No sábado, os eleitores taiwaneses conferiram ao Partido Democrático Progressista (PDP), segundo o qual Taiwan já é independente da China e assim deve permanecer, uma inédita terceira vitória consecutiva na disputa presidencial. Ao fazê-lo, o povo da ilha menosprezou alertas ameaçadores da China, de que uma vitória do presidente eleito Lai Ching-te — considerado por Pequim um perigoso defensor da independência de Taiwan — poderia desencadear uma guerra.
O resultado deve sanar qualquer dúvida sobre a direção em que Taiwan caminha. Determinado a manter sua autonomia, o povo de Taiwan está se afastando ainda mais da China e não retornará voluntariamente, tornando a ação militar uma das únicas opções que restam a Pequim para efetivar a unificação que almeja há tanto com Taiwan.
Esse endurecimento nas atitudes taiwanesas engendra-se há muito. Em 1949, o então governo chinês do Kuomintang (KMT) perdeu uma guerra civil contra as forças do Partido Comunista Chinês e fugiu para Taiwan, dividindo ambos os lados. Por décadas, o KMT aferrou-se a uma política oficial de eventual unificação com o continente, e a questão sobre Taiwan ser parte da China ou um ente político próprio e autogovernado domina a discussão política na ilha desde então.
Em 1994, mais taiwaneses consideravam-se exclusivamente chineses do que taiwaneses, e mais eram favoráveis a um movimento na direção da unificação com a China do que à independência. Pequim cortejava esses sentimentos forjando relações econômicas próximas com Taiwan. Mas as atitudes mudaram inexoravelmente conforme Taiwan floresceu em um sucesso democrático e econômico.
Agora, com a economia da China estagnando, Pequim tem menos a oferecer, e ações repressivas de Pequim, como seu movimento contra as liberdades de Hong Kong, alienaram Taiwan ainda mais. Como resultado, o presidente chinês, Xi Jinping, tem empunhado cada vez mais o bastão — com coerção econômica, ameaças militares e uma campanha de desinformação online em Taiwan — para pressionar o povo da ilha à unificação.
Agora é claro que sua estratégia fracassou espetacularmente. Hoje, cerca de dois terços dos habitantes de Taiwan consideram-se exclusivamente taiwaneses, contra apenas 2,5% que se identificam como exclusivamente chineses. Quase 50% dos 24 milhões de residentes da ilha preferem uma futura independência de Taiwan em vez da manutenção do atual status quo ambíguo (27%) ou da unificação com a China (12%).
Há razões para Xi conseguir depreender um conforto modesto do resultado eleitoral. A margem da vitória do PDP na corrida presidencial foi menor que quatro anos atrás, e a legenda perdeu sua maioria no Legislativo. Mas o desempenho mais fraco do PDP não reflete um abrandamento do sentimento independentista em Taiwan; provavelmente se deve, em vez disso, a questões mais triviais, como o crescimento salarial estagnado e os preços de habitação nas alturas, temas altamente discutidos nas campanhas e mencionados nas pesquisas de opinião pública, assim como a uma fadiga do público com o partido que já ocupava o poder havia oito anos.
Adiante, Xi deixa de ter um parceiro confiável em Taiwan com que negociar a unificação. Mesmo o KMT, agora na oposição e mais amigável a Pequim, sabe que tem de satisfazer um eleitorado que tende ao independentismo. Na campanha eleitoral, seu candidato presidencial, Hou Yu-ih, descartou explicitamente negociações sobre unificação com a China ou um retorno às políticas de envolvimento defendidas anteriormente por seu partido, prometendo em vez disso reforçar as Forças Armadas em parceria com Estados Unidos, Japão e outras democracias.
Neste ambiente, os EUA precisarão, mais que nunca, encontrar um equilíbrio cuidadoso entre dissuadir a China de invadir Taiwan e assegurar a Pequim que Washington não apoia a independência da ilha. Mas isso será complicado pela polarizadora campanha eleitoral em que os EUA entram neste momento, na qual os candidatos deverão discutir China em termos contundentes, capazes de provocar Pequim.
Mais sobre Taiwan
Apesar dos maneirismos, as politicagens do ano eleitoral poderão de fato minar a prontidão dos EUA para um conflito: no ano passado, o partidarismo estancou financiamentos militares e centenas de indicações de comandantes militares, o que refreou a capacidade do Pentágono de construir bases e comprar armamentos e a expansão da base industrial americana a qualquer ponto próximo ao ritmo da China.
O presidente Joe Biden afirmou que os EUA ajudariam a defender Taiwan na eventualidade de um ataque não provocado, mas com os estoques militares americanos já pressionados pelo apoio fornecido à Ucrânia, as forças americanas poderiam ficar sem mísseis após poucas semanas de combate de alta intensidade com a China. Washington poderá também ter dificuldades para forjar uma coalizão eficaz para dissuadir ou derrotar uma invasão chinesas a Taiwan se aliados, afastados pela disfunção política dos americanos e por um possível retorno à política externa “EUA em primeiro lugar” de Donald Trump, hesitarem em aderir a preparativos militares ou sanções econômicas de Washington.
Há uma convicção de que os EUA serão capazes de afastar a possibilidade da agressão chinesa expressando oposição à independência de Taiwan. A ideia é que isso alivie preocupações em Pequim, que, diante de uma economia em dificuldades, preferirá evitar as massivas perturbações econômicas, sociais e diplomáticas decorrentes de se iniciar uma guerra. Mas Taiwan provoca a China simplesmente sendo o que é: uma sociedade próspera e livre. A florescente identidade nacional taiwanesa ameaça a China com o prospecto do desmembramento territorial permanente; e as eleições de Taiwan, o estado de direito e a imprensa livre escarnecem da afirmação de Pequim de que a cultura chinesa não é compatível com a democracia. Palavras dos americanos não são capazes de mudar nada disso.
A lei chinesa declara explicitamente que Pequim pode usar a força se as possibilidades de unificação pacífica forem “exauridas completamente”. Em razão da política em Taiwan e nos EUA, essas possibilidades diminuem.
Líderes políticos taiwaneses e americanos precisam reconhecer essa difícil realidade, fazer muito mais para melhorar a dissuasão militar, começar a discutir nacionalmente as crescentes ameaças da guerra e trabalhar no sentido de uma unidade pública a respeito de como combater essa ameaça, ao mesmo tempo evitando retóricas ou ações que joguem gasolina na fogueira desnecessariamente. Se eles não aproveitarem esta oportunidade, poderá não haver outra. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO
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