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Grupo pró-Ucrânia sabotou principais gasodutos que vêm da Rússia, dizem autoridades dos EUA

Novos relatórios de inteligência indicam a primeira pista significativa sobre quem foi o responsável pelo ataque ao Nord-Stream 1 e 2, que transportam gás natural da Rússia para a Europa.

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Por Adam Entous, Julian E. Barnes e Adam Goldman
Atualização:

WASHINGTON - Novas informações de inteligência analisadas por autoridades dos EUA sugerem que um grupo pró-ucraniano realizou o ataque aos gasodutos Nord Stream no ano passado, um passo para determinar a responsabilidade por um ato de sabotagem que confundiu investigadores de ambos os lados do Atlântico por meses.

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Autoridades dos EUA disseram que não tinham evidências de que o presidente Volodimir Zelenski da Ucrânia ou sua cúpula militar estavam envolvidos na operação, ou que os perpetradores estavam agindo sob a direção de qualquer funcionário do governo ucraniano.

O ataque aos gasodutos, que ligam a Rússia à Europa Ocidental, alimentou a especulação pública sobre quem era o culpado, de Moscou a Kiev e de Londres a Washington, e permaneceu como um dos mistérios não resolvidos de maior importância da invasão na Ucrânia.

Autoridades internacionais alegaram que a Ucrânia e seus aliados tinham o motivo potencial mais lógico para atacar os gasodutos. Eles se opuseram ao projeto por anos, chamando-o de ameaça à segurança nacional porque permitiria à Rússia vender gás mais facilmente para a Europa. Autoridades do governo ucraniano e da inteligência militar dizem que não tiveram nenhum papel no ataque e não sabem quem o executou.

Bolhas gigantes no Mar Báltico apareceram depois da explosão no principal gasoduto que transporta gás da Rússia para a Europa, em setembro do ano passado  Foto: Forças de Defesa da Dinamarca/ AFP

Autoridades dos EUA disseram não saber quem seriam os perpetradores e suas afiliações. A revisão da inteligência recentemente coletada sugere que eles eram oponentes do presidente Vladimir Putin da Rússia, mas não especifica quem seriam os membros do grupo, ou quem dirigiu ou pagou pela operação. As autoridades americanas se recusaram a divulgar a natureza da inteligência, como ela foi obtida ou quaisquer detalhes sobre a força das evidências. Também disseram que não há conclusões firmes sobre isso, deixando em aberto a possibilidade de que a operação possa ter sido clandestina, conduzida por um grupo de mercenários com conexões com o governo ucraniano ou seus serviços de segurança.

Especulações iniciais dos EUA e da Europa culpavam a Rússia pelo ataque, principalmente pelas proezas russas em operações submarinas, embora não esteja claro qual motivação o Kremlin teria para sabotar seus próprios gasodutos, uma vez que eles têm sido uma importante fonte de receita e um meio para Moscou exercer influência sobre a Europa. Uma estimativa colocou o custo de reparar os gasodutos em cerca de US$ 500 milhões. Autoridades dos EUA dizem que não encontraram nenhuma evidência de envolvimento do governo russo no ataque.

Funcionários que revisaram as informações da inteligência disseram acreditar que os sabotadores eram provavelmente cidadãos ucranianos ou russos, ou os dois. Autoridades dos EUA disseram que nenhum cidadão americano ou britânico estava envolvido.

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Os gasodutos foram destruídos por explosões submarinos em alto mar em setembro, o que as autoridades americanas descreveram na época como um ato de sabotagem. Autoridades europeias disseram publicamente que acreditavam que a operação que teve como alvo o Nord Stream foi provavelmente patrocinada por um Estado, por causa da sofisticação com que os perpetradores plantaram e detonaram os explosivos no fundo do Mar Báltico sem serem detectados. Autoridades americanas não declararam publicamente acreditar em uma operação patrocinada por um Estado.

Os explosivos provavelmente foram colocados com a ajuda de mergulhadores experientes que não pareciam estar trabalhando para militares ou serviços de inteligência, disseram autoridades dos EUA que analisaram os dados de inteligência. Mas é possível que os perpetradores tenham recebido treinamento especializado do governo no passado.

