A multidão exigia: “Preste juramento! Preste juramento!” E ele prestou. Juan Guaidó, o desengonçado político de 35 anos que a maioria dos venezuelanos desconhecia até um mês atrás, ergueu a mão e declarou-se presidente em exercício da república. Então, dezenas de milhares de pessoas reunidas em Caracas como parte de uma manifestação nacional contra o desastroso regime de Nicolás Maduro (agora chamado de usurpador), romperam numa estrondosa ovação.
No fim da tarde, o homem que Maduro e seus chegados haviam chamado de “garotinho” havia sido reconhecido internacionalmente como presidente legítimo de um país com uma das maiores reservas de petróleo do mundo. O presidente dos EUA, Donald Trump, foi o primeiro a endossá-lo, seguido pelo Canadá e pelas maiores economias da América do Sul.
A ascensão de Guaidó à proeminência foi espetacular. Em 5 de janeiro, ele fora escolhido líder da Assembleia Nacional como parte de um acordo de divisão de poder entre os principais partidos de oposição. Sua escolha como presidente pareceu acidental, decidida em grande parte pela falta de outras opções.
Dos dois outros candidatos mais óbvios de seu partido, o Voluntad Popular, um está em prisão domiciliar e o outro está refugiado na embaixada do Chile. A Assembleia Nacional estava sepulta desde 2016. Depois que a oposição conquistou a maioria no ano anterior, Maduro decidiu neutralizá-la, substituindo-a por um falso Parlamento que obedece a suas ordens.
Mas Guaidó soube usar com maestria sua condição de novato com poucos inimigos aparentes para paralisar as disputas internas da oposição e revitalizar as esperanças dos que queriam ver o fim do regime de Maduro.
Sua proclamação ocorre num momento em que os vizinhos da Venezuela, incluindo os Estados Unidos, buscam uma solução urgente para a crise do país. A incompetência de Maduro levou os venezuelanos à miséria, forçando um décimo da população a emigrar. No ano passado, Maduro realizou eleições de cartas marcadas e concedeu-se um segundo mandato de 6 anos, que teve início no dia 10. A Constituição venezuelana diz que, se o cargo de presidente estiver vago, como afirma a oposição, cabe ao líder da Assembleia Nacional assumir o governo.
Vindo de uma família de classe média do Estado costeiro de Vargas, Guaidó, um ex-estudante de engenharia, não tem nada do ar elitista da velha geração de líderes oposicionistas. Ele e sua família perderam a casa num catastrófico deslizamento de terra em 1999, que deixou dezenas de milhares de mortos.
Essa experiência e o subsequente governo autoritário de Hugo Chávez, mentor de Maduro, levaram-no à política. Ele ingressou no Voluntad Popular quando o partido foi fundado, em 2009, por Leopoldo López (que continua na liderança, mas em prisão domiciliar). Ele se empenhou em descobrir o destino dos bilhões roubados tanto sob o governo de Maduro quando sob o de Chávez.
Guaidó repetidamente hesitou em se declarar presidente, alegando que precisava tanto do apoio do povo quanto das Forças Armadas. Os crescentes protestos evidenciaram que ele tinha o respaldo da vasta maioria dos venezuelanos, mesmo dos moradores dos subúrbios pobres de Caracas, onde a fome e a raiva superaram o medo do regime.
Guaidó, no entanto, ainda não pode proclamar que tem o apoio do Exército. Pequenas rebeliões militares têm ocorrido, a mais recente no dia 21, quando 27 homens da Guarda Nacional Bolivariana roubaram armas e se declararam rebelados, terminando presos.
Líderes militares que controlam áreas-chave da economia, da extração de petróleo à mineração e à distribuição de alimentos, continuam leais a Maduro. Guaidó oferece anistia aos que desertarem. No entanto, até que isso aconteça, a Venezuela continuará tendo dois presidentes: um, respaldado pela legitimidade, outro, pelas armas. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ © 2018 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM
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