Angela Merkel não está contente. Na verdade, está furiosa com Donald Trump. Seria por que ele se colocou entre o fotógrafo e a chanceler para que ela não aparecesse na foto? Não. Angela não é do tipo coquete. O que a contrariou foi o que ele disse, as palavras que usou. Ela se esforçou para seduzir o sujeito. Em março, foi a Washington. Em abril, convidou a filha dele, Ivanka, para discutir em Berlim o papel das mulheres na economia.
Esforço em vão. Em Taormina, no encontro do G-7, Trump seguiu seu caminho, descartando uns, ignorando outros e só se mostrando polido com Theresa May. Quando dirigiu a palavra a Merkel foi para dizer que os alemães “são maus, muito maus”, pois fazem questão de contabilizar enormes excedentes comerciais. Sobre o clima, recusou-se a um compromisso. Quanto à Otan, esse “negócio” custa muito caro para os americanos. E daí por diante.
Assim, terminadas as reuniões, Merkel, normalmente lenta, prudente e astuta, esqueceu a diplomacia. “Uma reunião catastrófica”, segundo ela. Um dos porta-vozes da chanceler afirmou: “O que vivemos aqui não corresponde ao que esperamos de um presidente americano, tanto no nível intelectual quanto do potencial dos EUA”.
Palavras quase insultuosas, que vão além da irritação. Diríamos que Merkel testou Trump suficientemente nos dois dias em Taormina para concluir que não pode mais contar com os EUA. O que constitui uma mudança drástica, pois até agora a direita alemã baseou toda a sua diplomacia na amizade com os EUA. Em 2003, a CDU, partido de Merkel, chegou a se manifestar contra o então chanceler socialista, Gerhard Schroeder, em favor do apoio de Berlim à intervenção americana no Iraque, em nome da “comunidade de valores”.
Na verdade, Trump limitou-se a constatar, com essa violência mal-educada ou intelectualmente débil, que o mundo mudou. A Alemanha não possui armas de dissuasão nucleares. Uma defesa comum europeia, jamais foi implementada. A Alemanha está próxima da Rússia. Ora, os EUA estão fartos de sofrer os inconvenientes do “livre-comércio europeu e, ao mesmo tempo, suportar quase sozinhos o enorme fardo das despesas militares do Ocidente.
A América venerada por Merkel é a do Plano Marshall, do fim da 2.ª Guerra, a da ponte aérea de 1948, a do discurso de John Kennedy: “Ich bin ein Berliner!” (Eu sou um berlinense). Se as coisas não se esclarecerem rapidamente, Merkel deverá corrigir sua geografia internacional. E entenderá que não é possível separar-seEUA e Inglaterra facilmente – o que o general De Gaulle percebeu antes de todo o mundo – e a Europa, especialmente Alemanha e França, tem de gerir a própria Defesa por meio de um esforço orçamentário gigantesco. E fazer uma revisão drástica dos hábitos comerciais. Em resumo, o nascimento de uma nova era.
Sabe-se que tamanha metamorfose não será realizada só pela Alemanha. Toda a Europa deve criar novos caminhos. Primeiramente, a França de Emmanuel Macron. O problema é que ele tem muita sorte e agrada a todo mundo. Em Taormina, ele seduziu direita, esquerda, centro. Merkel, depois de cinco anos de Hollande, o cobriu de atenções. Normal.
Mais estranho foi o caso de Trump: depois de tentar em vão se impor ao jovem presidente, esmagando a mão dele com sua pata, como fazem os animais quando lutam para “determinar quem é o macho dominante”, reservou alguns sorrisos para saudá-lo depois.
Os comentários de Macron foram menos acerbos do que os de Merkel. Por exemplo, quanto à recusa de Trump em mudar de posição no caso da conferência sobre o clima, o que será um desastre para todos, ele procurou acalmar os ânimos: “Aguardemos. Trump é um homem pragmático. Explicamos que os EUA poderiam ser superados pela China e pela Índia no campo das energias renováveis. Ele pode mudar de ideia”. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
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