Emmanuel Macron não quer mais que as pessoas lembrem que, há dois meses, ele se comparou a Júpiter, o rei dos deuses da Grécia. Com razão: esse acesso de vaidade delirante era grotesco. Como a vaidade não evapora tão rápido quanto o orvalho da manhã, e como Macron é muito inteligente e culto, qualquer dia destes ele vai propor outra metáfora para nos lembrar que está acima dos mortais.
Podemos sugerir outra figura do Panteão da Grécia: Hércules, o semideus, o colosso que cumpriu 12 trabalhos fabulosos como se estivesse brincando. E justamente esta semana Macron começou a se dedicar ao primeiro trabalho gigantesco: a reforma do Código Trabalhista.
Esse código, no decorrer de décadas e de governos contraditórios, ficou mais denso, complicado e obscuro, repleto de exceções, notas, regimes especiais, aditamentos, precauções, e hoje é um monstro: são 3.809 páginas às quais devemos acrescentar o Código de Comércio, com 3.834 páginas, totalizando quase 8.000. Os dois códigos suíços não contêm, somados, mais de 500 páginas.
Mas a pretensão de Macron não é somente chegar a dimensões mais razoáveis, mas mudar totalmente a filosofia e a prática do trabalho na França. Seu objetivo é afrouxar os elos, os ferrolhos e os garrotes que envolvem o trabalho e provocam combates estéreis e paralisações. Não vamos detalhar as transformações, violentas, que os novos dispositivos resultarão para o patronato, funcionários e operários. Essas regras são áridas e técnicas e para compreendê-las é melhor conhecer as malícias e sutilezas do antigo código.
Macron deseja em especial trazer para o sistema produtivo mais flexibilidade, agilidade e apetite. E tornar o trabalho mais flexível. Podemos avaliar o porte do desafio. De fato, as intransigências que paralisam e estrangulam a atividade francesa são constituídas basicamente pelas proteções que os trabalhadores franceses conseguiram impor aos patrões ou ao Estado no curso de um século e meio de combates terríveis e muitas vezes sangrentos.
Outros países europeus já procederam a essa modernização. O exemplo mais convincente é o da Alemanha onde há cerca de 20 anos o chanceler socialista Gerhard Schroeder realizou reformas nessa área para transmitir a seus sucessores um sistema produtivo poderoso, ágil, capaz de reação rápida. A Espanha realizou sua reforma bem mais tarde e o desemprego começou a cair lentamente. Mais recentemente a Itália, com Matteo Renzi, enveredou pelo mesmo caminho sem que, até agora, os resultados sejam espetaculares.
É evidente que a modernização dos códigos lesa em primeiro lugar os trabalhadores. Macron vai sacrificar direitos, garantias, indenizações e proteções. Para estimular as contratações, as normas projetadas facilitam as demissões, aliviando os custos que hoje são tão exorbitantes que as pequenas e médias empresas não contratam mais. Nessa prova difícil, Macron tem aliados naturais e entusiastas, os patrões, que aplaudem ruidosamente – um pouco estupidamente, aliás, porque seu entusiasmo dá munição aos que suspeitam que o presidente é lacaio dos bancos e do grande capital. E, inevitavelmente, o mundo operário considera as novas regras uma calamidade.
A imprensa fornece um diagnóstico. Basta folhear os jornais para compreender a natureza das leis assinadas por Macron: L’Humanité e Libération, de esquerda, estão exasperados. O Figaro exulta e abre a champanhe. O Le Monde reflete, como sempre. Vê um lado bom e um lado mau. Mas elogia, legitimamente, a coragem e a habilidade de Macron. O título do seu editorial é “Macron vence o primeiro round”. O que é exato. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
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