França tem eleição com esquerda unida, cisão de conservadores e tentativa de esconder Macron

Emmanuel Macron convocou a votação relâmpago na tentativa de unir o país em torno do centro contra a direita radical. Agora, esquerda avança e seu partido deve ficar em 3º

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Foto do author Jéssica Petrovna

Derrotado pela direta radical na votação para o Parlamento Europeu, o presidente Emmanuel Macron dobrou a aposta: convocou a eleição legislativa que acontece neste domingo, 30, e apelou por união contra o Reagrupamento Nacional, partido de Marine Le Pen. O efeito desse movimento arriscado, no entanto, foi juntar a fragmentada esquerda francesa na aliança que deve empurrar os centristas liderados por Macron para o terceiro lugar.

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A Nova Frente Popular — referência à coalizão contra o fascismo lançada nos anos 1930 — reúne os partidos Socialista, Verde, Comunista e os radicais de esquerda do França Insubmissa, de Jean-Luc Mélenchon.

Há menos de um mês, Mélenchon trocava ataques com Raphaël Glucksmann, líder do Partido Socialista nas eleições europeias. O Resultado? O PS teve 13,8% dos votos e o França Insubmissa não chegou a 10% ficando em quarto e quinto lugar, respectivamente. Agora, as pesquisas indicam que a Nova Frente Popular tem 28% dos votos, atrás do RN (37%), mas na frente do Renascença de Emmanuel Macron (20%).

Apoiadores da Nova Frente Popular colam cartazes na França.  Foto: Jean-francois Badias/Associated Press

“Foi uma decisão difícil, não foi um casamento por amor. Foi uma decisão tática”, disse Glucksmann sobre a aliança com Mélenchon depois das críticas públicas. “O RN está às portas do poder e faremos de tudo para fechar essas portas.”

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Na mesma linha, o ex-presidente François Hollande (PS), afirmou: “Para impedir a extrema direita de chegar ao poder, há o momento em que precisamos olhar para além das nossas diferenças”.

As declarações de Glucksmann e Hollande dão a tônica do que é a Nova Frente Popular: uma aliança tática contra o que os partidos de esquerda consideram ser o inimigo em comum, o mal maior, mas que mantém profundas diferenças.

“A grande vantagem é que a esquerda não vai sair fragmentada e, no sistema eleitoral da França, formar blocos ajuda porque minimiza as chances de a direita ganhar por default”, avalia o professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Pauo (IRI-USP), Kai Enno Lehmann.

É que, na França, cada um dos 577 distritos eleitorais, chamados de circonscriptions, escolhe o seu representante para a Assembleia Nacional em eleição de dois turnos. O primeiro, realizado neste domingo, elimina todos os candidatos que não conseguirem pelo menos 12,5% dos votos dentro do seu círculo eleitoral.

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“Então, em termos eleitorais, a curto prazo, a Nova Frente Popular é uma mudança bastante significativa”, afirma Lehmann, ponderando que, passadas as eleições contudo, a coalizão tende a ser frágil.

“Esse pacto é muito frágil porque tenta unir não só políticos, mas eleitores muito diferentes. É uma coalizão para votar contra algo, contra a extrema direita. Mas ,se por um acaso chegar ao governo, terá que ter consciência a favor de algo. E isso é muito mais difícil que definir o adversário”, justifica.

Esses mesmos partidos de esquerda lançaram, na última eleição legislativa, a Nova União Popular Ecológica e Social (Nupes), que teve um resultado aquém do esperado, eclipsado pelo avanço do RN, ainda que tenha ficado em segundo lugar. A aliança entrou em colapso no ano passado com a recusa do França Insubmissa, de Mélenchon, em classificar o Hamas como grupo terrorista.

A dificuldade de criar consensos é ilustrada pela figura divisiva de Jean-Luc Mélenchon. Ele se tornou um puxador de votos da esquerda e quase tirou Marine Le Pen do segundo turno na última eleição presidencial. Mas o temperamento explosivo — que num passado não muito distante era criticado por agora aliados — pode afastar eleitores mais moderados, segundo analistas.

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Embora afirme que poderia abrir mão do cargo de primeiro-ministro, ele continua sendo uma figura dominante sobre o França Insubmissa e está na mira dos rivais.

Cartaz mostra Jean-Luc Melenchon, do França Insubmissa, e Jordan Bardella, do Reunião Nacional, com o slogan "Nem Bardella, nem Melenchon". Foto: Benoit Tessier/Reuters

Durante a campanha, o primeiro-ministro Gabriel Attal e o candidato da direita radical Jordan Bardella insistiram que Mélenchon deveria participar dos debates no lugar de Olivier Faure, secretário do Partido Socialista que representou a aliança.

Bardella argumentou que o convite foi feito aos candidatos a primeiro-ministro. E Attal concordou: “É muito claro que ele será o primeiro-ministro da França se a coalizão de esquerda que lidera vencer a eleição”. Meléchon respondeu que a Nova Frente Popular tomará essa decisão em consulta realizada depois das eleições, mas não sem antes alfinetar o primeiro-ministro, aliado de Macron. “O senhor está no cargo por favor do príncipe”.

