Israel sofreu este ano, em 7 de outubro, o atentado mais violento de sua história, quando os terroristas do Hamas mataram mais de 1200 vítimas e tomaram mais de centenas de reféns. Em resposta, o país iniciou uma guerra na Faixa de Gaza que já deixou mais de 20 mil mortos, segundo autoridades do grupo, destruiu as principais cidades do enclave e deslocou 80% da população local.
O governo israelense prometeu não interromper suas operações em Gaza até que o Exército tenha destruído o Hamas. A guerra, que entrou no terceiro mês, tem tido o respaldo dos Estados Unidos e da União Europeia, mas, nas últimas semanas, a pressão diplomática para que ela chegue a um fim tem crescido.
Veja em perguntas e respostas o que esperar do conflito no ano que vem:
Qual é a situação humanitária em Gaza?
Até o momento, a vasta campanha militar na região, dominada pelo Hamas, tem deixado um saldo de quase 20 mil palestinos mortos, cerca de 70% dos quais eram mulheres e crianças, segundo Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas. Essas informações, no entanto, não podem ser confirmadas de forma independente.
Relatórios da ONU, vídeos divulgados pelo IDF e reportes vindos dos poucos jornalistas que permanecem no enclave confirmam um cenário de destruição: cidades enterradas em escombros, milhares de corpos encontrados nas ruas, famílias inteiras desaparecidas, fome generalizada e hospitais em péssimas condições.
A Organização Mundial da Saúde aprovou em 10 de dezembro uma resolução pedindo que a ajuda humanitária entre na Faixa de Gaza. No entanto, a organização alertou que, mesmo com a ajuda humanitária, será quase impossível reverter a situação no território, que ele descreveu como “catastrófica”.
Em um vídeo, Sean Casey, coordenador das equipes médicas de emergência da OMS, descreveu a situação do enclave após chegar como parte de um comboio de entrega de ajuda, após Israel liberar o acesso da ajuda humanitária na Faixa de Gaza: “Há pacientes aqui que estão feridos há mais de um mês e não foram operados. Há pacientes que foram operados, mas agora estão tendo infecções pós-operatórias porque o hospital não tem antibióticos suficientes”, disse ele. “Essa é uma situação completamente inaceitável.”
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Quais os próximos passos de Israel?
“Israel vai ampliar seu controle sobre a Faixa de Gaza, especialmente sobre o sul, nas cidades de Rafah e Khan Younis. E depois de conseguir o controle terrestre, Israel tentará ‘limpar’ estas áreas para quebrar toda a infraestrutura do Hamas”, disse ao Estadão o Dr. Ido Zelkovitz, especialista em política palestina da Universidade de Haifa.
De acordo com Zelkovitz, o foco primário do governo está no controle da situação militar no enclave, mas apesar de não possuir interesse em controlar a vida civil em Gaza, “Israel vai colocar o assunto da segurança na frente de qualquer outra opção”.
A maior incerteza, no entanto, é por quanto tempo haverá presença militar israelense em Gaza.
Qual é o apoio à guerra?
Desde o início da guerra entre Israel e Hamas, o governo dos EUA — principal aliado de Tel-Aviv — tem tido um papel essencial no fornecimento de ajuda militar ao IDF. Equipamentos e materiais de guerra têm sido reabastecidos de forma rápida: mísseis americanos foram transferidos para suprir o sistema de defesa israelense Iron Dome; caças F-35, helicópteros de transporte pesado CH-53 e aviões-tanque de reabastecimento foram enviados; e até foram facilitadas as transferências para o Israel de kits que JDAMs, que tornam bombas de pequeno diâmetro em armas guiadas por GPS.
Além disso, no início deste mês o governo Biden aprovou uma ajuda adicional de US$ 14 bilhões para Israel, que garante ao IDF um maior fornecimento de suporte de defesa aérea e antimísseis, assim como reposição dos estoques militares fornecidos pelos americanos, que podem durar vários meses. Este apoio coincide com a contínua aliança histórica entre ambos países desde o século passado.
No entanto, apesar disso, o aumento do número de civis mortos em Gaza disparou diversos protestos massivos no ocidente e no mundo árabe e forçou o governo dos EUA a pressionar Netanyahu por uma mudança na sua estratégia de guerra.
Qual o papel dos EUA em 2024?
Nas últimas semanas o governo Biden enviou diplomatas a Tel-Aviv para pressionar o premiê israelense para que Israel encerre sua campanha militar terrestre de larga escala na Faixa de Gaza por volta do final do ano, assim como que realize também a transição para uma fase com “alvos mais específicos” na guerra, evitando maiores mortes de civis.
Poucos dias atrás, o presidente americano alertou que Israel está perdendo o apoio internacional por causa de seu “bombardeio indiscriminado” no território palestino. “Quero que eles se concentrem em como salvar vidas de civis, que não parem de ir atrás do Hamas, mas que sejam mais cuidadosos”, disse Biden.
Jake Sullivan, assessor de segurança nacional da Casa Branca, reuniu-se com autoridades israelenses recentemente para passar a mensagem de Biden. Mas Netanyahu rebateu as críticas à guerra de Israel em Gaza, prometendo continuar. “Nada vai nos deter. Estamos indo até o fim, até a vitória, nada menos que isso”, disse o premiê israelense.
