A Alemanha inteira aguardava um pronunciamento de Angela Merkel. Finalmente ela reconheceria ter feito uma besteira, no ano passado, quando anunciou que a Alemanha poderia acolher um milhão de imigrantes, homens, mulheres e crianças fugindo do horror de seus países na Ásia e na África para tentar sobreviver na Europa? A posição de Merkel era realmente incômoda.
Desde o início de julho, a Alemanha, que, ao contrário da França, até agora havia escapado aos atentados, sofreu dois violentos ataques que causaram 15 mortes e inúmeros feridos.
Entre os terroristas, dois imigrantes. Um deles era um refugiado sírio, requerente de asilo e o outro um indivíduo originário do Paquistão ou Afeganistão. Ambos ligados ao jihadismo.
Angela Merkel estava de férias, no norte da Alemanha, mas não interrompeu seus dias de descanso. É verdade que interromper férias em razão de jihadismo é uma especialidade francesa, não alemã.
Quando ocorre um atentado na França, Hollande aparece, seguido do premiê, Manuel Valls, e o ministro do Interior, Bernard Cazeneuve. Na Alemanha, não.
Quando os jornalistas alemães insistiram, foi o ministro do Interior alemão, Thomas de Maiziere, que respondeu. Merkel continuou muda. Mas ontem seu mutismo foi rompido.
O que disse ela? Reconheceu que no ano passado seu “bom coração” se extraviou. E repararia o erro? Absolutamente. Sem lirismo nem bravatas, voz calma, ela afirmou que nem em sonho vai reconsiderar a acolhida dos refugiados, apesar dos dois atentados dos últimos dias.
E retomou a nobre fórmula que utilizou no ano passado: “Vamos chegar lá”. Com este comentário: “Hoje, como ontem, estou convencida de que seremos bem-sucedidos nessa tarefa histórica, nestes tempos de globalização. Vamos chegar lá e já conseguimos muito nos últimos meses”.
Verdade. A Alemanha absorveu muitos imigrantes e sem muitas tragédias (salvo nos últimos 15 dias). Além disso, Angela Merkel assinou um tratado (aliás, muito bizarro) com a Turquia graças ao qual o fluxo de imigrantes sírios vindos da Turquia diminuiu. Hoje estamos muito longe da avalanche que alarmou o continente europeu no ano passado.
Isso não significa que as críticas que choveram sobre a chanceler alemã acabarão repentinamente. Estas críticas partem sobretudo da Baviera (Munique) que sofreu diretamente o impacto da chegada em massa de refugiados no verão europeu passado. A batalha contra ela no Estado é conduzida pelo Partido Democrata Cristão (CSU), primo do CDU – partido deMerkel –, mas na verdade um primo resmungão, sempre irritado, uma vez que seus eleitores em grande parte estão na zona rural e muito pouco adeptos da globalização.
Merkel resistirá? É claro que sua visão generosa, humanista e cristã será prejudicada se a Alemanha for vítima repentina de atentados violentos como a França. No momento, ela resiste.
Certamente estamos bem longe do júbilo observado em setembro de 2015, quando a Alemanha, ensandecida pela própria generosidade e inteligência, acolhia os refugiados na estação de Munique, oferecendo ursos de pelúcia para as crianças. Este extravasamento um pouco pueril não está mais em moda. Pelo menos a mão de Merkel não treme. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
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