Aliados tentam esconder Macron na campanha

O próprio Emmanuel Macron, que não está com o cargo em disputa na eleição, também disparou contra Meléchon. Ele, que tenta apresentar o seu partido como uma força de centro capaz de deter os extremos, afirmou que os programas radicais de esquerda e direita levariam a França à guerra civil.

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“A resposta da extrema direita em termos de insegurança remete as pessoas a uma religião ou a uma origem e é assim que essa proposta nos divide e leva à guerra civil, disse no podcast Génération Do It Yourself. O mesmo, segundo Macron, se aplica ao França Insubmissa. “O que eles propõem também tem a guerra civil por trás, porque, acima de tudo, remete as pessoas exclusivamente à sua afiliação religiosa ou ideológica”.

Em outra tentativa de atacar a esquerda, Emmanuel Macron foi acusado de transfobia por grupos LGBT+ da França. “Com a extrema esquerda, é quatro vezes pior”, disse após uma crítica ao RN. “Eles voltarão atrás na lei de imigração e há coisas que são completamente grotescas, como mudar seu gênero na prefeitura”, acrescentou em referência à proposta da Nova Frente Popular que pretende facilitar o acesso de pessoas transsexuais a mudança do gênero no registro civil.

As declarações contrariam os pedidos de aliados, abalados pelas eleições relâmpago, que tentam manter Macron longe dos holofotes. Nos bastidores, o temor é de que um presidente altamente impopular seja tóxico para campanha dos deputados do Renascença

Chefes de comunicação do Eliseu admitiram à Bloomberg sob condição de anonimato que não tem nenhuma pesquisa que sugira que os candidatos deveriam se alinhar publicamente a Macron na disputa para Assembleia Nacional.

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Presidente francês, Emmanuel Macron, durante discurso em Paris. Foto: Dylan Martinez/Associated Press

“Você não verá o rosto de Macron nos meus cartazes de campanha, posso lhe dizer isso”, disse um deputado da coalizão do presidente francês ao Político. Na mesma reportagem, o conselheiro de outro deputado do Renascença reclamou que, quanto mais o presidente fala, mais pontos eles perdem nas pesquisas.

Com taxas de popularidade em declínio, Emmanuel Macron era aprovado por 28% dos franceses e desaprovado por 68%, segundo pesquisa Ipsos divulgada uma semana antes da eleição.

Há o desgaste natural do segundo mandato, que se soma à aprovação de políticas impopulares, como a reforma previdência mas, para além disso, a autoconfiança que ajudou a impulsionar Macron passou a ser vista pelos franceses como arrogância.

“Todas as coisas que funcionaram a favor dele, não funcionam mais. Ele não é mais um outsider, ele agora é presidente. E a percepção do público é que ele é arrogante”, afirma Kai Enno Lehmann. “Não vejo como ele pode se livrar dessa imagem agora. Não vejo ele se transformar em termos da própria personalidade e não há um cenário em que ele se torne, de repente, muito popular novamente.”

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Racha na direita tradicional

Os centristas liderados por Macron, no entanto, não são os únicos que enfrentam dificuldades nessa eleição relâmpago. O Republicanos, partido da direita tradicional que no passado governou o país com presidentes como Charles de Gaulle, Jacques Chirac e Nicolas Sarkozy está em crise e aparece com 6% das intenções de voto nas pesquisas.

O partido implodiu com a decisão do líder Eric Ciotti, que anunciou uma aliança inédita com o Reagrupamento Nacional, de Marine Le Pen, rompendo o isolamento até então imposto à direita radical na França. “Vamos parar de inventar uma oposição imaginária”, declarou em entrevista. “Isso é o que a grande maioria de nossos eleitores quer. Eles estão nos dizendo: ‘façam um acordo.’”

A executiva do Republicanos, que afirma não ter sido consultada, considerou a aliança inaceitável e decidiu expulsar Ciotti, que se recusou a sair. “Eu sou e continuo sendo o presidente do nosso partido”, escreveu nas redes sociais.

Presidente do Republicanos, Eric Ciotti, ao lado de Marine Le Pen, do Reunião Nacional.  Foto: Geoffroy Van Der Hasselt/AFP

Antes da reunião convocada para sacramentar a expulsão, ele chegou a ordenar a funcionários que trancassem a sede do Republicanos em Paris na tentativa de sabotar o encontro. A briga foi parar na justiça, que manteve Eric Ciotti como presidente do partido. Cerca de 60 candidatos se juntaram a ele na aliança com a direita radical.

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O RN subiu nas pesquisas nos últimos dias da disputa e pode eleger entre 260 e 295 deputados. Com um eventual reforço de Republicanos, poderia até chegar à maioria absoluta (298), embora o cenário mais provável, segundo analistas, seja de uma Assembleia Nacional dividida, o que aumentaria a instabilidade e até de paralisia política na metade do mandato de Emmanuel Macron.

“A questão é se Macron vai conseguir fazer alguma coisa depois dessas eleições. Ele precisa do Parlamento para aprovar qualquer coisa importante. Ainda que pudesse evitar que o primeiro-ministro seja da extrema direita, ele pode virar um presidente sem qualquer poder efetivo de fazer política por dois anos”, conclui Lehmann.

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