Guepardos voltam à Índia após mais de sete décadas de extinção

Animais vindos da África são de projeto de conservação da espécie e podem ajudar a recuperar pradarias do país

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Por Aniruddha Ghosal e Sibi Arasu
Atualização:

ASSOCIATED PRESS - Sete décadas após os guepardos serem extintos na Índia, eles estão de volta ao país. Oito felinos da espécie originados na Namíbia empreenderam uma longa jornada, no sábado, em um voo de carga fretado, até a cidade de Gwalior, no norte indiano, como parte de um ambicioso e, ao mesmo tempo, contestado plano de reintroduzir os guepardos no país sul-asiático.

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Ao chegar, eles foram levados para seu novo lar: um amplo parque nacional no coração da Índia, onde cientistas esperam que o animal mais veloz da Terra volte a correr.

O primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, soltou os guepardos no parque na manhã do sábado. Os felinos saíram de sua jaula cautelosamente no início, enquanto espreitavam o entorno. “Quando os guepardos correrem outra vez (…) pradarias serão restauradas, a biodiversidade aumentará e o ecoturismo receberá um impulso”, afirmou Modi.

Um guepardo é preparado na Namíbia para ser transferido para a Índia, em 16 de setembro Foto: Dirk Heinrich/AP - 16/09/2022

Os guepardos já foram comuns em toda a Índia, mas acabaram extintos no país em 1952, em razão de caça e perda de habitat. Até hoje eles continuam sendo o primeiro e único predador a ser extinto após a independência indiana, em 1947. A Índia espera que importar guepardos africanos ajudará nos esforços de conservação das ameaçadas e amplamente negligenciadas pradarias do país.

Existem atualmente menos de 7 mil guepardos na natureza, que habitam menos de 9% do território que a espécie habitava originalmente. A diminuição do habitat, em razão da crescente população humana e das mudanças climáticas, é uma grande ameaça a pradarias e florestas indianas que poderiam oferecer lares “apropriados” para esses felinos, afirmou Laurie Marker, do Cheetah Conservation Fund, grupo de ativismo e pesquisa que trabalha pela volta dos guepardos à Índia.

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“Para salvar os guepardos da extinção, precisamos criar espaços permanentes para eles no planeta”, afirmou ela.

A população de guepardos está em declínio na maioria dos países em que o felino ocorre. Uma exceção é a África do Sul, onde falta espaço para tantos gatos. Especialistas esperam que as florestas indianas possam oferecer aos guepardos território para prosperar. Há atualmente 12 guepardos em quarentena na África do Sul prestes a ser enviados para o Parque Nacional de Kuno. Neste mês, quatro guepardos capturados em reservas na África do Sul foram mandados para Moçambique, onde a população dos felinos declinou drasticamente.

Consequências

Alguns especialistas são mais cautelosos. Poderia haver “consequências em cascata e não intencionadas” quando um animal forasteiro é inserido em um novo ecossistema, afirmou Mayukh Chatterjee, da União Internacional para Conservação da Natureza.

Por exemplo, uma explosão na população de tigres na Índia levou a conflitos com pessoas que compartilhavam o mesmo espaço. Com os guepardos, há dúvidas a respeito da maneira que sua presença poderia afetar outros carnívoros, como as hienas-listradas, ou até presas, como pássaros. “Uma dúvida permanece: como será feita a coisa?”, disse Chatterjee.

Primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, acompanha a soltura de um guepardo em um parque em Madhya Pradesh Foto: Press Information Bureau via AP

Os primeiros oito guepardos da Namíbia passarão por quarentena em uma instalação do parque nacional e serão monitorados por um mês para se garantir que eles não estejam infectados por nenhum patógeno. Então eles serão soltos em um espaço mais amplo do parque, para se acostumar com o novo ambiente. Esses espaços possuem presas naturais — como chitais (Axis axis) e antílopes, que os cientistas esperam que os guepardos aprendam a caçar — e são projetados para impedir a entrada de outros predadores, como ursos e leopardos.

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Os guepardos receberão colares de rastreamento e serão soltos no parque nacional em cerca de dois meses. Seus movimentos serão acompanhados rotineiramente, mas na maior parte do tempo eles viverão por conta própria.

A reserva é grande o suficiente para abrigar 21 guepardos, que, se estabelecerem territórios e acasalarem, poderiam se espalhar para outras pradarias e florestas interconectadas capazes de abrigar outros 12 felinos, de acordo com cientistas.

Existe atualmente apenas um vilarejo fronteiriço ao parque, com poucas centenas de famílias ainda residindo no local. Autoridades indianas afirmaram que as pessoas serão transferidas de lá proximamente e que qualquer perda de gado para os guepardos será ressarcida. A estimativa de custo do projeto é de US$ 11,5 milhões ao longo de cinco anos, incluindo US$ 6,3 milhões pagos pela estatal Indian Oil.

Os guepardos já foram comuns em toda a Índia, mas acabaram extintos no país em 1952, em razão de caça e perda de habitat Foto: Dirk Heinrich/AP

A realocação intercontinental vem sendo planejada há décadas. Os guepardos que habitavam a Índia originalmente eram guepardos asiáticos, geneticamente diferentes dos primos africanos e cuja ocorrência se estendia até a Arábia Saudita.

A Índia quis trazer guepardos asiáticos, mas apenas algumas dúzias de indivíduos dessa população sobrevivem no Irã e são vulneráveis demais para ser deslocados.

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Muitos obstáculos permanecem, incluindo a presença de outros predadores na Índia, como os leopardos, que deverão competir com os guepardos, afirmou a geneticista para conservação Pamela Burger, da Universidade de Medicina Veterinária de Viena.

“Seria melhor conservá-los onde eles estão agora do que empreender um esforço para criar novos ecossistemas onde o desfecho é questionável”, afirmou ela.

Adrian Tordiffe, veterinário especialista em vida selvagem da África do Sul associado ao projeto, afirmou que os animais precisam de alguma ajuda. Ele acrescentou que muitos esforços de conservação em países africanos foram malsucedidos, ao contrário da Índia, onde leis rígidas de conservação têm preservado populações de grandes felinos. “Não podemos cruzar os braços e esperar que espécies como guepardos sobrevivam por conta própria, sem nossa ajuda”, afirmou ele. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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