Autoridades disseram ainda que há enormes lacunas no que as agências de espionagem dos EUA e seus parceiros europeus sabem. Mas disseram que esta é a a primeira pista significativa a surgir de várias investigações cuidadosamente conduzidas, cujas conclusões podem ter profundas implicações para a coalizão de apoio à Ucrânia.

Qualquer sugestão de envolvimento ucraniano, direta ou indiretamente, pode perturbar a delicada relação entre a Ucrânia e a Alemanha, azedando o apoio de um público alemão que engoliu os altos preços da energia em nome da solidariedade.

As autoridades americanas que foram informadas sobre os dados de inteligência estão divididas sobre quanto peso atribuir à nova informação. Todos falaram sob condição de anonimato para discutir informações sigilosas e assuntos delicados de diplomacia.

Vazamento no gasoduto Nordstream provocou bolhas gigantes no Mar Báltico. Foto: Forças de Defesa da Dinamarca/ AFP

Autoridades dos EUA disseram que o novo relatório de inteligência aumentou seu otimismo de que as agências de espionagem americanas e seus parceiros na Europa possam encontrar mais informações, o que poderia permitir uma conclusão firme sobre quem promoveu o ataque. Não está claro quanto tempo esse processo levará. As autoridades americanas discutiram recentemente os dados de inteligência com seus colegas europeus, que assumiram a liderança na investigação do ataque.

Uma porta-voz da CIA se recusou a comentar. Um porta-voz do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca encaminhou perguntas sobre os gasodutos às autoridades europeias, que estão conduzindo suas próprias investigações.

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Nord Stream 1 e Nord Stream 2, como os dois gasodutos são conhecidos, estendem-se por quase mil quilômetros da costa noroeste da Rússia até Lubmin, no nordeste da Alemanha. O primeiro custou mais de US$ 12 bilhões para ser construído e foi concluído em 2011.

O Nord Stream 2 custou um pouco menos que o primeiro gasoduto e foi concluído em 2021, apesar das objeções de autoridades dos Estados Unidos, Reino Unido, Polônia e Ucrânia, entre outros, que alertaram que isso aumentaria a dependência alemã do gás russo.

Durante uma crise diplomática entre o Ocidente e a Rússia, argumentaram esses funcionários na ocasião, Moscou poderia chantagear Berlim ameaçando reduzir o fornecimento de gás, do qual os alemães dependiam fortemente, especialmente durante os meses de inverno. (A Alemanha abandonou a dependência do gás russo no ano passado.)

No início do ano passado, o presidente Biden, depois de se encontrar com o chanceler Olaf Scholz da Alemanha na Casa Branca, disse que a decisão de Putin sobre atacar ou não a Ucrânia determinaria o destino do Nord Stream 2. “Se a Rússia invadir, isso significa que tanques e tropas cruzarão a fronteira da Ucrânia novamente, então não haverá mais um Nord Stream 2″, disse Biden. “Vamos acabar com isso.”

Tubulação do Nordstream 1 em Lubmin, na Alemanha. Foto: Hannibal Hanschke/ Reuters - 08/03/2022

Quando perguntado exatamente como isso seria feito, Biden disse enigmaticamente: “Prometo a você que seremos capazes de fazer isso”. Algumas semanas depois, Scholz anunciou que seu governo impediria que o gasoduto Nord Stream 2 se tornasse operacional. Dois dias depois, a Rússia lançou a invasão.

Desde as explosões nos gasodutos em setembro, tem havido muita especulação sobre o que aconteceu no fundo do mar perto da ilha dinamarquesa de Bornholm. A Polônia e a Ucrânia imediatamente acusaram a Rússia de plantar os explosivos, mas não ofereceram provas.

A Rússia, por sua vez, acusou o Reino Unido de realizar a operação – também sem provas. A Rússia e o Reino Unido negaram qualquer envolvimento nas explosões.

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No mês passado, o jornalista investigativo Seymour Hersh publicou um artigo na plataforma de newsletter Substack concluindo que os Estados Unidos realizaram a operação sob a direção de Biden. Ao apresentar sua reportagem, Hersh citou a ameaça pré-invasão do presidente de “pôr fim” ao Nord Stream 2 e declarações semelhantes de outros altos funcionários dos EUA.

