CONDADO DE YORK, EUA - Já era noite quando George Santos abordou o fazendeiro de uma propriedade amish da Pensilvânia querendo comprar pelo menos oito filhotes de cachorro.
Ele prometeu uma transferência eletrônica de mais de US$ 5 mil (cerca de R$ 26 mil), mas ela nunca aconteceu, disse o fazendeiro, em entrevista. Segundo ele, Santos acabou assinando um cheque menor e saindo com quatro filhotes de golden retrievers.
“Algo dentro de mim disse que simplesmente não podia confiar nele”, contou o fazendeiro ao Washington Post, falando sob condição de anonimato para proteger sua privacidade.
O cheque foi devolvido.
O fazendeiro, que não havia falado anteriormente com a mídia, disse que chamou a polícia após o encontro em 2017. Demorou quase dois anos para as autoridades localizarem Santos em Nova York, e ele acabou sendo acusado de roubo por fraude, segundo a uma breve menção no The Star, um jornal local no Condado de York.
Em maio de 2021, informou o jornal, o caso foi encerrado de acordo com uma disposição da lei da Pensilvânia que permite que as acusações de contravenção sejam retiradas quando um promotor consente e “a satisfação foi feita à pessoa prejudicada”.
De fato, o fazendeiro disse que finalmente foi ressarcido por seus quatro cachorros.
O fazendeiro disse ao Post que não achava que Santos, um republicano eleito para o Congresso em novembro depois de mentir descaradamente aos eleitores sobre seu passado, deveria estar em um cargo público.
“Às vezes, as pessoas mudam para melhor. Mas será que ele realmente mudaria depois de crimes como esse?”, disse.
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Funcionários da polícia e do tribunal disseram que nenhum registro desse caso está disponível. A lei estadual da Pensilvânia permite a exclusão de casos resolvidos, o que apaga os registros relacionados a eles e impede que os funcionários reconheçam sua existência.
O advogado de Santos, Joseph W. Murray, se recusou a comentar. David Sunday, o promotor distrital do Condado de York, não respondeu aos pedidos de comentários.
Uma advogada que disse que Santos a consultou depois que a polícia bateu à porta deu ao Post cópias de nove cheques de uma conta bancária de “George A. Santos”, seis dos quais mencionavam “filhotes” ou “cachorrinho” na linha do memorando. Ela disse que ele afirmou não ter preenchido esses cheques, que totalizavam US$ 15.125 (mais de R$ 78 mil) e foram datados de novembro de 2017.
Nesse período, Santos, então chefe de uma suposta instituição de caridade de resgate de animais, estava realizando eventos de adoção de filhotes em Staten Island. Os cheques e a acusação contra Santos foram relatados pela primeira vez na quinta-feira pelo site Politico.
O fazendeiro cuja queixa desencadeou a acusação de roubo é um dos quatro criadores de cães no condado amish, no sul da Pensilvânia, que disse ao Post ter recebido cheques sem fundos com o nome de Santos naquele mês. Os cheques foram usados para comprar golden retrievers, pastores alemães e yorkshire terriers. Nenhum dos outros três criadores apresentou um boletim de ocorrência ou foi pago, disseram eles.
Mostrando fotos de Santos, dois criadores - incluindo aquele com os golden retrievers - identificaram Santos como o homem que, segundo eles, preencheu os cheques. Dois outros disseram que não podiam dizer se era ele porque só o tinham visto uma noite no escuro há mais de cinco anos. Todos falaram sob condição de anonimato para resguardar sua privacidade.
Tiffany Bogosian, a amiga advogada que mantém contato com Santos desde que cursaram o ensino fundamental juntos, disse em entrevista que ele ligou para ela em pânico um dia de fevereiro de 2020, durante sua primeira candidatura ao Congresso. Ele disse a ela que os policiais da cidade de Nova York o informaram que ele era procurado na Pensilvânia por causa de cheques sem fundo e precisava se apresentar lá imediatamente. Ele enviou a ela cópias dos nove cheques, disse ela.
Bogosian disse que Santos queria manter o caso em sigilo porque estava no meio de sua primeira campanha para o Congresso. “Ele disse que se isso viesse à tona, seria um escândalo”, disse ela.
‘Fraude’
Bogosian afirmou ter entrado em contato com um policial estadual da Pensilvânia que havia sido designado para o caso. Por e-mail, ela contou ao policial que Santos disse que não preencheu os cheques e que seu talão de cheques havia desaparecido logo após a abertura da conta.
Ela descreveu Santos ao policial como “uma vítima de fraude”.
Ela também falou com o policial por telefone para garantir que Santos se apresentaria na Pensilvânia. “Eu estava tipo, ‘Escute, ele definitivamente vai se entregar porque está concorrendo ao Congresso’”, disse ela.
Bogosian disse que então aconselhou Santos a conseguir um advogado com credenciais para atuar na Pensilvânia. Desde então, relatou Bogosian, ela passou a acreditar que Santos estava por trás do esquema, o que a levou a compartilhar sua experiência com os repórteres.
O policial estadual se recusou a comentar.
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