O governo afegão vai reativar o Departamento de Fomento à Virtude e de Prevenção do Vício, polêmico órgão de moral islâmica que despertou preocupação nos cidadãos do país, vítima dos abusos dessa instituição durante o regime Taleban. "(O departamento) Não será igual ao que existia na época dos Taleban. Nós não usaremos a força, mas medidas que ajudem o povo a fomentar a virtude e prevenir o vício", garantiu Mohammed Qasim, ministro de Assuntos Religiosos. O Governo afegão já deu sinal verde para a iniciativa, que ainda depende da aprovação do Parlamento. Sob o regime Taleban, o ministério se transformou num símbolo das restrições e de abusos arbitrários, principalmente contra as mulheres afegãs, mediante açoitamentos públicos e penas de prisão. A Polícia religiosa do ministério batia nas mulheres afegãs por, entre outros motivos, elas mostrarem seus punhos, mãos ou tornozelos, não usarem meias soquetes opacas ou não estarem acompanhadas por algum parente próximo do sexo masculino. Cinco anos depois da queda dos Taleban, no fim de 2001, pela intervenção militar dirigida pelos Estados Unidos, o poder Executivo de Hamid Karzai defende a necessidade de "fomentar a virtude e prevenir o vício". Qasim, que será encarregado de supervisionar o departamento, frisa que não há perigo na decisão de reativar este órgão, já que seu único propósito é conscientizar o povo sobre questões morais."É uma resposta à reivindicação pública que surge perante a crescente imoralidade da sociedade", disse. O ministro acrescentou que o departamento já está presente, na prática, em amplas regiões do país através do trabalho de predicadores empregados em muitas mesquitas. A idéia de reativar este departamento surgiu pela primeira vez há quatro meses, devido à pressão que alguns líderes políticos conservadores exerceram sobre o presidente Karzai. O presidente afegão formou uma comissão com representantes do Ministério do Interior, do Ministério de Assuntos Religiosos e da Suprema Corte, que formalizaram uma proposta e a apresentaram ao gabinete, que já a aprovou. Liberdades Em reação à decisão do Governo de Karzai, a Human Right´s Watch e a Comissão Independente Afegã de Direitos Humanos expressaram sua "séria preocupação" com o abuso potencial dos direitos das mulheres e dos grupos vulneráveis. "Tenho medo. Temo perder as liberdades que desfrutei nestes últimos anos. Espero que não seja como no tempo dos Taleban", afirmou Anosha, estudante universitária que não podia ter aulas durante o regime Taleban. Sayed Ahmad, estudante da Universidade de Cabul, disse que em uma sociedade democrática a luta contra a imoralidade é uma tarefa da Polícia, que tem a autoridade necessária. Ahmad afirmou ainda que o sistema policial precisa de uma reforma para acabar com a corrupção e que a reativação do departamento trará más lembranças. A ausência de regras de atuação para este departamento é considerada por seus críticos uma causa de preocupação. Embora a proposta atual não pareça pôr em risco as liberdades civis, os analistas destacam que dependerá do desenvolvimento de um sistema de freios e contrapesos, pois o comportamento antiislâmico poderia ser usado como desculpa para atuar contra pessoas ou setores que critiquem o Governo.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.