LVIV, UCRÂNIA - O trem com destino à capital Kiev está um pouco atrasado na estação de Lviv, oeste da Ucrânia. As pessoas se aglomeram na plataforma, olhando para os lados à espera. Todos estão ansiosos para voltar para casa depois de terem deixado seus lares por causa da invasão russa.
“Sinto saudades de casa, dos amigos e dos meus pais”, diz Lyubov, de 37 anos, que está voltando para Kiev com o filho de 8 anos. “Tudo era bom na Alemanha. Tínhamos tudo, mas não é o nosso lar. Chegou a hora de voltar e não estou preocupada.”
O prefeito de Kiev, Vitali Klitschko, alertou a população para que não retorne ainda. Os russos recuaram suas forças, mas ainda há incerteza quanto ao que acontecerá. O alerta não preocupa Lyubov, que espera com algumas malas cheias de roupas. Eles tiveram de sair com pressa quando a Rússia invadiu, deixando quase tudo para trás.
“Na Alemanha, eu vivia estressada e preocupada porque meus pais estavam em Kiev e eu não podia cuidar deles”, disse. “Agora, estou de volta e me sinto muito melhor. Estou indo para casa e tentando afastar toda a situação da guerra. Não quero pensar nisso.”
Outros relataram ao Estadão histórias semelhantes. Talvez não seja absolutamente seguro voltar agora, mas o desejo de um retorno à normalidade é mais forte que o medo. Muitos partiram por causa do perigo imediato de uma ocupação russa. Como isso ainda não aconteceu nas regiões onde moram, sentem que é hora de regressar.
As multidões não procuram apenas os trens. Há também filas para os ônibus saindo do oeste da Ucrânia com destino a outras regiões do país. Muitos chegam do exterior, mas outros estão voltando depois de buscar refúgio em outras partes da Ucrânia.
A Agência da ONU para Refugiados (Acnur) estima que 5 milhões de ucranianos tenham deixado o país desde o início da invasão russa, em fevereiro. A mesma entidade estima em 6,5 milhões os deslocados internamente.
Andriy Demchenko, porta-voz do Serviço de Guardas da Fronteira da Ucrânia, disse ao jornal ucraniano Ukrayinska Pravda que mais de 620 mil cruzaram a fronteira voltando para casa. Agora, esse número já chega a 800 mil pessoas.
“Recentemente, vimos um aumento no número de cidadãos ucranianos voltando para casa. E, se nas primeiras semanas a maioria dos ucranianos que tentavam voltar era formada por homens, agora vemos esse aumento em outros grupos, incluindo mulheres e crianças”, disse Demchenko.
Ainda em março, um levantamento do Centro Razumkov revelou que 79% dos refugiados ucranianos no exterior querem voltar para casa. Dez por cento preferem o exterior e 11% não souberam responder. Ainda que o combate nos arredores de Kiev tenha arrefecido, o mesmo não ocorre em outras regiões. A guerra continua em alta no sul e no leste da Ucrânia.
Irina, de 36 anos, aguardava na plataforma para embarcar com a filha Vika, de 9 anos, em um trem para sua casa. Elas são de Nikopol, perto das posições russas no sul da Ucrânia. Elas ficaram na Polônia desde o início da guerra, mas não querem mais ser refugiadas.
‘Resta torcer’
“Por que voltar agora? Simplesmente não podemos esperar mais. Temos de voltar. Sentimos muita saudade de casa”, diz Irina, que trabalhava como enfermeira antes de fugir. “Preciso voltar ao trabalho. Voltar para meu marido, minhas amigas e minha família. Todos precisam de mim.”
Irina conta que sua cidade está sob ataque aéreo frequente e sabe que terá de passar muito tempo escondida no porão. “Temos medo porque muita coisa pode dar errado”, afirmou. “Mas não podemos controlar tudo, e temos de voltar para casa. Resta torcer para que tudo fique bem.”
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Relatos de atrocidades russas chegam à estação de Lviv. Volodmir Fesenko, analista político ucraniano, acredita que esse tímido movimento de retorno se deve ao recuo do Exército russo.
“Outra razão importante são os problemas e dificuldades da vida no exílio. Para muitos essa situação é desafiadora, com dificuldade de adaptação às novas condições, e assim eles preferem voltar à Ucrânia, para regiões onde não há guerra, onde será mais fácil prosseguir com suas vidas”, explica Fesenko.
Aleksei Jakubin, professor no Instituto Politécnico de Kiev, diz que muitos ainda acreditam que Ucrânia vencerá a guerra. “Acredito que, sob muitos aspectos, o fato de a blitzkrieg russa ter fracassado teve um efeito muito positivo no espírito coletivo dos ucranianos, em se tratando de compreender que o país pode sobreviver e vencer”, disse Jakubin, referindo-se a levantamentos indicando que cerca de 90% da população acredita que a Ucrânia vencerá.
No leste, moradores tentam fugir
Se muitos na estação de Lviv estão voltando para casa, há também os que acabam de chegar, ainda fugindo da guerra. Do lado de fora da estação, barracas oferecem comida, auxílio médico e abrigo aos recém-chegados. Muitos vêm do leste da Ucrânia, onde os russos se concentraram recentemente, levando a pesados combates e à retirada de civis em massa.
Dasha, de 27 anos, deixou Kramatorsk, cerca de uma semana atrás, por causa da intensidade dos combates e ataques aéreos. Saiu um dia antes do bombardeio russo à estação de trem local. Mais de 50 morreram e muitos mais ficaram feridos. “Fiquei sabendo quando já estava no trem”, disse Dasha, que leva o filho de 2 anos. “Poderia ter sido eu e minha família. Só espero que Deus nos proteja.”
O Estadão também abordou uma família que chegava de Kherson, no sul da Ucrânia. A cidade está sob controle russo e a família teve de escapar pela linha de frente até chegar a uma área controlada por forças ucranianas. Há pouco alimento, preços altos e desaparecimento de civis.
“Só espero que todos os soldados russos morram. Odeio os malditos”, disse Andriy, de 36 anos, interrompido pela mãe que lhe pede para não xingar. “Não, eu não vou parar”, respondeu Andriy. “Os soldados russos vieram ao meu país e nos atacaram. É normal que eu deseje para eles nada além de morte e destruição.”
Ruslan, de 38 anos, está sentado do lado de fora da estação de Lviv com os quatro filhos e a mulher grávida, Lesya, à espera de um ônibus que os leve até a Alemanha. Eles vêm da região de Poltava, no leste da Ucrânia, e também decidiram fugir conforme os ataques aéreos se intensificaram.
“Ficamos sabendo das coisas horríveis que os soldados russos fizeram às pessoas nos arredores de Kiev. Meus filhos me pediram para fazer alguma coisa, e perguntaram se poderíamos ir embora”, disse Ruslan. “Não tenho medo, mas temo por meus filhos. É por isso que estamos partindo.”
Como todos os demais, eles têm parentes e amigos que ficaram para trás. Os pais de Ruslan se recusaram a fugir. A mãe lhe disse que passou a vida inteira na sua casa, e não a deixaria para trás agora. “Ela foi direta: foi aqui que vivi minha vida, e é aqui que morrerei”, contou Ruslan. “Mas, para nós, é melhor partir agora do que esperar até não ser mais possível. É melhor partir agora antes que as crianças sofram demais. Já vimos um ataque perto. As janelas tremiam, dava para sentir. Por isso, tivemos de partir.”
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