THE NEW YORK TIMES – Para algumas forças ucranianas, os soldados do Grupo Wagner eram os combatentes mais bem equipados que tinham visto desde que a Rússia invadiu o país no ano passado. Para outros, foi o treinamento que os distinguiu: ao relembrar a atuação dos mercenários, soldados ucranianos narram histórias de táticas agressivas no campo de batalha e cenas de um franco-atirador derrubando um drone com um único tiro.
Mas após o motim de curta duração no fim de semana liderado pelo chefe do grupo, Ievgeni Prigozhin, o futuro da força do Grupo Wagner no campo de batalha está posto em dúvida.
Por ora, esse status parece um alívio para as tropas ucranianas, embora permaneçam com linhas de frente inalteradas. Na avaliação de analistas e autoridades americanas, os militares podem capitalizar o caos e enfraquecer a moral russa para tentar obter ganhos a depender de como os eventos se desenrolem em Moscou.
Ainda assim, é muito cedo para determinar as implicações a longo prazo da disputa entre Prigozhin e o alto comando militar russo, acrescentaram autoridades americanas.
Em Bakhmut, o Wagner desempenhou um papel descomunal na campanha russa para dominar a cidade ucraniana, a única grande vitória de Moscou no campo de batalha este ano, e solidificou uma aliança incômoda com os militares russos, dissolvida após a captura.
Na avaliação de Rob Lee, pesquisador sênior Foreign Policy Research Institute, a relação até então conhecida entre o Grupo Wagner e o Kremlin provavelmente chegou ao fim. “Mesmo se o motim não tivesse acontecido, não estava claro se o Wagner teria desempenhado na guerra o mesmo papel que teve por Bakhmut.”
Os intensos combates em Bakhmut levaram a um grande número de soldados russos feridos ou mortos nos primeiros meses deste ano, disseram autoridades americanas. Ao tomar a cidade em maio, as forças do Wagner mostraram que aprenderam lições difíceis com os combates no ano passado e melhoraram suas táticas, tornando muito mais difícil para a Ucrânia montar uma defesa forte.
Rebelião do Wagner na Rússia
Os mercenários contratados superaram as defesas ucranianas usando manobras inteligentes no solo e enviando tropas de recrutas prisioneiros em sequência. No fim, ganharam Bakhmut, mas a um custo alto para Prigozhin.
A cidade não era um prêmio que muitos militares russos avaliavam ser particularmente importante. Seu valor estratégico se tornou ainda menor quando os militares da Ucrânia ocuparam o terreno alto localizado nas margens da cidade, o que impediu a Rússia de utilizá-la para ataques que poderiam ter resultado na conquista de Kramatorsk, cidade que tentaram ter o controle no leste ucraniano, após Bakhmut.
Além disso, os eventos que se desenrolaram durante e após a captura de Bakhmut parecem ter antecipado a ruptura entre Prigozhin e o Ministério da Defesa da Rússia.
As forças de Prigozhin só conseguiram tomar o centro da cidade depois que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, ordenou que o exército regular fortificasse as tropas do Wagner para protegê-los de ataques dos ucranianos. Esse reforço foi fundamental para a vitória e reiterou a importância do exército.
No entanto, Prigozhin pode ter aprendido uma lição diferente com o apoio que ganhou de Putin. Após Bakhmut, a Rússia obrigou todos os voluntários que lutam na Ucrânia a assinar contratos com o Ministério da Defesa. Segundo Tatiana Stanovaya, pesquisadora sênior do Carnegie Endowment for International Peace, isso significou que o chefe mercenário teria seu poder reduzido ao pôr suas forças sob controle do exército regular.
“Esta é uma das razões pelas quais Prigozhin enlouqueceu”, disse Stanovaya, “porque percebeu que agora está fora da Ucrânia”.
Prigozhin tornou-se cada vez mais estridente em suas críticas às unidades militares russas depois disso, e a espionagem americana, britânica e ucraniana começou a ter informações de que ele poderia fazer um movimento ofensivo com suas tropas para forçar uma mudança no Ministério da Defesa. Isso ficou provado na sexta-feira, quando as tropas de Wagner se moveram para assumir o controle de uma cidade do sul da Rússia.
Com a mesma rapidez, o motim terminou no dia seguinte, com o anúncio de que Prigozhin interromperia sua marcha sobre Moscou e aceitaria o exílio em Belarus.
O Kremlin anunciou que as tropas mercenárias que não participaram da revolta seriam autorizadas a assinar contratos com o Ministério da Defesa. Aqueles que se juntaram ao comboio não seriam processados. A declaração sugeria que o Grupo Wagner em sua forma atual não existirá mais.
Embora parte do quadro de mercenários de Prigozhin provavelmente continue sob controle do Exército russo, quantos soldados Wagner estariam dispostos a lutar sob o guarda-chuva do ministério é uma questão em aberto.
A Ucrânia certamente procurará tirar proveito do caos causado por Prigozhin, mas não parece haver lacunas defensivas imediatas a serem exploradas, de acordo com autoridades americanas e analistas independentes.
E a marcha de Prigozhin, pelo menos de acordo com uma análise preliminar, não fez com que nenhuma unidade russa deixasse suas posições no sul ou no leste da Ucrânia para sair em defesa de Moscou, disseram autoridades americanas. Enquanto o drama se desenrolava, não houve trégua na guerra: as forças russas dispararam mais de 50 mísseis em toda a Ucrânia antes do amanhecer deste sábado.
Wagner tem sido uma ferramenta incrivelmente importante da política externa russa, particularmente no Mali, na República Centro-Africana, na Síria e em outros países. Embora o grupo provavelmente seja transformado sob o controle do Ministério da Defesa, não é certo que o Kremlin o deixe desaparecer como uma força de combate eficaz.
E Prigozhin também pode ter algum próximo passo ainda para dar.
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