Guerra da Ucrânia completa um ano com maior envolvimento de EUA e UE contra a Rússia

Série especial do ‘Estadão’ sobre o primeiro ano da guerra que elevou a polarização na política internacional ao maior patamar em décadas

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Foto do author Renato Vasconcelos
Atualização:

SÃO PAULO ― A Ucrânia alertava sobre o risco há meses. Estados Unidos e União Europeia pediam explicações por via diplomática, cobrando um compromisso claro pela paz. A Rússia negava qualquer má-intenção, dizendo que a concentração de mais de 100 mil soldados no oeste não passava de um exercício militar com Belarus. Mas quando Vladimir Putin autorizou que as suas tropas cruzassem a fronteira, na madrugada de 24 de fevereiro (noite do dia 23 em Brasília), para depor os “nazistas que controlavam Kiev”, o mundo presenciou o início do maior conflito em solo europeu desde a 2ª. Guerra ― que em um ano remodelou a geopolítica mundial, revitalizou a Otan e elevou a polarização na política internacional ao maior patamar em décadas.

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Esta reportagem abre a série especial do Estadão sobre o primeiro ano da guerra. Ao longo dos próximos dias, a cobertura do jornal abordará o papel do Brasil na guerra, as perspectivas do conflito para o futuro, os arsenais dos dois países envolvidos nos combates e o drama dos refugiados.

A cada incursão russa em território da Ucrânia ao longo de um ano de conflito, alianças e acordos internacionais tiveram de se rearranjar. Americanos e europeus, que vinham de anos de distanciamento e atritos durante os anos de Donald Trump em Washington, reaproximaram-se com rapidez em torno da Otan para dar suporte à Ucrânia e conter o avanço russo em direção ao Ocidente.

O apoio aberto a Kiev ― algo que sequer parecia próximo antes da invasão ― materializou-se de maneira mais simbólica na última segunda-feira, 20, quando o presidente dos EUA, Joe Biden, fez uma visita surpresa à Ucrânia, em uma rara aparição de um chefe de estad americano em uma zona de guerra onde os EUA ou seus aliados não têm controle sobre o espaço aéreo.

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Joe Biden caminha ao lado de Volodmir Zelenski na catedral St. Michael's Golden-Domed durante visita não anunciada a Kiev. Foto: van Vucci/Pool via REUTERS

Bilhões em armas para a Ucrânia

“Um ano depois, Kiev está de pé”, disse Biden em um discurso na capital ucraniana, ao lado do presidente Volodmir Zelenski. E completou: “E a Ucrânia está de pé. A democracia está de pé. Os americanos estão com vocês, e o mundo está com vocês”.

Mas o apoio da aliança não se limitou a declarações e reprimendas diplomáticas. Só em ajuda militar, os EUA enviaram o equivalente a US$ 25 bilhões (R$ 129 bilhões), segundo um balanço do Departamento de Estado americano. A conta não considera gastos com ajuda humanitária e financeira ― o que elevaria o valor total a quase US$ 50 bilhões (R$ 258 bi), de acordo com estimativas do Council of Foreign Relationse nem soma os valores dos tanques e blindados prometidos no começo do mês.

Ao todo, os países da Otan enviaram um montante de mais de US$ 80 bilhões (R$ 413 bi) em 2022, segundo o Kiel Institute for the World Economy, um think tank alemão. O volume de recursos e armamentos faz com que alguns analistas considerem que a guerra na Ucrânia se transformou em uma guerra por procuração da Otan, com o objetivo de contenção da Rússia.

Em contrapartida, há quem defenda que os envios da aliança militar sejam apenas o meio necessário para que Kiev mantenha a soberania de seu território, diante da agressão de uma potência militar, que fere o direito internacional.

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Enquanto a antiga OTAN era reativa, agora está sendo reconstruída para deter a Rússia em tempos de paz e responder com força assim que ela ameaça invadir o território de seus membros. “Estamos aprimorando rapidamente a prontidão de nossas forças”, disse à revista The Economist o general britânico Sir Tim Radford, segundo na cadeia de comando do Exército Britânico “E nossa capacidade de resposta militar geral está aumentando exponencialmente”.

Ajuda gradativa

O patamar atual de cooperação da Otan com a Ucrânia não foi instantâneo e uniforme dentro da aliança militar. A construção da frente de apoio passou por longas rodadas de negociação no e entre os líderes de vários países, a fim de superar preocupações que iam de novos avanços da Rússia contra a Europa central à outras represálias, como o corte do fornecimento de gás natural na Europa. Mas os temores foram superados diante da ameaça russa.

“A Otan nunca esteve unida [a esse ponto] desde a Guerra Fria. E isso é muito comum ― e é um paradoxo da política internacional: você só une quando há um inimigo comum”, disse o historiador russo-americano Leon Aron, diretor de Estudos Russos no American Enterprise Institute em entrevista ao Estadão.

Desde as primeiras negociações sobre sanções coletivas contra a Rússia até as negociações mais recentes, sobre o envio dos tanques, posições divergentes entre as potências militares ocidentais foram acolhidas e superadas coletivamente. Quando Scholz exigiu que os EUA enviassem tanques M1 para a Ucrânia para que a Alemanha liberasse o envio de seus Leopard 2, abrindo uma divisão interna, Joe Biden se comprometeu a liberar dezenas de unidades, mesmo considerando que sua aplicação no campo de batalha seja limitada por questões técnicas.

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A cada novo pacote proposto, os países têm entrado em deliberação em suas instituições internas e, posteriormente, com os demais parceiros. Essa dinâmica acabou sendo, de acordo com Aron, um trunfo para a aliança e para a Ucrânia, pois criaram um fluxo de envio militar que cresceu de forma escalonada, sem provocar uma reação explosiva de Moscou.

“Se a Otan tivesse começado, desde o início, a entregar todo o poder de fogo e tecnologia militar na mão da Ucrânia, isso teria assustado muito a Rússia - e teria realmente ameaçado uma guerra entre Rússia e Otan. Mesmo com o ritmo mais lento e gradual, Putin ameaçou com o uso de armas nucleares táticas. Se a Otan entregasse tudo imediatamente, correria o risco de encarar o perigo de um erro de análise russo”, disse Aron.

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