França para com maior greve sindical em 12 anos contra reforma da Previdência de Macron

Mais de 1 milhão de pessoas saíram às ruas, de acordo com o Ministério do Interior francês, contra o plano do governo para aumentar a idade mínima de aposentadoria de 62 para 64 anos

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Por Redação

PARIS ― A França ficou paralisada nesta quinta-feira, 19, quando centrais sindicais de diversas categorias convocaram a maior greve geral dos últimos 12 anos em resposta à proposta de reforma da Previdência apresentada pelo governo de Emmanuel Macron, que pretende aumentar a idade mínima para aposentadoria de 62 para 64 anos. Ruas foram bloqueadas e trens e metrôs ficaram fora de circulação, enquanto 1,12 milhão de manifestantes saíram às ruas de todo o país.

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De acordo com os líderes sindicais, 70% dos professores da educação primária e 65% da educação secundária aderiram à greve ― números que o Ministério da Educação rebaixa para 42,35% e 34,66%. Em Paris, uma linha de metrô foi completamente interrompida, e outras 12 funcionaram apenas parcialmente, enquanto o número de trens também foi reduzido. No aeroporto de Orly, por volta de 20% dos voos foram cancelados e empresas aéreas alertaram para o risco de atrasos. A gestora de energia francesa RTE informou que a produção de energia no país caiu o equivalente a duas vezes o consumo de Paris, alertando os grevistas a não diminuírem ainda mais.

A última grande mobilização que reuniu as diversas ― e quase sempre dissonantes ― centrais sindicais francesas havia ocorrido em 2010, quando o governo do conservador Nicolas Sarkozy também propôs uma mudança previdenciária. Na época, Sarkozy conseguiu aumentar a idade mínima de aposentadoria de 60 para 62 anos.

“Quando todos os sindicatos estão de acordo, algo pouco comum, é porque o problema é muito grave”, disse o secretário-geral do sindicato CGT, Philippe Martinez, em entrevista à rede Pública Sénat.

Manifestantes carregam cartaz de Emmanuel Macron durante protesto contra a reforma da Previdência em Toulouse, no sul da França. Foto: Guillaume Horcajuelo/ EFE

Antes das manifestações começaram, lideranças sindicais estimaram que cerca de 1 milhão de pessoas deveriam sair às ruas na França, nos mais de 20 atos convocados pelo país. Números divulgados pelas autoridades francesas até o começo da tarde desta quinta apontavam que 36 mil pessoas haviam saído Toulouse, 26 mil em Marselha e 25 e 23 mil, respectivamente, em Nantes e Lyon. Ao fim da tarde, o Ministério do Interior confirmou que aproximadamente 1,12 milhão aderiram às manifestações.

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Jean Paul Cachina, um trabalhador de recursos humanos de 56 anos, juntou-se à marcha na capital francesa, mas disse não estar ali pelos seus próprios interesses. “Estou aqui para defender a juventude e os trabalhadores que fazem trabalhos exigentes. Trabalho no setor da construção civil e sou testemunha em primeira mão do sofrimento dos trabalhadores”, afirmou.

Em Marselha, Jérôme Thevenin, um cozinheiro de 52 anos que trabalhou muitos anos como trabalhador sazonal afirmou que com o novo plano não se “atreve” a calcular quando poderá se aposentar. Ele espera que o protesto nacional “obrigue o governo a refletir”.

O Palácio de Versalhes foi fechado, enquanto a Torre Eiffel alertou sobre possíveis interrupções e o Museu do Louvre disse que algumas salas de exposições permaneceriam fechadas. Sindicatos de policiais contrários ao projeto de aposentadoria de Macron também participaram dos protestos, enquanto unidades de plantão atuaram nas cidades para conter possíveis distúrbios e a atuação de grupos extremistas e violentos. Em Paris, houve confronto entre manifestantes e forças policiais.

Polícia francesa prende manifestantes durante greve geral em Paris. Foto: Benoit Tessier/ Reuters

Reformar o sistema de Previdência da França é um objetivo antigo do presidente Emmanuel Macron, que suspendeu a tramitação de uma reforma anterior no começo de 2020 por causa do avanço da pandemia da covid-19. Durante sua campanha de reeleição, no entanto, o novo sistema foi uma de suas principais propostas.

Mas depois de anos de crise, com os protestos sociais liderados pelos coletes amarelos, pandemia e inflação, o jornal Le Parisien aponta que a reforma representa um “teste decisivo” para Macron sobre seu mandato e sobre “a marca que deixará na história”.

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Na véspera dos protestos, Macron tentou enfraquecer a unidade sindical, afirmando que há sindicatos que “convocam manifestações” e outros que querem “bloquear o país”. Nesta quinta, durante uma cúpula franco-espanhola em Barcelona, o presidente prometeu levar adiante as reformas, mesmo que elas fossem impopulares. “Faremos isso com respeito, espírito de diálogo, mas também determinação e responsabilidade”, declarou.

O plano atual, apresentado pela primeira-ministra Élisabeth Borne no último dia 10, prevê além do aumento da idade mínima de aposentadoria, o aumento do tempo mínimo de contribuição para aposentadoria integral (de 42 para 43 anos). Há dispositivos diferenciados para quem começou a trabalhar antes dos 20 anos e para aqueles que interromperam suas carreiras por motivo de saúde ou pessoais ― como no caso de mulheres que ficaram períodos sem trabalhar para cuidar dos filhos.

Manifestante acende sinalizador durante protesto em Toulouse. Foto: Guillaume Horcajuelo/ EFE

De acordo com uma pesquisa da Ipsos publicada na quarta-feira, 18, embora 81% dos franceses considerem que algum tipo de reforma previdenciária seja necessária, 61% rejeitam o texto atual. Além disso, 58% dos entrevistados disseram apoiar o movimento grevista.

A rejeição ao projeto é tão grande que conseguiu reunir além das centrais sindicais ― que poucas vezes concordam entre si ―, colocou de um mesmo lado partidos da extrema esquerda e da extrema direita francesa.

Marine Le Pen, líder da extrema direita francesa, compartilhou nas redes sociais um vídeo em que questiona a primeira-ministra Élisabeth Borne sobre o projeto. “Senhora primeira-ministra, [você] considera sinceramente que é bom para o país propor uma reforma das pensões com vista a alterar a idade da aposentadoria à qual se opõem 70% dos franceses, fazendo-os pagar pelos insucessos das suas políticas?”, escreveu Le Pen.

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“O governo já perdeu a primeira batalha”, disse o político de extrema esquerda Jean-Luc Mélenchon na quinta-feira. “Ninguém acredita no mérito dos argumentos apresentados pelo governo”.

O governo francês argumenta que além de revitalizar o sistema previdenciário do país, a idade mais alta para aposentadoria também permitiria aumentar o investimento público em áreas que atualmente são deficitárias. Os governistas citam dados da União Europeia para justificar a posição, afirmando que o país tem uma das idades mais baixas de aposentadoria entre os integrantes do bloco ― na vizinha Alemanha, por exemplo, a idade atual é de 66 anos e deve aumentar em breve.

A França tem uma posição demográfica um pouco mais confortável que o resto do continente. Enquanto se estima que as pessoas com mais de 64 anos vão representar 36% da população no sul da Europa até 2050, a proporção deve chegar a apenas 28% na França naquele ano, de acordo com o Instituto Nacional Francês de Estudos Demográficos./ WPOST, AFP e AP

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