Fortaleza russa: como Putin preparou sua economia para sanções desde a anexação da Crimeia

Desde que pagou um alto preço pela anexação da do território ucraniano em 2014, a Rússia tentou tornar sua economia à prova de sanções e isolamento

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Por Max Fisher
Atualização:

A postura de Vladimir Putin em relação ao Ocidente durante a recente crise na Ucrânia parece incomumente desafiadora, mesmo para ele. Mas pode haver mais por trás de sua confiança do que poder militar ou bravata vazia.

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Nos últimos anos, Putin, presidente da Rússia, reestruturou a economia de seu país com o propósito específico de resistir à pressão financeira ocidental.

A Rússia reduziu drasticamente o uso de dólares e, portanto, a influência de Washington. Acumulou enormes reservas monetárias e reduziu seus orçamentos para manter sua economia e serviços governamentais funcionando mesmo sob isolamento. Reorientou o comércio e procurou substituir as importações ocidentais.

Pessoas observam as torres do Moscow City business center nesta quarta-feira, 2. Foto: EFE/EPA/YURI KOCHETKOV

Autoridades econômicas russas “estão muito orgulhosas, e têm boas razões para isso, pelo trabalho que fizeram para tornar a economia russa mais imune a sanções”, disse Alexander Gabuev, membro sênior do Carnegie Moscow Center.

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Essa transformação, entre os exemplos mais dramáticos do que é conhecido como “à prova de sanções” em todo o mundo, ocorre menos de oito anos depois que as sanções ocidentais sobre a anexação da Crimeia por Moscou em 2014 atolaram a Rússia em convulsões econômicas e políticas.

As defesas econômicas reforçadas da Rússia podem ajudar a explicar por que Putin agora parece disposto a encenar outra incursão militar na Ucrânia, apesar do custo duradouro de sua mudança na Crimeia.

Ainda assim, suas mudanças fornecem apenas uma proteção contra sanções, não um escudo impenetrável. As medidas mais duras discutidas em Washington quase certamente surtiriam efeito, causando danos potencialmente devastadores - embora prejudicando as economias ocidentais no processo.

Logo do Nord Stream 2 em tubulação em fábrica deChelyabinsk, na Rússia. 

Fortaleza Rússia

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A fortificação econômica mais importante de Moscou é o estoque de moeda estrangeira de seu banco central.

Todos os países reservam moeda estrangeira para cobrir o comércio e as dívidas. A maioria detém dólares americanos, devido à sua estabilidade e ampla aceitação. Os países que dependem das exportações de energia geralmente acumulam mais para compensar as flutuações de preços.

Desde 2015, a Rússia, ao desviar a receita de petróleo e gás, expandiu suas reservas de moeda para impressionantes US$ 631 bilhões (cerca de R$ 3,34 trilhões), o equivalente a um terço de toda a economia da Rússia. É a quarta maior reserva desse tipo no mundo, entre as maiores de qualquer petroestado.

“É isso que dá a Putin sua liberdade de manobra estratégica”, escreveu Adam Tooze, historiador econômico da Universidade de Columbia.

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Moscou pode usar essas reservas para manter o rublo sustentado se outra onda de sanções ocorrer. Também pode usá-los para cobrir balanços governamentais e corporativos.

E Putin, ao reduzir despesas, manteve as dívidas gerais abaixo de dois terços de suas reservas monetárias.

"Esse forte equilíbrio financeiro significa que a Rússia de Putin nunca experimentará o tipo de crise financeira e política abrangente que abalou o Estado em 1998", escreveu Tooze.

Crucialmente, o dólar - outrora dominante - agora responde por apenas 16% das reservas monetárias da Rússia, que Moscou substituiu por euros, renminbi da China e ouro.

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É um dos muitos passos em direção à chamada “desdolarização”, reduzindo a capacidade de Washington de usar seu controle sobre transações baseadas em dólar para sufocar a economia da Rússia.

A Rússia também reestruturou dívidas corporativas no país para serem em rublos em vez de dólares, por exemplo.

Ao mesmo tempo, a Rússia transferiu algum comércio para a Ásia. E, depois de 2014, quando a Rússia impôs restrições comerciais ao queijo europeu como retaliação às sanções, Moscou substituiu as importações perdidas por alternativas locais.

Embora o mundo tenha ridicularizado o Brie e o Parmesão russos, feitos com óleo de palma em vez de leite, muitos consumidores russos agora dizem que estão satisfeitos com a mudança. O episódio do queijo, embora possa parecer periférico, demonstrou a resiliência de Moscou à escassez de consumo.

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Putin também aprendeu como manter a importante elite política e empresarial da Rússia (que o mantém no poder da mesma forma que os eleitores mantêm os líderes democráticos no poder) leal mesmo sob sanções.

Insiders políticos ou oligarcas que perderam seus apartamentos em Londres ou investimentos estrangeiros após 2014, por exemplo, podem ter recebido um contrato de construção ou energia em casa como recompensa.

"Isso realmente fortalece a coerência do regime", disse Gabuev sobre as sanções contra a elite, "porque todas as pessoas-chave agora não têm opção de voltar ao normal com o Ocidente".