Autoridades dos EUA dizem que Biden e seus principais assessores não autorizaram uma missão para destruir os gasodutos Nord Stream e dizem que não houve envolvimento dos EUA.

Quaisquer descobertas que coloquem a culpa em Kiev ou em representantes ucranianos podem provocar uma reação na Europa e tornar mais difícil para o Ocidente manter uma frente unida em apoio à Ucrânia. Autoridades e agências de inteligência dos EUA reconhecem que têm visibilidade limitada na tomada de decisões ucraniana.

Apesar da profunda dependência da Ucrânia dos Estados Unidos para apoio militar, de inteligência e diplomático, as autoridades ucranianas nem sempre são transparentes com seus colegas americanos sobre suas operações militares, especialmente contra alvos russos atrás das linhas inimigas. Essas operações frustraram as autoridades dos EUA, que acreditam que não melhoraram de forma mensurável a posição da Ucrânia no campo de batalha, mas arriscaram alienar os aliados europeus e ampliar a guerra.

As operações que criaram uma crise com os Estados Unidos incluíram um ataque no início de agosto à base aérea russa de Saki, na costa oeste da Crimeia, um caminhão-bomba em outubro que destruiu parte da ponte do estreito de Kerch, que liga a Rússia à Crimeia, e ataques de drones em dezembro em bases militares russas em Ryazan e Engels, cerca de 500 km além da fronteira ucraniana.


Mas houve outros atos de sabotagem e violência de procedência mais ambígua que as agências de inteligência dos EUA tiveram mais dificuldade em atribuir aos serviços de segurança ucranianos. Um deles foi um carro-bomba perto de Moscou em agosto que matou Daria Dugina, filha de um importante nacionalista russo.

Kiev negou qualquer envolvimento, mas as agências de inteligência dos EUA acabaram acreditando que o assassinato foi autorizado pelo que as autoridades chamaram de “elementos” do governo ucraniano. Em resposta à descoberta, o governo Biden repreendeu os ucranianos em particular e os advertiu contra ações semelhantes.

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As explosões que romperam os gasodutos Nord Stream ocorreram cinco semanas após o assassinato de Dugina. Após a operação Nord Stream, houve especulação - e preocupação - em Washington de que partes do governo ucraniano também poderiam estar envolvidas nessa operação.

Os novos dados de inteligência não fornecem evidências até agora da cumplicidade do governo ucraniano no ataque aos gasodutos, e as autoridades dos EUA dizem que o nível de confiança do governo Biden em Zelenski e sua equipe sênior de segurança nacional tem aumentado constantemente.

Dias após a explosão, Dinamarca, Suécia e Alemanha iniciaram suas próprias investigações separadas sobre a chamada operação Nord Stream.

Agências de inteligência dos dois lados do Atlântico tiveram dificuldade em obter evidências concretas sobre o que aconteceu no fundo do mar nas horas, dias e semanas antes das explosões.

Os próprios gasodutos não foram monitorados de perto, nem por sensores comerciais nem pelo governo. Além disso, encontrar a embarcação ou embarcações envolvidas foi complicado pelo fato de as explosões terem ocorrido em uma área de tráfego intenso.

Mas agora os investigadores têm muitas pistas a seguir. De acordo com um legislador europeu informado no final do ano passado pelo principal serviço de inteligência estrangeiro de seu país, os investigadores coletaram informações sobre cerca de 45 “navios fantasmas” cujos transponders de localização não estavam ligados ou não estavam funcionando quando passaram pela área, possivelmente para encobrir seus movimentos.

O legislador também foi informado de que mais de 1.000 libras de explosivos de “grau militar” foram usados pelos perpetradores do ataque

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Mats Ljungqvist, um promotor sênior que lidera a investigação da Suécia sobre o caso, disse ao The New York Times no final do mês passado que a caçada de seu país aos perpetradores continuava.

“É meu trabalho encontrar aqueles que explodiram o Nord Stream. Para me ajudar, tenho o Serviço de Segurança do nosso país”, disse Ljungqvist. “Se eu acho que foi a Rússia que explodiu o Nord Stream? Nunca pensei isso. Não é lógico. Mas, como no caso de um assassinato, é preciso estar aberto a todas as possibilidades”.

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