PARIS ― Enquanto Emmanuel Macron se mantém firme na proposta de reforma da previdência para cumprir com sua agenda política e aliviar o sistema de aposentadoria da França, vê também diversos grupos da sociedade francesa se unirem na segunda greve geral em um espaço de 12 dias. Nesta terça-feira, 31, trabalhadores dos transportes, do setor de energia, professores do ensino básico, estudantes e até mesmo funcionários da segurança pública responderam ao chamado de frentes sindicais e mais de 1 milhão de pessoas tomaram as ruas do país em cerca de 250 manifestações.
A reforma, apresentada pela primeira-ministra Élisabeth Borne em janeiro, tem dois pontos que cristalizam a rejeição à reforma: o adiamento progressivo até 2030 da idade de aposentadoria de 62 para 64 anos e a antecipação para 2027 da exigência de contribuir 43 anos - e não 42 como atualmente - para receber uma aposentadoria completa.
Alinhada com a promessa de Macron ao ser reeleito - de transformar a sociedade francesa -, a medida é impopular: 68% da população é contrária, segundo pesquisas. Além disso, de acordo com uma pesquisa da Odoxa, dois em cada três franceses consideram Macron um presidente ruim e Borne uma péssima primeira-ministra.
Em 2019, Macron tentou aprovar a reforma da previdência, mas enfrentou os maiores protestos do país desde 1968. Quatro anos depois, a cena parece ser a mesma. Há menos de duas semanas, 1,2 milhão de pessoas saíram às ruas contra a atual reforma. Ontem ao menos 100 mil pessoas a mais foram contabilizadas nas manifestações.
Escolas fechadas, trens cancelados e queda na produção de eletricidade marcaram o novo dia de protestos. “Há muita raiva contra esta reforma”, disse à agência France-Press um segurança de Marselha (sul da França), que pediu anonimato. “Trabalhar até os 64 anos ou mais é muito difícil, principalmente em nossos ofícios”, acrescentou.
“Se a primeira-ministra não entendeu a mensagem, diremos a ela mais alto, mais forte e com mais gente”, disse o líder sindical da CGT, Philippe Martinez, às mídias BFMTV e RMC.
Para Entender
Presidente reformista
Desde sua chegada ao governo em 2017, Macron, de 45 anos, defende o desejo de “sacudir” o sistema com suas reformas liberais, o que por vezes impulsionaram sua imagem de “presidente dos ricos”, como ocorreu nos protestos dos coletes amarelos.
A reforma da previdência é fundamental para sua estratégia. Agora, o governo optou por um controverso procedimento parlamentar que lhe permite aplicar o atual plano se o Parlamento não se pronunciar até ao final de março.
Embora o governo tenha pedido à oposição que “enriqueça” o seu projeto durante o processo parlamentar iniciado na segunda-feira, Borne disse que a idade de 64 anos “não é mais negociável”, irritando a oposição de esquerda que pediu uma “moção popular de censura”.
“Estamos vivendo um dia histórico. O senhor Macron com certeza perderá”, disse o líder esquerdista Jean-Luc Mélenchon, no início da manifestação em Marselha, onde pediu que a reforma fosse submetida a um “referendo” do cidadãos.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) expressou apoio ao presidente francês na segunda-feira, manifestando-se a favor de uma reforma que, juntamente com a aprovada sobre o seguro-desemprego, permitiria à França reduzir a sua dívida pública, que supera 110% do PIB.
Analistas apontam outra razão para que a reforma seja aprovada seja a questão demográfica. A expectativa de vida na França aumentou ao mesmo tempo em que as taxas de natalidade estão caindo. Atualmente, a idade média de aposentadoria é 60 anos, com isso um homem passaria 23 anos e meio aposentado e uma mulher, 27 anos.
Dia de caos
O dia começou com uma greve nos transportes, principalmente no metrô de Paris, nos trens suburbanos da região e nas ferrovias provinciais, onde a frequência era muito baixa.
A greve no setor de energia provocou uma queda na produção das centrais nucleares de “quase 3.000 MWh”, segundo a empresa EDF. Entre 75% e 100% dos funcionários das refinarias e depósitos da TotalEnergies aderiram à greve, segundo a CGT. / AFP e NYT
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