A reunião do G-7 em Hiroshima, no Japão, é a primeira de uma série de cúpulas que ocorrem nos próximos meses e nas quais americanos e europeus se prepararam para uma “batalha de ofertas” global com Pequim e Moscou para reequilibrar a disputa por influência global. Uma competição pelos corações e mentes de países emergentes se aprofunda e envolve Brasil, Vietnã, África do Sul, Índia e Casaquistão. O duelo é uma resposta à tática chinesa e russa de oferecer a esses países investimentos em infraestrutura, transferência de tecnologia, insumos agrícolas e até mesmo venda de armas.
Para isso, americanos e europeus querem oferecer melhores relações bilaterais, colaboração em projetos de infraestrutura e planos de ação sob medida para cada país identificado como parceiro relevante para o Ocidente. Em outras palavras, o G-7 quer deixar de focar sua abordagem em valores políticos para apostar em ofertas que possam aportar riqueza e desenvolvimento para os emergentes.
“É importante darmos opções aos países no nosso Hemisfério e em todo o mundo”, afirmou o secretário-assistente de Estado americano para o Hemisfério Ocidental, Brian Nichols. “Os EUA precisam dar visão e perspectiva claras a respeito do que eles podem fazer para ter economias bem-sucedidas e ao mesmo tempo ressaltar “que algumas das promessas que países como a China fazem não estão sendo cumpridas.”
Batalha diplomática
Enquanto o presidente Joe Biden participa do G-7 em Hiroshima, o presidente Xi Jinping organiza uma Cúpula China-Ásia Central, na cidade chinesa de Xi’an.
Em julho, o presidente Vladimir Putin receberá líderes africanos em sua cidade-natal, São Petersburgo, fundamentado nos esforços de Moscou em culpar as sanções do Ocidente — sem evidências — em vez da invasão russa à Ucrânia pela inflação nos preços da energia e a escassez de grãos que castigaram duramente as nações africanas mais pobres.
Então, em agosto, os líderes do grupo dos Brics, que envolve Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, se encontrará em Johannesburgo, com uma expansão prevista para incluir possivelmente 19 novos membros e a exequibilidade da introdução de uma moeda comum na agenda. Ambos os tópicos são trunfos para a China, a primeira a propor aumentar o clube e favorecer uma alternativa ao dólar americano entre as nações do Brics.
Mais sobre o G-7
Perda de prestígio ocidental
Há uma espécie de consenso em alguns países emergentes que o mundo mudou dramaticamente nos últimos anos e as potências ocidentais perderam a força que tiveram no passado para pressionar países em desenvolvimento. “As potências ocidentais precisam de nós mais do que nós precisamos delas”, disse um representante de um desses governos à Bloomberg.
Essas percepções estiveram em destaque na semana passada, quando o embaixador americano na África do Sul acusou Pretória de fornecer armas à Rússia — o que derrubou o valor do rand em relação ao dólar a uma baixa recorde — apenas para que ambos os lados logo se apressassem para arrefecer os ânimos. Enquanto a África do Sul tem sido convidada regularmente para as cúpulas do G-7, este ano o Japão convidou a União Africana, presidida atualmente por Comores, em seu lugar.
“Quando o presidente Biden falou, no início de seu mandato, a respeito de sua abordagem com base em valores, acho que ele tinha bastante dinheiro e estava atraindo bastante interesse”, afirmou em entrevista a ministra sul-africana de Relações Internacionais e Cooperação, Naledi Pandor, na semana passada, antes da rusga com os americanos. “Mas eu acho que a atual situação na qual eles se encontram, como parte principal deste conflito, dificulta o convencimento.”
Além da preocupação com a influência da China na Ásia, África e América Latina, o G-7 está especialmente preocupado com a Rússia e suas operações de desinformação e influência à exploração dos sentimentos anti-Ocidente no chamado “Sul Global”.
“Acho que gastamos cerca de dois terços do nosso tempo em temas de preocupação com o Sul Global”, afirmou o secretário de Estado americano, Antony Blinken, em 18 de abril, numa conferência de imprensa conjunta com o primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida, anfitrião da cúpula do G-7, que visitou a África este mês.
