Governo aposta em pragmatismo e trabalha nos bastidores por primeiro telefonema entre Lula e Trump

Parlamentares republicanos e até setor privado podem estabelecer pontes entre presidente do Brasil e futuro líder dos Estados Unidos

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Atualização:

BRASÍLIA – O governo brasileiro espera construir uma relação pragmática entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump. Em campos políticos opostos, eles não possuem relacionamento prévio e têm um histórico de declarações pejorativas um sobre o outro. A vitória de Trump com desempenho acachapante – e torcida contrária do governo Lula – motivou cautela na reação e preocupação com possível influência nos rumos políticos do País.

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Integrantes do Palácio do Planalto e da chancelaria brasileira interpretam que tanto Lula quanto Trump já vestiram antes o figurino “pragmático” nas relações internacionais, ao exercerem a diplomacia presidencial. Acreditam que eles podem estabelecer entre si um diálogo “produtivo”, a despeito do choque ideológico.

Ao mesmo tempo, lembram que a relação de 200 anos entre Brasil e Estados Unidos ultrapassa a diplomacia presidencial e que as burocracias de Estado cooperam de forma fluída independentemente da amizade entre os governantes de turno. Há um intercâmbio extenso de interesses privados – e empresários e grupos de pressão, organizados em associações, podem também servir de ponte entre governantes, quando há entraves em alto nível político.

Lula e Trump tomaram lados opostos, mas governo brasileiro quer ponte para estabelecer relação pragmática Foto: Wilton Junior/Estadão (Lula) e Evan Vucci/AP Photo (Trump)

Os EUA são o maior investidor externo no Brasil, com estoque de US$ 230 bilhões; o segundo maior parceiro comercial, com fluxo de US$ 75 bilhões - e abrigam a maior comunidade brasileira no exterior, com 2 milhões de pessoas.

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Os contatos para estabelecer um canal entre ambos foram centralizados na diplomacia em Washington. Diante de um cenário eleitoral incerto, nos últimos meses a embaixada brasileira nos EUA reforçou laços, buscou aproximação com os dois lados na disputa e acompanhou de perto eventos da campanha. A embaixadora Maria Luiza Viotti participou pessoalmente dessa estratégia e agora atua nos contatos com o comitê de Trump.

A expectativa do lado brasileiro é que um primeiro telefonema entre eles possa ocorrer não imediatamente, mas dentro de algumas semanas. Integrantes da diplomacia acreditam que essa interação possa se destravar depois de Trump indicar nomes e estabelecer poderes na sua equipe de transição de governo, ocupantes de cargos-chave na Casa Branca e no Departamento de Estado.

Uma das maneiras de estreitar a relação acima de divisões ideológicas foi o relançamento oficial, em fevereiro deste ano, da frente parlamentar Brasil-Estados Unidos no Congresso americano. Ela é co-presidida pelo republicano Lance Gooden (Texas) e pela democrata Sydney Kamlager-Dove (Califórnia). Embora de maioria democrata, participam do grupo as deputadas republicanas María Elvira Salazar (Flórida) e Claudia Tenney (Nova York). A embaixadora Viotti, com anos de atuação nos EUA e amplos contatos, assistiu ao lançamento da frente.

Pela via parlamentar, outro possível canal de interação da diplomacia com os republicanos são as comissões de Relações Exteriores da Câmara e do Senado, nas quais congressistas ligados a Trump exercem papel relevante. No ano passado, foi realizada uma audiência no Senado sobre o futuro do relacionamento Brasil-EUA.

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O senador republicano Jim Risch (Idaho) vocalizou as queixas. Ele tem sido uma voz constante no colegiado a lembrar de episódios que desagradaram aos EUA, no plano regional com o Brasil, como a mediação da crise política na Venezuela, a influência da Rússia, da China e do Irã na região - países cuja atuação os republicanos não aceitam, seguindo a Doutrina Monroe, e classificam como “atores malignos”.

