PARIS - Dois ativistas, um homem e uma mulher, que lutam contra a violência sexual como arma de guerra e instrumento de submissão social foram escolhidos pela academia norueguesa como os vencedores do Prêmio Nobel da Paz em 2018.
O anúncio foi feito nesta sexta-feira, 5, em Oslo, na Noruega, e confirma a ascensão do tema da violência contra as mulheres e da igualdade de gêneros como uma das maiores preocupações da época contemporânea.
Os escolhidos foram o médico congolês Denis Mukwege e Nadia Murad, mulher da minoria yazidi transformada em escrava sexual pelo grupo Estado Islâmico (EI) durante a ocupação de territórios da Síria e do Iraque. Ambos foram recompensados "por seus esforços para colocar fim ao emprego das violências sexuais como arma de guerra", segundo o comunicado do júri de Oslo.
A distinção de dois ativistas da questão de gênero mostra a força da mobilização internacional gerada desde 2017 em torno do tema da violência cometida contra as mulheres.
Por trás da escolha da Academia, estão também a campanha #MeToo, que trouxe à tona a extensão do problema das agressões sexuais e do assédio às mulheres, assim como uma reação do mundo acadêmico nórdico ao escândalo que abalou a própria credibilidade do Nobel, e que envolveu casos de omissão de membros da Academia Sueca responsável pela entrega do Prêmio Nobel de Literatura - cancelado em sua edição de 2018.
Mukwege, de 63 anos, é o chefe do Hospital Panzi, na cidade de Bukavu. Aberta em 1999, a clínica recebe milhares de mulheres anualmente, muitas das quais solicitando cirurgias em decorrência de violência sexual. Nadia, de 25 anos, é uma defensora da minoria Yazidi no Iraque, de refugiados e dos direitos das mulheres em geral. Ela foi escravizada e estuprada por combatentes do EI em Mossul em 2014.
"Mukwege dedicou sua vida a defender as vítimas da violência sexual em tempos de guerra (...) e Murad é testemunha que conta os abusos perpetrados contra ela e contra outras pessoas", argumentou o comitê.
Com seu trabalho, Mukwege e sua equipe trataram milhares de pacientes que foram vítimas destes ataques, "condenaram a impunidade das violências em massa e criticaram o governo da República Democrática do Congo e de outros países por não terem feito o suficiente para acabar com a violência sexual contra mulheres como estratégia e arma de guerra", disse Berit.
Nadia tem o perfil das pacientes de Mukwege. Aos 25 anos, sobreviveu à ofensiva do Estado Islâmico contra os yazidis, povo não muçulmano tido como “infiel” pelos jihadistas radicais. Durante a ocupação do EI, as mulheres foram transformadas em escravas ou em escravas sexuais, como aconteceu com as moradoras da cidade de Kocho, terra natal de Nadia. Pelo menos 3 mil mulheres da etnia ainda estão desaparecidas em razão do conflito e da perseguição.
Sobrevivente da tragédia, ela se tornou ativista contra a violência sexual contra mulheres em situações de conflito armado, ao lado de Lamia Haji Bachar, com quem dividiu o Prêmio Sakharov de 2016, concedido pela União Europeia.
“Esse prêmio significa muito, não apenas para mim, mas para todas as mulheres do Iraque e do mundo inteiro”, afirmou a jovem de 25 anos. “Não foi fácil falar sobre o que me aconteceu, pois não é fácil, em especial para mulheres do Oriente Médio dizer que foram escravas sexuais.”
O comitê lembrou sua fuga depois de três meses de cativeiro e sua coragem em denunciar os abusos contra ela e outras mulheres. "Teve extraordinária coragem de contar seu próprio sofrimento e de ajudar outras vítimas", argumentou a diretora do comitê.
A ONU afirmou que este "fantástico anuncio ajudará a avançar o combate contra a violência sexual nos conflitos". "Essa é uma causa muito importante para as Nações Unidas", disse a porta-voz da organização em Genebra, Alessandra Vellucci.
Apostas
Grande parte dos especialistas em prêmio Nobel apostavam nos defensores da luta contra a violência sexual, em pleno destaque com o movimento #MeToo, iniciado há exatamente um ano por revelações da imprensa sobre casos de abuso sexual. Assim, os nomes de Mukwege e de Nadia estavam entre os favoritos para receber o prêmio.
Nas casas de aposta, no entanto, o jogo parecia claro: vários portais viam o presidente sul-coreano, Moon Jae-in, e o líder norte-coreano, Kim Jong-un, como grandes favoritos pela reaproximação entre os dois países.
Outro favorito inesperado era o presidente americano, Donald Trump. Com um prêmio de 7 para 1, o site Betsson dava a Trump dez chances mais de ganhar o prêmio do que outros líderes internacionais como o francês Emmanuel Macron, a britânica Theresa May ou o russo Vladimir Putin. / COM AFP e REUTERS
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