A diplomacia dá a impressão de zombar das convicções morais. Ela representa uma tentativa de entender um cenário de anarquia no qual diferenças ideológicas fazem a polarização política nos Estados Unidos soar amigável. No qual mesmo a capacidade de uma superpotência de impor sua vontade se dissolve com a distância. No qual qualquer grande projeto requer alianças com tiranos —ou pior.
Isso é claro quando se consideram os dilemas do passado. É por isso que a chamada “boa guerra”, a Segunda Guerra Mundial, incluiu uma parceria com um monstro em Moscou e a submissão de metade da Europa à opressão totalitária. É por isso que só foi possível escapar da “má guerra” do Vietnã traindo os sul-vietnamitas e fazendo um acordo com outro monstro em Pequim.
Mas diante dos dilemas atuais, essa visão trágica pode parecer um jeito frio de ver o mundo. Quem a adotar talvez seja acusado de ignorar injustiças ou de reproduzir a indiferença que encobriu atrocidades passadas.
Às vezes, essas acusações fazem sentido. Uma política externa “realista” pode passar de simples descrição do balanço de poder para uma desculpa para destruição.
Também pode subestimar o poder de uma causa justa —como eu subestimei, por exemplo, a capacidade da Ucrânia de se defender em 2022.
Mas ver a diplomacia como um equilíbrio trágico de males ainda é essencial, especialmente em meio ao tipo de fervor ideológico que acompanha um conflito como a guerra Israel-Hamas, na Faixa de Gaza. A alternativa é um absolutismo moral que simplesmente ignora aspectos essenciais da realidade que não convêm a ele.
Por exemplo: ao se ler as apologias que certos intelectuais de esquerda fazem aos protestos pró-Palestina, temos uma sensação de exagero em relação às falhas morais israelenses —não basta uma guerra que causa tantas mortes ser injusta, se ela estiver errada, tem que ser um genocídio— que acaba suprimindo as implicações (duras) de um simples apelo à paz.
Um exemplo disso é um texto de Pankaj Mishra para o periódico London Review of Books. Ele afirma que diversos manifestantes são “motivados pelo simples desejo de defender os ideais que pareciam tão universalmente desejáveis após 1945: respeito à liberdade, tolerância à alteridade das crenças e modos de vida; solidariedade ao sofrimento humano; e um senso de responsabilidade moral pelos fracos e oprimidos”.
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Não há dúvida de que muitos manifestantes nos campi universitários são motivados por esses ideais. O problema é que essa liberdade a que eles fazem referência não existe em quase nenhum lugar no Oriente Médio —certamente não em uma Gaza sob o domínio do Hamas—, e a “alteridade das crenças” se torna mais complicada numa situação em que essas mesmas crenças motivaram os massacres de 7 de outubro.
Outra questão é que alguns dos manifestantes, incluindo alguns dos grupos de estudantes que começaram a atuar imediatamente após 7 de outubro, parecem não se incomodar com esses fatos e estão perfeitamente tranquilos com a ideia de apoiar não apenas negociações pacíficas, mas uma luta revolucionária liderada por fanáticos islâmicos.
Isso gera um dilema moral cuja existência esses protestos negam —o fato de que encerrar a guerra nos termos que eles desejam poderia dar uma grande vitória estratégica a uma aliança regional dedicada ao assassinato de israelenses e à expulsão deles do Oriente Médio.
Talvez a guerra em Gaza seja injusta o suficiente e os objetivos de Israel, suficientemente inatingíveis para que não haja alternativa senão validar a estratégia sanguinolenta do Hamas.
Mas é preciso ser honesto sobre o que se está endossando: um complexo equilíbrio entre males, e não qualquer triunfo de ideais “universalmente desejáveis”.
Uma lógica similar se aplica aos que apoiam a guerra promovida por Israel e que invocam exemplos de moralidade —o mal causado pelo Hamas, o sofrimento histórico do povo judeu, a relação especial dos Estados Unidos com Israel— como argumento final e inflexível.
Somos o tempo todo convocados a “ficar ao lado de Israel” quando não está claro se o país sabe o que está fazendo. A administração de Joe Biden é acusada de traição sempre que tenta influenciar a guerra, mesmo que as decisões do governo israelense não tenham inspirado grande confiança nem antes nem depois do 7 de outubro.
As tentativas de Biden de intervir no conflito podem ter sido equivocadas ou desajeitadas. Mas não é equívoco que os Estados Unidos, um império que lida com ameaças crescentes, recusem-se a dar um cheque em branco para uma guerra travada sem planos de vitória ou de paz claros.
A alternativa articulada por Mitt Romney, por exemplo (“estamos ao lado dos aliados, não os questionamos”) não é uma política séria para uma potência que busca pôr suas obrigações para com o resto do globo na balança.
E a visão religiosa do presidente da Câmara, Mike Johnson, e de outros sionistas cristãos que, como ele, acreditam que a refundação de Israel é a prova de um plano divino não significa que os governos israelenses estejam imunes a erros estratégicos. Vá ler o Livro dos Reis!
Nos dois casos, vemos um reflexo do impulso dos intelectuais de esquerda —tornar a política externa fácil resumindo tudo em um único julgamento moral. Mas os problemas do mundo não podem ser tão facilmente resumidos.
Ser racional e adotar uma perspectiva trágica não significa abandonar a moralidade. Mas significa reconhecer que muitas vezes ninguém está totalmente certo, que nenhuma abordagem isolada é óbvia em termos morais, e que nenhuma estratégia é limpa.
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