Brasil no foco da UE e dos EUA
A União Europeia tem um plano de ação para fortalecer as relações com quatro países-piloto: Brasil, Nigéria, Casaquistão e Chile. Mas a tarefa aparenta ser árdua, especialmente na América Latina, onde os EUA estão perdendo parte de seu peso tradicional à medida que a China aumenta sua presença.
Para o presidente Rodrigo Chaves, da Costa Rica, um firme aliado dos EUA, Washington precisa “reequilibrar o nível de atenção” que está dando à região, onde a aliança “parece mais tênue do que nunca”, disse ele em entrevista. “Muito poucos países permanecem fortes aliados dos Estados Unidos”, disse ele.
O Brasil tornou-se uma espécie de termômetro, ainda mais quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva busca se reafirmar como um estadista global. Como parte de seu plano, a UE buscará relançar uma parceria estratégica com o Brasil, concluir um acordo comercial com o bloco do Mercosul e fortalecer a cooperação em segurança e defesa.
Os EUA anunciaram planos de propor US$ 500 milhões para reforçar a estratégia do Brasil de proteger a Amazônia, apesar das tensões sobre as abordagens de Lula à China e sobre a guerra na Ucrânia. Linda Thomas-Greenfield, embaixadora dos Estados Unidos nas Nações Unidas, visitou o Brasil neste mês, destacando os investimentos e os empregos gerados como parte do “relacionamento estratégico” com a maior economia da América Latina.
O chanceler alemão, Olaf Scholz, que tem defendido o conceito de um mundo multipolar como peça central de seu governo, visitou Brasília, Buenos Aires e Santiago este ano e pretende se reunir com ministros de Lula em Berlim até dezembro.
Scholz quer que a União Europeia feche acordos que reflitam melhor a ideia de que a Europa não apenas importará matérias-primas como o lítio, mas apoiará passos dentro da cadeia de valor agregado, como, por exemplo transferir o processamento dessas matérias primas para o país de origem, segundo um assessor.
A autonomia estratégica indiana
Entre os países emergentes, nenhum representa mais essa independência estratégica do que a Índia. Atual presidente do G-20, o premiê Narendra Modi quer evitar alinhamentos automáticos. Quando se trata de escolher entre o Ocidente e a China, o país vai apoiar Washington e a aliança de segurança composta por EUA, Japão e Austrália. Mas se tiver que escolher entre o Ocidente e a Rússia, Modi vai se voltar para Moscou enquanto toma uma posição de neutralidade em pública para encobrir seus rastro.
A Índia depende da Rússia para o fornecimento de armas, inclusive ao longo da fronteira com a China, e o establishment de segurança e política externa da Índia tem grandes suspeitas dos EUA. Tudo o que o Ocidente oferece tem um custo, seja explícito ou implícito, como direitos humanos e liberdade de imprensa. Esse tipo de preocupação é ausente ao lidar com Moscou.
Vietnã, entre o dinheiro chinês e as armas russas
O Vietnã, outro país com foco intermediário do G-7, ilustra mais um obstáculo. Embora se beneficie de movimentos chineses de diversificação, com empresas como a Apple construindo a produção industrial do país, a verdade é que o Vietnã não pode se dar ao luxo de ignorar a gigantesca oferta de consumidores do outro lado da fronteira. Como resultado, a China continua sendo o principal parceiro comercial do Vietnã, com os EUA em um distante segundo lugar.
Enquanto isso, as autoridades vietnamitas têm estado relativamente quietas sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia, já que ambos possuem uma longa parceria de segurança desde a Guerra do Vietnã. Essa é uma consideração que também ocorre na África, onde a Rússia forneceu armas aos movimentos de independência.
Seduzindo aliados de Putin
O G-7 e a UE também estão ampliando seu foco em uma maneira de impedir o contorno das sanções, especialmente na melhora do monitoramento dos chamados ‘bens de uso duplo’ — como são chamados produtos que podem ter uso tanto militar quanto civil. A Rússia tem trabalhado para driblar essas restrições e obter tecnologias banidas de países como o Casaquistão, os Emirados Árabes e a China.
Garantir que o Casaquistão não ajude os russos é um dos objetivos principais do plano europeu. Autoridades americanas e europeias estiveram no país em abril e ofereceram ajuda para minimizar o impacto econômico de deixar de vender esses produtos para a Rússia em vez de ameaçar a ex-república soviética. /BLOOMBERG
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.