, é muito provável que acabem deportados em nome do Título 8, uma norma migratória usada há décadas e que permite deportar qualquer pessoa que entre no país sem visto ou documentação exigida.
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