Gasodutos da Gazprom, na Rússia Foto: Ints Kalnins/Reuters

Dependência energética

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A forte dependência econômica da Rússia das exportações de petróleo e gás às vezes é discutida como uma fraqueza que o Ocidente pode explorar.

Mas, se isso fosse verdade, dizem alguns analistas, as fortificações econômicas russas indiscutivelmente reverteriam o efeito, tornando-se um ponto de influência russa.

“A Europa não resolveu sua dependência do gás russo”, disse Emma Ashford, que estuda questões de segurança europeias no grupo de pesquisa Atlantic Council.

O apertado orçamento nacional da Rússia significa que o Kremlin pode cobrir as despesas desde que o petróleo seja vendido por pelo menos US$ 44 por barril (R$ 233 no câmbio atual), segundo estimativas internacionais. O preço de mercado atual é o dobro disso, permitindo que Moscou mantenha os serviços governamentais e os orçamentos militares funcionando mesmo em meio a uma queda severa.

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E as reservas cambiais da Rússia podem compensar a perda das exportações de energia para a Europa por “vários anos”, estimou Ashford. Enquanto isso, os estoques de energia da Europa podem durar apenas alguns meses.

Os Estados Unidos, como principal consumidor de energia do mundo, também são profundamente vulneráveis ??a choques nos mercados de petróleo e gás.

A Rússia também é um dos principais exportadores globais de cobre, alumínio e outras commodities das quais as indústrias globais dependem - para não mencionar o trigo. Moscou pode acreditar que o mundo precisa dela ainda mais do que ela precisa do mundo.

“Acho que isso é parte do que está impulsionando o cálculo do Kremlin aqui”, disse Ashford.

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Foto da mídia estatal mostra pregão na sede do Sberbank em Moscou, em 2019. Foto: Sputnik/Ekaterina Shtukina/Pool via REUTERS

Ainda vulnerável

Mas Putin pode não ter previsto as medidas mais duras agora em discussão.

"As sanções sobre a mesa agora, ou seja, sanções de bloqueio total aos maiores bancos russos, são várias ordens de magnitude mais fortes do que aquelas contempladas em 2014", disse Edward Fishman, um alto funcionário da política de sanções do governo Obama.

Sob tais restrições, mesmo com as reservas cambiais da Rússia, “realmente gastar essas reservas para sustentar o rublo e manter os padrões de vida russos se torna um desafio”, escreveu George Pearkes, analista do Bespoke Investment Group, uma empresa de investimentos, nesta semana.

A ameaça do presidente americano, Joe Biden, de bloquear completamente os bancos russos de transações baseadas em dólar, se executada, restringiria a capacidade dos bancos de fazer negócios no exterior.

“Os importadores deixariam de pagar seus fornecedores. Os exportadores não receberiam novas receitas. Atender aos níveis normais de demanda por produtos básicos se tornaria impossível”, escreveu Pearkes, comparando o efeito sobre os civis russos com o de uma campanha de bombardeio em tempo de guerra.

"Não há nada que a Rússia possa fazer para se proteger disso", disse Fishman.

Separadamente, a ameaça de Washington de bloquear as exportações de alta tecnologia parece ter pego Putin de surpresa, disse Gabuev, analista de Moscou.

A medida sufocaria a capacidade da Rússia de produzir equipamentos industriais ou militares avançados. Também pode impedir os russos de comprar smartphones ou eletrônicos de consumo semelhantes, dependendo de como for implementado.

Espera-se que Putin levante a questão em conversas na sexta-feira com o líder da China, Xi Jinping. Mas as indústrias de alta tecnologia da China ainda não são consideradas suficientes para substituir os componentes americanos.

O presidente russo, Vladimir Putin, durante encontro com membros do Conselho de Segurança nacional em Moscou. Foto: EFE/EPA/ALEXEI NIKOLSKY / SPUTNIK / KREMLIN POOL

Calculando ou excesso de confiança?

Os formuladores de políticas ocidentais enfrentam um enigma: Putin continua avançando, apesar das ameaças ocidentais exporem a fraqueza de sua armadura econômica, porque considera que os custos valem a pena ou porque acredita que as ameaças do Ocidente são vazias?

"Não acho que nossas ameaças de sanções sejam tão críveis por causa de nosso histórico", disse Fishman, ex-funcionário de sanções.

E medidas tão severas, em uma economia tão grande e globalmente integrada como a da Rússia, seriam praticamente sem precedentes. Choques mais amplos provavelmente também prejudicariam os países ocidentais, cujos governos já estão lidando com o estresse econômico.

Mas há sinais de que o Kremlin está se preparando para o pior. Na semana passada, o Banco Central da Rússia parou de usar o excesso de receitas do petróleo para comprar dólares.

Fishman levantou outra possibilidade preocupante: Putin pode não entender o quão vulnerável ele permanece, aumentando o risco de ele mergulhar a Europa tanto em uma guerra quanto no conflito econômico destinado a evitá-la.

"É possível que eles estejam confiantes demais", disse o analista, acrescentando que o círculo íntimo de Putin pode estar dizendo a ele apenas o que ele quer ouvir. “Não acho que o Kremlin esteja preparado para o que pode atingi-lo.”

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