A autorização de Lula para dois navios de guerra iranianos, sancionados pelos EUA, aportarem no Rio em 2023 foi motivo de reclamações explícitas. O petista não cedeu à pressão de Washington para proibir que a flotilha atracasse no País. Republicanos também protestaram contra o veto de Lula à venda de munição - um pedido da Alemanha - por receio de que fossem enviadas à Ucrânia.

Em Brasília, diplomatas dizem que Lula já sinalizou abertura e disposição política com a mensagem congratulando Trump e apostam que ambos terão interesse em manter uma boa relação e maturidade para discordar. Nem com Biden, lembram diplomatas, houve sempre concordância. Os Estados Unidos se irritaram, por exemplo, com declarações do petista comparando a ação militar de Israel em Gaza ao holocausto. Criticaram, ainda, afirmações de Lula sobre a “ajuda para prolongar a guerra” na Ucrânia, após os EUA financiarem e armarem as forças militares de Kiev.

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No primeiro mandato, Lula desenvolveu uma proximidade com o ex-presidente republicano George W. Bush, apesar dos embates geopolíticos, como a oposição frontal à invasão do Iraque. A diferença, agora, é que a oposição a Lula, exercida pelo bolsonarismo, se espelha e tenta colar a imagem em Trump, além de ter contado com o incentivo dele em 2022. Na ocasião, o republicano classificou o petista como “lunático” e recomendou voto em Jair Bolsonaro.

Outra possibilidade em discussão no governo seria estender o convite à Cúpula do G-20 no Rio para Trump ou um representante do futuro governo. Nesse caso, diplomatas destacam a necessidade de um entendimento entre Biden e Trump, similar ao que ocorreu no passado entre a ex-chanceler alemã Angela Merkel e seu sucessor Olaf Scholz. Prestes a deixar o governo, ela o inseriu na agenda internacional, inclusive no G-20 nas últimas semanas de exercício do poder.

Bolsonarismo tenta colar a imagem em Trump, além de ter contado com o incentivo dele em 2022 - na ocasião o republicano classificou o petista como “lunático” e recomendou voto no Bolsonaro. Foto: Alan Santos/PR

Embora seja identificado como isolacionista e agido no passado contra o funcionamento de acordos e fóruns multilaterais, como a OMC e o Acordo de Paris, Trump sempre participou de todas as cúpulas do G-20 durante seu primeiro mandato. Uma dificuldade é que a cúpula será realizada em 18 e 19 de novembro, quando Trump ainda terá agenda doméstica intensa.

A pauta da cúpula brasileira – combate à fome e pobreza, desenvolvimento sustentável e reforma da governança global – destoa do que Trump defende. Uma preocupação da frente parlamentar é garantir que o próximo governo republicano cumpra uma promessa de Biden e remeta US$ 500 milhões para o Fundo Amazônia em cinco anos - até agora só 10% foi de fato doado.

Lula jamais escondeu a torcida pelos democratas e as coincidências de agenda com o governo Joe Biden. A quatro dias da votação, não só declarou apoio à candidata e vice-presidente Kamala Harris, como também voltou a associar Trump a episódios de violência, intolerância, ódio, mentiras e ao “nazismo e fascismo com outra cara”. Ele culpa Trump por dos ataques à democracia nos EUA, a invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021, similar aos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, em Brasília.

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Agora, a palavra de ordem no governo brasileiro é tentar colocar as diferenças de lado e deixar as declarações mais ofensivas ou provocativas para trás. O recado ficou explícito na mensagem oficial do presidente, publicada rapidamente, como previsto, em reconhecimento ao triunfo trumpista. No texto curto – o único pronunciamento a ser divulgado pelo governo –, Lula demonstrou ter abertura para o diálogo, indicam seus assessores.

“Meus parabéns ao presidente Donald Trump pela vitória eleitoral e retorno à presidência dos Estados Unidos. A democracia é a voz do povo e ela deve ser sempre respeitada. O mundo precisa de diálogo e trabalho conjunto para termos mais paz, desenvolvimento e prosperidade. Desejo sorte e sucesso ao novo governo”, afirmou Lula, nas redes sociais.

