Governo Lula endossa tese de imunidade que pode abrir caminho para vinda de Putin ao Brasil

Presença de líder russo no G-20 gera controvérsia internacional por causa de mandado de prisão por crime de guerra na Ucrânia

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Foto do author Felipe Frazão
Atualização:

BRASÍLIA - O governo Luiz Inácio Lula da Silva levantou e endossou a tese da imunidade de chefes de Estado, que pode abrir caminho para a presença do presidente russo, Vladimir Putin, no Brasil. A convite de Lula, Putin avalia desembarcar no Rio em novembro, parar participar da Cúpula do G-20, mesmo sendo alvo de um mandado de prisão em aberto, expedido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), por causa da guerra na Ucrânia.

Como o Brasil faz parte do tratado do TPI, em tese, deveria cumprir a ordem de prender Putin, mas o governo resiste. Os dois principais auxiliares do presidente na definição dos rumos da política externa, o ministro Mauro Vieira (Relações Exteriores) e o ex-chanceler Celso Amorim (chefe da Assessoria Especial da Presidência da República) já expressaram em entrevistas recentes que Putin é bem-vindo e poderia estar protegido por algum grau de imunidade para chefes de Estado.

O presidente russo Vladimir Putin discursa para os cidadãos após um ataque terrorista na casa de shows Crocus City Hall na região de Moscou, em 23 de março de 2024: líder russo tem um mandado de prisão internacional  Foto: Pavel Byrkin / EFE/EPA

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O posicionamento do governo Lula está em um documento remetido às Nações Unidas. O assunto da imunidade de chefes de Estado e outras autoridades será mais uma vez alvo de discussão na 75ª sessão da Comissão de Direito Internacional, entre 29 de abril e 31 de maio e de 1º de julho a 2 de agosto. O colegiado debate a elaboração de uma norma sobre o assunto.

O alcance da “Imunidade de Autoridades de Estado à Jurisdição Criminal Estrangeira” vem sendo debatido longamente na comissão. Em 2007, passou a ser um tópico permanente da agenda de debates, por decisão da Assembleia Geral. No entanto, é a primeira vez que o Brasil envia um posicionamento, conforme um sumário das Nações Unidas.

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O Estadão teve acesso ao documento de seis páginas, enviado pelo governo brasileiro para discussão mais ampla na comissão. O caso de Putin no G-20 se encaixa no debate, embora não seja mencionado no documento, nem alvo direto do debate - o colegiado não aprecia um caso em concreto. A existência do documento, produzido em novembro de 2023, foi revelada pela Folha de S. Paulo.

No texto, o governo expressa que a imunidade é “essencial para promover a solução pacífica de controvérsias internacionais e relações amistosas entre Estados, inclusive ao permitir que autoridades de Estado participem de conferências diplomáticas e missões em países estrangeiros”.

A diplomacia brasileira também expressa um argumento que vem sendo usado por Moscou, o da “politização” das cortes e conferências multilaterais internacionais. Segundo o governo Lula, a imunidade impede o exercício “abusivo, arbitrário e politicamente motivado” da jurisdição penal contra representantes de Estados.

Imagem de dezembro mostra o presidente Lula e o ministro da Economia, Fernando Haddad, em reunião do G-20, em Brasília. Brasil sedia evento cúpula do grupo este ano e tese de imunidade pode possibilitar a presença de Putin Foto: Adriano Machado/Reuters

O cerne do argumento usado pelo Brasil é que os mandados de prisão do TPI devem alcançar somente os países que façam parte do tratado, bem como representantes desses países.

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“É uma norma básica do direito internacional geral, codificada no artigo 34 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, que ‘um tratado não cria obrigações ou direitos para um terceiro Estado sem o seu consentimento’”, argumenta o governo brasileiro.

A Rússia assinou a fundação do TPI, em 2000, mas retirou sua participação em 2016, por causa de manifestações da Corte a respeito da invasão da Crimeia, em 2014.

