Governo Trump acusa venezuelanos deportados de serem criminosos, mas apresenta poucas provas

Famílias e advogados de imigração argumentam que nem todos os deportados enviados para a prisão em El Salvador no fim de semana tinham ligações com gangues

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Por Jazmine Ulloa (The New York Times) e Zolan Kanno Youngs (The New York Times)

Desde que o governo americano enviou centenas de imigrantes venezuelanos para uma prisão em El Salvador, as autoridades americanas debatem se a Casa Branca de fato desafiou um juiz federal que ordenou que os voos de deportação retornassem ao país.

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Mas, além da evidente animosidade do governo de Donald Trump em relação ao juiz e ao tribunal, questões mais básicas permanecem sem solução e em grande parte sem resposta: os homens que foram expulsos para El Salvador eram de fato todos membros de gangues, como os EUA afirmam? E como as autoridades chegaram a essa conclusão sobre cada uma das cerca de 200 pessoas que foram deportadas?

A Casa Branca disse que a maioria dos imigrantes deportados eram membros da facção venezuelana Tren de Aragua, que, como muitas organizações criminosas transnacionais, está presente nos EUA. Em meio ao número recorde de migrantes chegando à fronteira nos últimos anos, a presença da facção em algumas cidades americanas se tornou um grito de guerra para Donald Trump durante sua campanha para retornar à Casa Branca, com alegações de que os imigrantes estavam invadindo o país.

Imagem de 14 de junho de 2023 mostra a diretora executiva e co-fundadora do Centro de Direito dos Defensores dos Imigrantes, Lindsay Toczylowski. Lindsay conseguiu evitar a deportação de um venezuelano para El Salvador Foto: Alex Welsh/NYT

Depois que Trump retornou à presidência em janeiro, Tren de Aragua continuou sendo assunto frequente para ele e seus assessores de imigração, e os voos de deportação na semana passada foram o movimento mais significativo do governo até o momento para cumprir a promessa de perseguir a facção. No entanto, as autoridades revelaram pouco sobre como os homens foram identificados como membros da facção e qual o processo, se houver, que lhes foi concedido antes de serem deportados para El Salvador, onde o governo autoritário, aliado de Trump, concordou em manter os prisioneiros em troca de um pagamento multimilionário.

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O Departamento de Justiça se recusou a responder a perguntas básicas do juiz federal que ordenou o retorno dos voos na segunda-feira. Na tarde de terça-feira, ele ordenou que o Departamento de Justiça enviasse até o meio dia desta quarta-feira detalhes de horários em que os aviões decolaram, deixaram o espaço aéreo americano e pousaram em El Salvador.

Mais da metade dos imigrantes deportados no fim de semana foram removidos com base em uma lei conhecida como Lei de Inimigos Estrangeiros, de 1798, que o governo Trump alega ter invocado para deportar supostos membros de facções criminosas com 14 anos ou mais, com pouco ou nenhum processo legal. A lei, raramente invocada, concede ao presidente ampla autoridade para remover dos EUA cidadãos de países estrangeiros que ele define como “inimigos estrangeiros”, em casos de guerra ou invasão.

Em um documento judicial protocolado na segunda-feira à noite após a audiência, Robert Cerna II, um funcionário do alto escalão do Serviço de Imigração e Alfândega (ICE, na sigla em inglês), afirmou à Justiça americana que cada um dos indivíduos havia sido investigado e que isso envolveu dados de vigilância, revisão de transações financeiras e entrevistas com vítimas.

No entanto, uma série de questões foram levantadas pela resposta de Cerna. Ele afirma que um banco de dados do ICE identificou parte dos enviados como presos e condenados nos EUA por “crimes perigosos” e outros como condenados fora do país.

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Entretanto, o funcionário também reconheceu que “muitos” não tinham antecedentes criminais nos tribunais americanos, embora tenha dito que isso não signifique que eles “sejam uma ameaça limitada”. Outros teriam “estado próximos” a membros do Tren de Aragua durante batidas policiais em veículos e residências, quando foram pegos.

Um coro crescente de famílias, autoridades e advogados de imigração começaram a se manifestar na mídia americana para rejeitar ou lançar dúvidas sobre as alegações. Alguns advogados — enviados para buscas frenéticas por seus clientes em centros de detenção por todo o país — acreditam que seus clientes foram escolhidos simplesmente por suas tatuagens.

