Em Nikopol, cidade na região rural no sul da Ucrânia, as forças ucranianas encaram um novo – e complicado – obstáculo enquanto se preparam para uma grande contraofensiva: uma central nuclear que o Exército russo transformou em forte.
Nikopol, controlada pelos ucranianos, localiza-se na margem oeste do Rio Dnipro. Na margem oposta, há uma gigantesca usina nuclear, a maior da Europa, que o Exército russo capturou em março. Os russos têm disparado de trás da central atômica de Zaporizhzhia desde meados de julho, afirmaram militares da Ucrânia, lançando foguetes sobre o rio contra Nikopol e outros alvos.
É uma posição de tiro sem oposição. A Ucrânia não pode disparar rajadas de artilharia em resposta usando os avançados sistemas de foguetes fornecidos pelos EUA, que têm silenciado as armas russas em outras partes da linha de frente. Um ataque contra essa posição arriscaria atingir um dos seis reatores atômicos de água pressurizada ou algum depósito de lixo altamente radioativo. E a Rússia sabe disso. “Eles estão se escondendo lá para que não possam ser atingidos”, afirmou o prefeito de Nikopol, Oleksandr Sayuk. “Usar uma instalação dessas como escudo é perigoso.”
Os moradores de Nikopol têm fugido da cidade tanto por medo dos bombardeios quanto em razão de um possível vazamento radioativo. E os que continuam por lá se sentem impotentes.
Os ataques a partir da usina complicam os planos da Ucrânia no sul, que se tornou o foco da guerra enquanto os avanços russos no leste diminuem. Por mais de dois meses, o Exército ucraniano tem esboçado a intenção de contra-ataque na margem oeste do Rio Dnipro, com o objetivo de libertar a cidade de Kherson.
Usando um sistema de lançamento de foguetes a longa distância conhecido como Himars, a Ucrânia tem destruído posições russas e cortado linhas de abastecimento. Ataques de foguetes destruíram em julho uma rodovia e pontes cruciais para os russos conseguirem reabastecer suas forças na margem oeste, ao sul de Nikopol.
Em meio aos preparos para o contra-ataque, a usina nuclear de Zaporizhzhia representa um obstáculo. As forças russas ocupam a central atômica desde 4 de março, mas começaram a usá-la como base de artilharia há apenas poucas semanas, afirmam as autoridades ucranianas, mais ou menos no mesmo momento em que os Himars apareceram no campo de batalha.
Protegidos do fogo contrário, os russos estão ameaçando tropas ucranianas que avançam na direção da represa de Nova Kakhovka, no Rio Dnipro, um dos últimos pontos de cruzamento do curso d’água disponíveis para o reabastecimento das forças russas.
É um problema que a Ucrânia terá de resolver à medida que mobiliza soldados e equipamentos para a contraofensiva na região. As opções de contra-ataque da Ucrânia em Nikopol são limitadas. Uma tática que as forças ucranianas têm tentado é executar ataques precisos, que evitam o risco de danificar os reatores.
Os combates nas proximidades da usina nuclear renovaram preocupações de que a guerra ocasione um vazamento de radiação em um país repleto de perigosas instalações atômicas, incluindo a usina de Chernobyl, que a Rússia chegou a ocupar em março, mas abandonou posteriormente.
A Ucrânia retomou ontem as exportações de grãos e um navio carregado com milho zarpou do Porto de Odessa, o primeiro desde o início da invasão russa, seguindo o acordo para aliviar a crise alimentar mundial.
Segundo o ministro ucraniano da Infraestrutura, Oleksandr Kubrakov, o navio com bandeira de Serra Leoa transporta uma carga de 26 mil toneladas de milho para o Porto de Trípoli, no Líbano. Rússia e Ucrânia são grandes potências agrícolas e responsáveis por abastecer grande parte do mercado mundial de trigo, milho e óleo de girassol. Analistas calculam que até 25 milhões de toneladas de grãos estejam bloqueadas nos portos ucranianos. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
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