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Guerra na Ucrânia: Agência nuclear da ONU pede zona de segurança em torno da usina de Zaporizhzhia

Relatório produzido após inspeção da AIEA à maior usina nuclear da Europa aponta sérios riscos de acidente e pede interrupção dos bombardeios ao redor da fábrica

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Por Redação

KIEV - Menos de uma semana após a primeira inspeção à usina nuclear de Zaporizhzhia, na Ucrânia, a agência de vigilância atômica da ONU publicou um relatório nesta terça-feira, 6, alertando para a necessidade de criar uma zona de segurança ao redor da usina. O alerta ocorre em meio a temores crescentes de que os combates entre Rússia e Ucrânia possam desencadear uma catástrofe em um país ainda assombrado pelo desastre nuclear de Chernobyl.

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A equipe da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) visitou as instalações da usina no dia 1º de setembro e disse no relatório desta terça que “os bombardeios no local e em suas proximidades devem ser interrompidos imediatamente para evitar mais danos à usina e instalações associadas, para a segurança da equipe operacional e manter a integridade física para apoiar um operação segura e protegida.”

“Isso requer o acordo de todas as partes relevantes para o estabelecimento de uma zona de segurança e proteção nuclear” ao redor da usina, disse. O diretor-geral da AIEA, Rafael Grossi, que liderou a visita de inspeção, deve informar o Conselho de Segurança da ONU ainda nesta terça-feira sobre suas descobertas.

Diretor-Geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) Rafael Grossi e sua equipe participam de uma entrevista coletiva após seu retorno da Ucrânia, onde ele e sua equipe visitaram a usina nuclear de Zaporizhzhia, no aeroporto de Viena em Schwechat, Áustria, em 2 de setembro Foto: Leonhard Foeger/Reuters

Durante semanas, os combates em torno da grande instalação – que foi tomada pelas forças russas em março, mas é operada por engenheiros ucranianos – levantou temores de um acidente nuclear. O receio dos especialistas não é com um ataque direto à usina que cause sua explosão - já que ela foi construída durante a Guerra Fria - mas o estresse no longo prazo às estruturas e aos operadores que poderiam ocasionar falhas e vazamentos de material radioativo que afetariam todo o continente.

Tanques de armazenamento de combustível nuclear seco foram danificados no mês passado e, nos últimos dias, houve um incêndio e perda de energia na usina. Na segunda-feira, novos bombardeios causaram um incêndio que mais uma vez levou à desconexão da usina da rede elétrica nacional da Ucrânia, o que a coloca na posição precária de depender de sua própria energia para operar seus sistemas de refrigeração dos reatores.

“Embora o bombardeio em curso ainda não tenha desencadeado uma emergência nuclear, continua a representar uma ameaça constante à segurança e proteção nuclear com potencial impacto em funções críticas de segurança que podem levar a consequências radiológicas com grande impacto de segurança”, disse o relatório.

A usina, que fica na margem leste do Rio Dnieper, é estrategicamente importante na infraestrutura energética da Ucrânia, já que fornece um quinto da energia do país. Além disso, a região faz fronteira com uma área onde as forças ucranianas montaram uma contraofensiva que visa recuperar o território perdido para a Rússia no início da guerra. Ambos os países culparam o outro pelo bombardeio ao redor da fábrica, que feriu um trabalhador no mês passado, segundo o relatório.

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Um veículo blindado russo estacionado do lado de fora da Usina Nuclear de Zaporizhzhia durante a visita da missão de especialistas da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) Foto: Alexander Ermochenko/Reuters

Preocupação com trabalhadores

O documento também observou que os trabalhadores da fábrica estão operando em um ambiente desafiador. “A condição de que a equipe operacional esteja sujeita a constante estresse e pressão durante a operação da central nuclear não é sustentável e pode levar a um aumento de erros humanos com implicações na segurança nuclear”, disse o relatório.

A AIEA também disse que a equipe não está tendo acesso irrestrito a algumas partes da usina e deve obter permissão das forças de ocupação russas para chegar às fontes de resfriamento onde o combustível usado é armazenado. Grossi expressou preocupação de que isso possa dificultar a resposta da equipe em uma emergência.