Advogados de imigração em Nova York conseguiram impedir a deportação de pelo menos um venezuelano que, segundo eles, não tinha vínculos com a gangue.

Lindsay Toczylowski, uma advogada do Centro de Direito dos Defensores de Imigrantes, disse que seu cliente era um jovem profissional na faixa dos 30 anos que trabalhava na indústria das artes e estava detido desde que tentou entrar nos Estados Unidos no ano passado, quando solicitou asilo usando um aplicativo governamental online, o CBP One. Ela disse que ele ficou sob suspeita por causa de suas tatuagens, mas que os advogados não tiveram oportunidade de contestar as alegações por meio de uma audiência judicial.

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Segundo ela, ele foi transferido no início do mês da Califórnia para o Texas e no sábado havia desaparecido do localizador de detentos online.

“Nosso cliente é a prova de que eles não fizeram a devida diligência para entender quem estavam enviando para El Salvador”, disse ela, recusando-se a revelar o nome do jovem por questões de segurança.

Alguns democratas não apenas acusaram o governo Trump de violar uma ordem judicial, mas também questionaram quem o governo enviou para El Salvador para ser preso.

“O governo Trump está deportando imigrantes sem o devido processo com base somente em sua nacionalidade”, disse o senador Dick Durbin, democrata de Illinois, na segunda-feira. “Os tribunais determinam se as pessoas violaram a lei. Não um presidente agindo sozinho.”

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Entre as mais de 260 pessoas deportadas para El Salvador no fim de semana, 137 foram removidas através da Lei de Inimigos Estrangeiros. Outros 101 eram venezuelanos deportados sob procedimentos normais de imigração, de acordo com autoridades do governo..

Advogados e especialistas jurídicos disseram que, mesmo em condições de guerra, os detidos têm direito ao devido processo legal.

“A Lei de Inimigos Estrangeiros expressamente prevê ‘um exame e audiência completos’ antes que não cidadãos possam ser removidos sob o estatuto”, disse Stephen Vladeck, professor de direito no Centro de Direito da Universidade de Georgetown. “Mesmo no meio da 2.ª Guerra, tribunais realizavam audiências para determinar se supostos inimigos estrangeiros eram, de fato, cidadãos de países com os quais estamos em guerra.”

O governo da Venezuela condenou veementemente a transferência de venezuelanos para El Salvador e o uso da autoridade de guerra pelo governo Trump. Em uma declaração no dia 16, o governo de Nicolás Maduro denunciou o que chamou de “ameaça de sequestro” de menores de 14 anos, rotulando-os como terroristas. O governo venezuelano também alegou que eles são “considerados criminosos simplesmente por serem venezuelanos”.

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Mariyin Araujo, de 32 anos, disse que o pai de suas duas filhas, 2 e 6, fugiu da Venezuela depois de participar de duas manifestações contra o governo autoritário de Maduro. Na segunda ocasião, ele e outros manifestantes foram presos e torturados com choques elétricos e sufocamento. Ele se registrou por meio do aplicativo CBP One no México e foi detido em San Diego quando se apresentou à imigração, disse Araujo.

O venezuelano era um jogador e treinador profissional de futebol, e tinha uma tatuagem no braço de uma coroa em cima de uma bola de futebol. Segundo Araujo, os agentes de imigração associaram a coroa à facção venezuelana. Ela afirmou que enviou documentos para comprovar que o ex-marido não tinha antecedentes criminais, junto com fotos e cartas do seu empregador para provar que ele não era criminoso. Antes que o caso fosse decidido, no entanto, ele ligou para dizer a ela que eles estavam transferindo-o para um centro de detenção no Texas.

Ela não sabia do paradeiro dele até reconhecê-lo em uma foto nas redes sociais, disse. Ele estava sentado no chão com a cabeça abaixada em um uniforme branco de prisão com outros detentos em El Salvador. Ela tentou entrar em contato com os funcionários da prisão salvadorenha, mas descobriu que a instalação onde ele está detido é famosa por não permitir ligações telefônicas ou visitas familiares.

“Havia algo dentro de mim que me dava esperança de que não seria ele, mas era ele”, ela disse. “Ele não é um criminoso.”

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