As recentes tensões entre Washington e Tel-Aviv também ficam evidenciadas nas visões opostas do cenário pós-guerra em Gaza. Washington quer que a Autoridade Nacional Palestina (ANP) assuma o controle de Gaza, enquanto Israel quer manter o controle da segurança do enclave. “Gaza não será nem Hamastan nem Fatahstan”, disse Netanyahu, referindo-se ao Hamas e ao partido Fatah, liderado por Mahmoud Abbas, chefe da ANP.
Sullivan, no entanto, deixou claro em Tel Aviv que a visão americana é que a ANP seja “remodelada e revitalizada”, e acrescentou que não seria “correto” que Israel ocupasse a Faixa de Gaza a longo prazo.
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Qual é a situação de Netanyahu?
Pela última década, Binyamin Netanyahu tem dominado um amplo espaço na política israelense. Seus críticos o acusam de radicalizar a política nacional e de colocar em xeque a democracia do Israel. Suas campanhas de ataques contra o Judiciário e contra a mídia independente geraram ondas de protestos massivos em Tel-Aviv e Jerusalém, que exigiam sua renúncia.
Os problemas jurídicos do primeiro-ministro o levaram a arquitetar sua volta ao poder nas eleições de 2022, desta vez sob a bandeira de uma coalizão de partidos radicais de direita. Mas em meio à crise política, veio o atentado do Hamas.
Os israelenses, atribuem a Netanyahu a responsabilidade parcial pelo ataque de 7 de outubro, devido à pouca preparação do Exército, e à informação (divulgada só recentemente) de que um documento de 40 páginas com os planos do Hamas para o ataque havia sido lido pelo alto-escalão do IDF, que ignorou a possibilidade de ameaça. O premiê, por outro lado, coloca a culpa no oficialismo da defesa do país.
Agora, após o incidente dos reféns mortos pelo próprio Exército que devia defendê-los, adiciona-se à baixa popularidade de Netanyahu a pressão das famílias dos reféns, ecoada por manifestações no país.
No início deste mês, o líder da oposição, Yair Lapid, pediu a renúncia do primeiro-ministro. “Aquele que fracassou não pode continuar”, disse Lapid em uma publicação nas suas redes sociais. “Aquele cujo nome está marcado pelo desastre, que perdeu a confiança do Exército e do povo, deveria ter a decência de partir.”
Quais são as perspectivas para os próximos meses?
De acordo com Karina Stange Calandrin, especialista em política israelense, é muito provável que o conflito entre Israel e Hamas continue nos próximos meses. “Não há perspectiva de um cessar-fogo mais duradouro, apesar da pressão internacional que Israel vem sofrendo”, disse ela em entrevista ao Estadão. Para ela, não há indicativo de consenso entre as partes para deter as atividades beligerantes e acabar de forma definitiva com a crise dos reféns.
Sobre a preocupação da presença futura israelense no enclave, a especialista indica também que não é o objetivo que Israel se torne um governo de Gaza.
“Existem pesquisas de opinião pública que apontam que não é o que a população israelense quer”, afirmou Karina Stange Caladrin. “A comunidade internacional tem pressionado muito o Israel para que esse cenário não aconteça, então acredito que essa vai ser a posição tomada por Israel no próximo ano ou tendo o fim do conflito, que também ainda deve durar bastante tempo”.
Ela acredita que um possível cenário para o enclave após a guerra é que se estabeleça um domínio internacional em Gaza, durante um período provisório, até que a Autoridade Palestina possa se tornar novamente o governo de Gaza.
Já para o historiador Michel Gherman, que é professor do núcleo interdisciplinar de estudos judaicos da UFRJ e pesquisador da Universidade de Jerusalém, “o conflito palestino-israelense nos próximos meses tende a passar por três fases”.
“A primeira fase é a manutenção dos ataques que Israel está fazendo”, disse ele, que argumenta que o IDF está aproveitando o cenário estratégico para atacar as possibilidades militares do Hamas — uma ação que, segundo ele, pode durar até a primeira metade de janeiro. “A segunda questão é o recuo, que vai ser mediado provavelmente por uma trégua humanitária que vai justificar também uma negociação com o Hamas pelo retorno dos reféns”, afirmou o pesquisador.
De acordo com ele, a terceira e última fase vai ser o final da guerra, mas “com entradas e saídas eventuais [do enclave] quando houver ataques”. “A pressão [sobre Israel] está deixando claro que a saída de Gaza é uma exigência internacional”, disse Gherman, “pelos terríveis efeitos humanos que a entrada em Gaza produziu”, ponderou. Michel Gherman explica que há um conflito interno no Israel sobre a administração israelense em Gaza, com alguns partidos de direita articulando uma administração da segurança de Gaza, mas que internacionalmente isso seria rejeitado.
Por outro lado, o especialista afirma que a guerra do Israel contra o Hamas já perdeu-se, pois não possui estratégia alguma, mas apenas missões tácticas: o retorno dos reféns e destruição do Hamas. “A segunda [o fim do Hamas], é impossível de ser alcançada; o Hamas vai continuar existindo. E a primeira é absolutamente tática”, diz ele.
“Uma das características importantes que mostra que o Israel já perdeu essa guerra é que não tem nenhum tipo de posição estratégica do ‘Dia Seguinte’. O Dia Seguinte é uma disputa”, conclui o especialista.
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