RIO - A guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas polarizou a primeira reunião de chanceleres do G-20, aberta nesta quarta-feira, dia 21, no Rio, segundo representantes de seis delegações estrangeiras presentes à plenária. Houve um debate intenso sobre a guerra no Oriente Médio, com manifestações mais enfáticas a favor dos palestinos vindas de Egito, Indonésia e África do Sul, e apoio manifesto à necessidade de reagir ao terrorismo do Hamas por parte de Estados Unidos e Reino Unido.
A comparação que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez entre o Holocausto e a campanha militar israelense contra o Hamas em Gaza escapou aos debates na reunião plenária, o que foi entendido como uma forma de evitar constrangimentos com o Brasil, País anfitrião do G-20. No entanto, o pronunciamento de Lula foi condenado em paralelo pelos chanceleres dos Estados Unidos, da Noruega e da Alemanha. De maneira reservada, outras delegações fizeram intervenções nas quais contestaram abertamente o petista.
“Nada é comparável ao Holocausto”, disse o chanceler norueguês, Espen Barth Eide. Segundo ele, a humanidade deve se lembrar que nada supera o extermínio em massa de judeus pelos nazistas liderados por Adolf Hitler. O ministro disse estar muito preocupado com a situação em Gaza, mas ponderou que não considera uma boa ideia a comparação feita por Lula, pois 6 milhões de judeus morreram nas mãos dos nazistas numa tentativa de exterminar o povo.
A homóloga alemã, Annaelena Baerbock, compartilhou o mesmo raciocínio ao falar sobre o passado de seu país em entrevista à GloboNews. O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, manifestou a “discordância” em reunião privada com Lula.
“Nós discordamos desses comentários. O secretário (Blinken) pode discutir os comentários com Lula hoje, na sua reunião, no âmbito de uma discussão mais ampla sobre o conflito em Gaza. Como esclareci ontem, não concordamos com esses comentários”, disse Matthew Miller, porta-voz do Departamento de Estado.
O governo israelense considera a declaração de Lula um ato de antissemitismo por usar o conflito em Gaza para equiparar as vítimas do nazismo, no caso os judeus, a seus algozes.
Segundo diplomatas estrangeiros, houve ampla manifestação em favor da chamada “solução de dois Estados” - a coexistência de um Estado Palestino com o Estado de Israel, com fronteiras internacionalmente reconhecidas - como caminho para a paz. Israel, no entanto, rejeita essa possibilidade. Apesar da unanimidade, não ficou claro como os países conseguiriam coordenar esforços nesse sentido.
“Se todos aqui concordamos, então a questão está resolvida”, disse Espen Barth Eide, que falou de improviso.
Os debates ocorrerem em sessão restrita, sem qualquer transmissão. As delegações estrangeiras decidiram voluntariamente divulgar ou não o teor de suas intervenções. A maioria não o fez. Somente o discurso inaugural do chanceler Mauro Vieira foi transmitivo ao vivo.
Críticas à Rússia
O primeiro dia do encontro teve também menções críticas à Rússia de Vladimir Putin, pela invasão militar à Ucrânia - que completa dois anos no sábado, dia 24 - e por causa da recente morte do opositor Alexei Navalni, em circunstâncias não esclarecidas numa prisão no Ártico.
O Estadão reconstituiu trechos dos debates com fontes diplomáticas. Um dos discursos mais fortes veio do chanceler britânico, David Cameron. Segundo diplomatas europeus, Cameron teria também falado de improviso, sem ler uma declaração, e foi o mais vocal na crítica a Putin.
Ele disse que a soberania dos países deve ser respeitada e rebateu o argumento russo de que a Ucrânia, chamada em Moscou de “regime de Kiev”, teria inclinações nazistas. ”Matar Navalni é o que um regime nazista faria”, disse Cameron, segundo embaixadores presentes. Apesar do apoio a Israel, ele também manifestou preocupação com o excesso de vítimas em Gaza.
A ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Annalena Baerbock, também despertou atenção. Ela afirmou estar “profundamente chocada” com o sofrimento e a morte de crianças em Gaza, mas, no entendimento de outras delegações europeias, não foi tão enfática como quando abordou a guerra na Ucrânia. Segundo testemunho de um diplomata, ela disse que “a vida humana não conta na Ucrânia”.
O chancheler português, João Cravinhos, relatou que o embaixador russo em Portugal foi convocado em Lisboa para explicar a morte do opositor de Putin, mas deu uma “resposta nula”. Segundo ele, as relações de Lisboa e Moscou “são péssimas” no momento e a morte de um opositor do Kremlim não pode ser considerada de “importância menor”, tampouco uma “ingerência em assuntos internos”, como alega a diplomacia russa.
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Cravinhos se recusou a comentar as declarações de Lula sobre o holocausto e a guerra em Gaza. “Não temos reação, nossa função não é ser comentador de tudo que é dito por um ou por outro”, esquivou-se o português.
O ministro de Estado para as Relações Exteriores da Índia, V. Muraleedharan, disse que seu governo apoia a solução de dois Estados e ao mesmo tempo “condena o terrorismo em todas as suas formas”. Confrontes secundários ao enfrentamento militar em Gaza, envolvendo os países de maioria muçulmana Irã e Paquistão, ocorreram no entorno indiano.
“Não podemos deixar o conflito no Leste da Ásia se espalhar ainda mais”, ponderou o diplomata. Ele afirmou ainda que a Índia clama por uma “urgente retomada do diálogo e da diplomacia” na questão da Ucrânia. A Índia possui laço militar histórico com os russos.
Moscou
O chanceler russo, Sergei Lavrov, reagiu em discurso na plenária. O homem de confiança de Vladimir Putin não menciou a morte do opositor Navalny, e disse que o G-20 não vai ajudar a solucionar os confrontos e verbaliza contra o que considera “a politização” do grupo.
Lavrov protestou contra sanções e penalidades aplicadas a seu país e deu vazão ao discurso para tentar fortalecer o Brics em detrimento do G-7. O Kremlin argumenta que “a afirmação de uma ordem mundial multipolar tornou-se sustentável e irreversível”.
“Não creio que no G-20 encontraremos soluções para os desafios e ameaças acumulados à segurança global”, afirmou ele, conforme discurso divulgado pelo governo russo, focado em críticas ao Ocidente. “Nosso fórum das principais economias do mundo poderia afirmar claramente a recusa do G-20 em usar a ‘economia como arma’ e a ‘guerra como investimento’.”
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