Politicamente, a possibilidade de prisão do Putin no Brasil é considerada remota, por causa das implicações geopolíticas e diplomáticas da detenção do líder da segunda maior potência militar do planeta, detentora de armas nucleares e envolvida diretamente em uma guerra.

O TPI ordenou a prisão de Putin em 27 de março do ano passado, por crime de guerra cometido, em tese, na deportação ilegal, para a Rússia, de crianças ucranianas desde o território invadido e ocupado pelas tropas de Moscou. Presidente da Corte, o juiz polonês Piotr Hofmański afirmou na ocasião que a efetiva prisão do líder russo dependia da colaboração dos países.

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“O TPI está fazendo a sua parte no trabalho. Como um tribunal de justiça, os juízes expediram o mandado de prisão. A execução desse mandado depende da colaboração internacional”, afirmou Hofmański.

O mandado de prisão de Putin, expedido pelo TPI, tem afastado o russo de circulação interncional. Desde a guerra na Ucrânia, ele passou a se ausentar de participar de cúpulas de chefes de Estado.

Embora a Índia e a Indonésia não sejam parte do TPI, o russo deixou de ir às cúpulas do G-20 em Nova Délhi (2023) e Bali (2022).

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No ano passado, ele desistiu de comparecer à reunião do Brics em Johannesburgo, porque a África do Sul é signatária do TPI. A ida de Putin gerava longa controvérsia entre os sul-africanos. Lula, por sua vez, confirmou que irá à reunião do Brics em Kazã, na Rússia, em outubro deste ano.

Em setembro de 2023, no G-20 da Índia, Lula defendeu em entrevista a uma rede de TV indiana que Putin não seria preso no País. Depois, em entrevista coletiva, voltou atrás de criar obstáculos a uma eventual ordem de prisão no País e afirmou que o caso caberia à Justiça brasileira.

O governo brasileiro tem objetado tentativas de países aliados da Ucrânia e adversários de Moscou, entre eles os EUA e membros do G-7, de excluir Putin da arena internacional. O Brasil também se opôs a sanções e, em mão contrária, ampliou o comércio com os russos, que atingiu US$ 11 bilhões no ano passado.

Na esteira da controvérsia, o governo já discutiu inclusive a possibilidade de reavaliar a participação no Estatudo de Roma, que criou o TPI, por considerar que ele não funciona de forma adequada. A revisão tem apoio de Celso Amorim.

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“Conheci o Putin no G-7, no G-20, na ONU. Nós fazemos partes de várias organizações internacionais que você tem a participação heterogênea de muitos países, muita gente que você não concorda, mas faz parte”, argumentou Lula, na quinta-feira, dia 28. “Faz parte do processo democrático conviver democraticamente na adversidade. Não são fóruns de iguais, são de Estados, de países, e temos de respeitar o direito de cada um fazer o que quer no seu país, criticando o que não concorda.”

Os posicionamentos de Lula a respeito da guerra na Ucrânia afetaram a popularidade do presidente e provocaram a impressão, entre parceiros ocidentais, que ele apoia o regime russo. Lula já cogitou que a Ucrânia deveria ceder a Crimeia para firmar um acordo de paz e disse que tanto Putin quanto o presidente ucraniano Volodimir Zelenski tinham o mesmo grau de responsabilidade pela guerra. A Ucrânia, porém, foi invadida unilateralmente pelos russos, em 24 de fevereiro de 2022.

Ele afirmou ainda que os EUA e países europeus incentivavam a guerra ao fornecer armas e dinheiro para defesa de Kiev. Lula vetou a exportação de equipamentos bélicos fabricados no Brasil. O petista fracassou na tentativa de se colocar como potencial mediador do conflito.

Na semana passada, disse ainda que não era obrigado a ter o mesmo “nervosismo” dos europeus com Putin e disse que os “bicudos vão ter de se entender”. O presidente e o PT enviaram cartas de cumprimentos pela reeleição de Putin, numa eleição sem controlada que foi alvo de contestação internacional.

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