Após a visita da AIEA na semana passada, depois de intensas negociações com ambos os lados para garantir a segurança, alguns inspetores permaneceram no local, em parte para testemunhar os eventos, mas também na esperança de que sua presença pudesse ajudar a melhorar a segurança. A decisão foi bem recebida pelo conselheiro presidencial ucraniano Mikhailo Podoliak.

“Há tropas russas agora que não entendem o que está acontecendo, não avaliam os riscos corretamente”, disse Podoliak. “Há vários de nossos trabalhadores lá, que precisam de algum tipo de proteção, pessoas da comunidade internacional ao seu lado e dizendo [às tropas russas]: ‘Não toque nessas pessoas, deixe-as trabalhar.’”

Membros da missão de especialistas da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), liderada pelo Diretor-Geral da AIEA Rafael Mariano Grossi, visitam a Usina Nuclear de Zaporizhzhia Foto: AIEA via Reuters

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Na segunda-feira, um incêndio causado por um bombardeio forçou funcionários a cortar a última conexão da usina com uma linha de reserva que fornecia sua única fonte de energia externa. Isso colocou os sistemas de refrigeração críticos em risco de depender apenas de energia reserva de emergência, disse o ministro da Energia da Ucrânia, Herman Galushchenko.

O reator nº 6, o único em funcionamento da usina, ainda produzia energia para a própria instalação. Até a noite de segunda-feira, os engenheiros não haviam ligado os geradores a diesel, de acordo com um funcionário da Energoatom, empresa ucraniana responsável pela operação da instalação.

Normalmente, a usina depende de energia externa para operar os sistemas críticos de resfriamento que impedem o superaquecimento de seus reatores e de seu combustível irradiado. A perda desses sistemas de resfriamento pode levar a um colapso ou a liberação de radiação.

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“Para os profissionais de proteção contra radiação, para o povo ucraniano e até russo, e para os da Europa central, este é um momento muito preocupante – e isso é um eufemismo”, disse Paul Dorfman, especialista em segurança nuclear da Universidade de Sussex, na Inglaterra.

Troca de acusações

Os bombardeios continuaram em torno da maior usina nuclear da Europa - e uma das dez maiores do mundo - nesta terça-feira. Autoridades instaladas na Rússia acusaram as forças ucranianas de bombardear Enerhodar, a cidade onde a usina está situada, enquanto os ucranianos disseram que as forças do Kremlin atacaram a cidade de Nikopol, do outro lado do Rio Dnieper, a partir da usina.

O prefeito ucraniano de Enerhodar, Dmitro Orlov, relatou uma forte explosão na cidade por volta do meio-dia. A explosão deixou a cidade de 53.000 habitantes sem energia e abastecimento de água. Não ficou imediatamente claro o que causou a explosão.

Vista geral da usina nuclear de Zaporizhzhia em Enerhodar, Ucrânia, em 27 de abril de 2022 Foto: Ed Jones/AFP

Os líderes mundiais pediram a desmilitarização da usina, que foi ocupada pelas forças russas desde os primeiros dias da guerra. A Rússia, no entanto, já descartou essa possibilidade. Em seu relatório, a AIEA não atribuiu culpa pelo bombardeio na usina. A agência tem procurado manter-se fora da briga política.

Especialistas dizem que os reatores em Zaporizhzhia são projetados para resistir a desastres naturais e até mesmo acidentes de avião, mas os combates imprevisíveis ameaçaram repetidamente interromper os sistemas de refrigeração. A Ucrânia em 1986 foi o local do pior acidente nuclear do mundo, a explosão de Chernobyl.

Em meio a essa memória do desastre nuclear, a inteligência ucraniana informou que os moradores de Enerhodar estavam fugindo da cidade por medo. A vice-primeira-ministra da Ucrânia, Irina Vereshchuk, disse que a Rússia deveria organizar corredores seguros para mulheres e crianças que vivem nas proximidades. “As pessoas estão nos pedindo por ajuda. Eles estão tentando sair do território perigoso, mas não há corredores”, disse Vereshchuk à TV ucraniana./AP e NYT