O homem forte do novo governo italiano, Matteo Salvini, não tardou em mostrar seus músculos. É verdade que ele ocupa um ministério feito sob medida para sua ambição: o do Interior. Neste posto, ele poderá aplicar as doutrinas da Liga, partido de extrema direita liderado por ele, nascido no norte rico e fundado no desprezo pelos imigrantes.
Uma oportunidade de ouro lhe favoreceu: migrantes vindos da Líbia tinham sido recolhidos no mar, ao custo de manobras muito perigosas, pelo barco humanitário Aquarius. Roma aproveitou a oportunidade para pedir ao navio que recolhesse outros imigrantes que haviam sido salvos pela Guarda Costeira italiana.
Estranho! Sem dúvida, Salvini queria “completar a lotação” e demonstrar a firmeza do novo poder italiano frente ao “negócio da imigração”. O resultado é que o Aquarius estava cheio quando subitamente recebeu a proibição de desembarcar em um porto italiano. O navio fez meia-volta, acelerou em direção a Malta, que se recusou a substituir a Itália falida. Resultado: mais de 600 imigrantes em extrema angústia em um navio navegando “para lugar nenhum”.
Como explicar a atitude do ministro do Interior? De imediato, se fareja uma operação “política”. No domingo, enquanto os infelizes imigrantes estavam à beira da morte, ocorriam eleições municipais na Sicília. O comportamento “viril” de Salvini entusiasmou os italianos e a Liga viu seu poder aumentar.
Mas há também uma razão mais importante: durante anos, a Itália suportou sozinha o peso dos imigrantes. A União Europeia decidiu que os países para onde os refugiados iam eram responsáveis por eles. Então, a Itália, um dos países mais pobres da UE, está na linha de frente. E os vizinhos? Eles escondem as “cabeças nas plumas”.
A consequência é lógica: a Itália está agora na vanguarda da luta contra os imigrantes. Compreende-se: ao seu lado, a rica França, que há 300 anos dá conselhos de filosofia e compaixão a todo o mundo, pavoneia-se e recebe minúsculos contingentes de imigrantes – algumas centenas, enquanto a Alemanha absorveu 1 milhão em 2015. Conclusão: o lamentável comportamento italiano não tem suas raízes na Itália, mas no egoísmo da Europa.
Se um país generoso deu a si próprio um governo xenófobo e cheio de resíduos fascistas, o primeiro responsável é a democrática e humanista UE. O novo governo italiano recuou, depois de prometer deixar o euro, mas quer mudanças decisivas na moeda. É aqui que percebemos a ligação estrutural entre as duas profundas feridas da Itália, os migrantes e a debilidade de sua economia.
A idade de ouro da Itália acabou. Os imigrantes e o euro tiveram suas razões. E os dois partidos extremistas, a Liga e o Movimento 5 Estrelas (M5S), aproveitaram para subir no topo do pódio, associando, contra toda a lógica, os ricos industrialistas do norte (a Liga) e os “esquecidos” do sul (M5S). Juntos, criaram um problema tão lógico quanto se o mesmo carro fosse puxado por um touro e por uma velha galinha depenada.
Colocamos em dúvida suas chances de sobrevivência. Deve-se notar que os imigrantes à deriva causaram o primeiro ranger de dentes. Até o ministro dos Transportes, Danilo Toninelli, do M5S, demorou para obedecer às ordens dadas por Salvini. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO
*É CORRESPONDENTE EM PARIS
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