WASHINGTON - O governo dos EUA decidiu intensificar a pressão para que o Brasil apresente resultados claros e imediatos na questão ambiental, especialmente no combate ao desmatamento ilegal. O Departamento de Estado convocou jornalistas brasileiros para uma teleconferência nesta segunda-feira, 29, em Washington, com um influente diplomata americano. E o recado foi duro.
"Queremos ver coisas tangíveis contra o desmatamento ilegal", disse o diplomata americano, que pediu para ser identificado apenas como "integrante do Departamento de Estado". "E queremos ver uma diminuição real ainda este ano, não esperar cinco ou dez anos."
Segundo o diplomata, o governo americano sabe que a forma de agir é uma decisão soberana do Brasil, mas sugere que eventuais sanções não estão descartadas. "Não significa que nunca consideraremos sanções, mas este não é o ponto de partida de nossa conversa", afirmou.
A Casa Branca tem frisado, no entanto, que o Brasil pode perder investimentos e espaço para suas exportações se não mudar de posição, já que muitos governos e empresas têm buscado fazer contratos com países alinhados com os compromissos ambientais.
O Brasil tem dito explicitamente que espera que nações ricas, como os EUA, ofereçam contrapartida financeira pelo compromisso com a preservação da Amazônia. A equipe de Biden considera que há algumas frentes de apoio. A primeira, através de parcerias pontuais e auxílio técnico usando o Usaid, órgão do governo americano responsável pela distribuição de ajuda externa, o que já é feito.
A segunda é o pagamento com base em resultados. "Noruegueses, alemães e britânicos começaram a examinar isso com bastante seriedade. Se o Brasil puder reduzir o desmatamento, e puder demonstrar que é um mecanismo eficaz para evitar o corte de árvores, então haveria pagamentos da comunidade global. Pagamentos sobre resultados. Não pagamentos adiantados, mas sim quando virmos as mudanças."
Os americanos sabem que, para atingir essas mudanças, o Brasil precisa de recursos. "Estamos analisando como combinar essas duas coisas. Pagamentos podem vir de países. Os EUA poderiam colocar algo. Mas parte do apoio pode vir tanto do setor público quanto do privado", afirmou o diplomata.
Na sexta-feira, o governo Biden oficializou o convite a Bolsonaro -- e outros 39 líderes internacionais -- para participar de um encontro sobre meio ambiente, nos dias 22 e 23 de abril. Os EUA já haviam avisado o governo brasileiro em outras ocasiões que o País seria convidado.
Desde o dia 17 de fevereiro, quando John Kerry, enviado de Biden para questões climáticas, conversou por telefone com o ministro brasileiro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, os dois governos têm dialogado sobre compromissos ambientais. Os EUA tentam se colocar em uma posição colaborativa, apesar de Biden ter dito durante a campanha que o Brasil poderia sofrer sanções econômicas caso não se comprometesse com a preservação da Floresta Amazônica.
Nos bastidores, o governo americano demonstra que os sinais enviados pelo Brasil ainda são insuficientes para inspirar confiança. "Nós não vamos dizer: 'Esse é número para este ano' (que esperam de redução do desmatamento), mas temos a convicção de que este não é um programa no qual não se faz nada por uma década e, de repente, em 2030, se faz tudo. Isso não vai funcionar", afirmou o diplomata, em referência ao compromisso brasileiro de zerar o desmatamento ilegal até 2030, firmado no Acordo de Paris.
Desde que Biden tomou posse, o governo brasileiro tem sido pressionado a assumir uma agenda ambiciosa e concreta de proteção da Floresta Amazônica. Biden falou no assunto durante a campanha eleitoral e seu governo trouxe o tema à tona nas três conversas por telefone mantidas entre o alto escalão dos dois países desde o início de março.
Consistência na redução do desmatamento
Os EUA dizem estar cientes e preocupados com a mudança nas políticas ambientais de Bolsonaro e afirmam que o Brasil precisa mostrar consistência na redução do desmatamento, algo que não aconteceu até agora. "Se o mundo vai fazer um investimento para ajudar a combater o desmatamento, é preciso criar confiança", disse. "Não estamos dizendo como o Brasil precisa agir. Mas nos parece que há medidas que precisam ser tomadas. O que buscamos é clareza. É uma questão de construção de confiança. O mundo vai olhar e entender que o Brasil está avançando? Ou não?"
A ideia de reunir vários países para criar um fundo para a Amazônia, como proposto por Biden durante a campanha, está em discussão no Departamento do Tesouro dos EUA. Em debate eleitoral, no ano passado, o então candidato democrata falou em um financiamento de US$ 20 bilhões para preservação da floresta. O plano, porém, ainda deve levar mais de um mês para ficar pronto. Portanto, não deverá ser anunciado na reunião de abril. A cúpula será online e não há previsão, até o momento, de uma conversa entre Bolsonaro e Biden.
Entre as medidas concretas para alterar o ritmo do desmatamento, segundo o diplomata americano, estão o aumento na fiscalização, a distribuição de competências também para governos estaduais e municipais, além do engajamento com comunidades indígenas. Além da pressão sobre o extrativismo ilegal, os EUA dizem que é preciso trabalhar com as comunidades locais e oferecer incentivos ao cumprimento das leis ambientais.
"Não estamos presumindo que esta seja uma agenda dos EUA. Isso tem de ser do Brasil, tem de ser dentro do contexto da soberania brasileira. Pessoas de fora podem ajudar? Achamos que sim. E, se pudermos fazer isso e evitar o desmatamento, acreditamos que seria uma vitória de todos", afirmou o americano.
Itamaraty
A troca no comando do Itamaraty não é vista na chancelaria americana como um fator de mudança na relação entre os dois países. O ministro Ernesto Araújo, que pediu demissão na manhã desta segunda-feira, 29, já defendeu nos EUA ideias completamente contrárias aos princípios do governo Biden. Em 2019, Araújo comparou, em palestra em Washington, o que chamou de "climatismo" e "alarmismo climático" com um sistema de "justiça stalinista".
O governo Biden, no entanto, diz que a conversa sobre meio ambiente é de interesse dos dois países e a relação não deve ser alterada. "Eu não acredito que isso vá afetar nossa relação. É uma conversa de país para país. É certamente muito afetada pelos indivíduos, mas vemos muito como uma conversa que nós e outros no mundo queremos manter com o Brasil", afirmou o diplomata.
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