O governo já previa uma manifestação rápida, se o resultado ficasse claramente demonstrado e um dos candidatos atingisse o mínimo de 270 delegados no colégio eleitoral, feito que Trump conseguiu na madrugada desta quarta-feira, dia 6. A aposta era de uma carta a Trump em particular, e de uma nota sucinta em público. Não de telefonema, justamente, por não haver ainda a confiança política criada.

O impacto da vitória de Trump provocou apreensão no Palácio do Planalto, mesmo porque o partido Republicano também levou o controle da Câmara e do Senado. Um dos primeiros a se manifestar, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o dia havia amanhecido “mais tenso” no mundo todo por causa das declarações de Trump durante a campanha, mas apostou em moderação por parte de um novo governo republicano.

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Mesmo diante da liberdade de ação que Trump deverá ter em razão do apoio majoritário no Legislativo, Haddad diz que o tempo poderá “corrigir propostas mais exacerbadas”.

“Entre o que foi dito e o que vai ser feito, nós sabemos o que aconteceu no passado. As coisas às vezes não se traduzem na maneira que foram anunciadas. O discurso pós-vitória (...) já é mais moderado do que na campanha”, observou o titular da Fazenda.

O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), disse, por sua vez, que “a democracia é o regime político de expressão da vontade da maioria e não da realização de desejos ou vontades individuais”. Randolfe destacou que deseja “a manutenção de diálogo e trabalho conjunto entre Brasil e Estados Unidos”.

“A eleição de Trump é um sinal de alerta para o campo democrático no mundo todo. A polarização se mantém como uma realidade e temos de nos preparar para enfrentá-la também aqui no Brasil, onde a extrema direita já se assanha com o resultado”, argumentou a deputada Gleisi Hoffmann, presidente do PT. “Temos de fortalecer o campo da democracia, mas principalmente dar respostas concretas às necessidade e expectativas do povo, que não cabem na receita neoliberal que o mercado quer impor ao governo e ao País.”

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Na esfera comercial, as atenções estão para o possível tarifaço prometido por Trump. Ele já ameaçou, durante seu primeiro mandato, impor tarifas sobre o aço e alumínio brasileiros.

Um observador familiarizado com o assunto diz que o republicano “tende a ser protecionista de maneira geral, porém pragmático” e que um indicador importante para verificar o potencial de atritos com cada país será a existência – e o tamanho – de superávit com os EUA. No caso do Brasil, a balança é deficitária – o País importa mais do que exporta aos norte-americanos.

“Temos de cuidar da nossa casa, qualquer que seja o cenário externo”, disse Haddad. “Há um fenômeno de extrema direita crescente no mundo e isso não é de agora.”

A ordem no governo Lula, por enquanto, é dar declarações otimistas sobre o impacto da eleição norte-americana na economia do Brasil.

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Mas, se Trump adotar o pacote anunciado de medidas, a redução da taxa de juros nos EUA pode ficar prejudicada no fim de 2025. Diante desse cenário, a tendência é que a alta dos juros chegue ao Brasil justamente em 2026, quando Lula pretende concorrer a novo mandato.

A leitura política de governistas é de que o triunfo de Trump fortalece o campo do ex-presidente Bolsonaro e seus aliados. Inelegível até 2030, Bolsonaro está convencido de que conseguirá derrubar essa restrição e tenta se manter em evidência para controlar os rumos da direita.

Bolsonaristas manifestam esperança de que Trump venha a exercer pressão por isso, principalmente sobre o Supremo Tribunal Federal (STF). Avaliam, ainda, que o desfecho das eleições nos Estados Unidos pode impulsionar o projeto de anistia aos condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro.

Eleitos como inimigos preferenciais do bolsonarismo, o STF e o ministro Alexandre de Moraes enfrentaram, nos últimos meses, a desobediência processual de Elon Musk, o bilionário que também foi cabo eleitoral de Trump e controla a rede X (antigo Twitter).

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