K-pop, lixo em balão: as armas na guerra psicológica que aumenta tensão entre as Coreias

Seul redistribuiu retomou pela primeira vez em seis anos as transmissões de propaganda anti-Pyongyang em retaliação ao envio de balões com lixos e bitucas de cigarro pelo Norte

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Por Hyung-Jin Kim (Associated Press) e Kim Tong-Hyung (Associated Press)

SEUL — Alto-falantes sul-coreanos gigantescos tocando música BTS. Grandes balões norte-coreanos carregando esterco, pontas de cigarro e baterias usadas. Pequenos panfletos civis sul-coreanos atacando o líder norte-coreano Kim Jong-Un.

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Dia após dia, as campanhas bizarras, ao estilo Guerra Fria, continuam na fronteira fortemente fortificada da Coreia do Sul e da Coreia do Norte, que não mantêm quaisquer negociações sérias há anos.

“Nesse momento, as duas Coreias estão tentando pressionar e deter a outra com ações politicamente simbólicas”, Leif-Eric Easley, um professor na Universidade Ewha em Seul, disse. “O problema é que nenhum dos lados quer parecer que está recuando, e as tensões na fronteira podem escalar para um conflito não intencional.”

A batalha de alto-falantes está recomeçando?

No domingo, 9, a Coreia do Sul redistribuiu os seus gigantescos alto-falantes ao longo da fronteira pela primeira vez em seis anos e retomou as transmissões de propaganda anti-Pyongyang. As transmissões supostamente incluíam mega-sucessos do grupo de K-pop BTS, como Butter e Dynamite, previsões meteorológicas e notícias sobre a Samsung, a maior empresa sul-coreana, bem como críticas externas ao programa de mísseis do Norte e sua repressão a vídeos estrangeiros.

Autoridades da Coreia do Sul disseram que as transmissões eram uma retaliação contra os lançamentos recentes da Coreia do Norte de balões que despejaram lixo no Sul, embora o país não tenha registrado grandes danos. O Norte, por sua vez, diz que a sua campanha com balões foi uma ação de retaliação contra ativistas sul-coreanos que espalharam panfletos políticos críticos a Kim Jong-un ao longo da fronteira.

A Coreia do Norte vê as transmissões sul-coreanas na linha do front e as campanhas civis de panfletagem como uma grave provocação, uma vez que o país bane o acesso a notícias estrangeiras para a maioria dos seus 26 milhões de habitantes.

Possível instalação de alto-falantes norte-coreanos é vista no topo de uma colina na Coreia do Norte, vista da Ilha Ganghwa. Foto: YONHAP/AFP

Segundo autoridades sul-coreanas, a Coreia do Norte também reinstalou seus próprio alto-falantes de propaganda perto da fronteira, mas não havia os ligado até a manhã desta terça-feira, 11. As transmissões norte-coreanas no passado abordaram principalmente elogios ao seu sistema.

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As ações com balões e as transmissões por alto-falantes estavam entre a guerra psicológica que as duas Coreias concordaram em interromper em 2018. Durante a Guerra Fria, a Coreia do Sul também usou enormes outdoors eletrônicos, que lembram o letreiro “Hollywood” perto de Los Angeles, enquanto a Coreia do Norte instalou letreiros com uma mensagem que dizia: “Vamos estabelecer uma nação confederada!”

Foto tirada pelo Ministério da Defesa da Coreia do Sul mostra lixo norte-coreano despejado em balões que cruzaram a fronteira entre as Coreias. Foto: Divulgação/Ministério da Defesa da Coreia do Sul /AFP

O alto-falante de qual país é melhor?

Autoridades sul-coreanas disseram anteriormente que as transmissões de seus alto-falantes podem viajar cerca de 10 quilômetros durante o dia e 24 quilômetros à noite. Eles afirmaram que as transmissões norte-coreanas anteriores em seus alto-falantes não eram claramente audíveis nas áreas sul-coreanas.

Alguns soldados da linha de frente da Coreia do Norte, após suas deserções para a Coreia do Sul, testemunharam que gostavam de transmissões sul-coreanas que continham músicas pop e previsões do tempo precisas que avisavam sobre a possibilidade de chuva e os aconselhavam a recolher a roupa pendurada em varais ao ar livre.

Em 2015, quando a Coreia do Sul retomou as transmissões pela primeira vez em 11 anos, a Coreia do Norte disparou tiros de artilharia através da fronteira, levando o Sul a responder ao fogo, segundo autoridades sul-coreanas. Nenhuma vítima foi relatada.

As músicas de K-pop podem balançar o barco na Coreia do Norte?

Especialistas e desertores dizem que o K-pop e outros produtos da cultura pop sul-coreana, como filmes e dramas de TV, surgiram como um desafio à liderança do Norte, à medida que ganhavam popularidade entre o público.

Desde a pandemia, Kim tem intensificado sua campanha para eliminar a influencia da linguagem e da cultura popular do Sul entre sua população, em uma tentativa de fortalecer o governo dinástico da sua família.

As playlists dos alto-falantes da Coreia do Sul reproduzidas em 2016 incluiam músicas de uma cantora jovem, IU, cuja voz suave se acreditava ter o objetivo de desmoralizar os soldados norte-coreanos da linha de frente.

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Um soldado sul-coreano monta guarda perto de uma instalação militar onde costumavam ficar alto-falantes desmontados em 2018, perto da zona desmilitarizada que separa as duas Coreias em Paju. Foto: ANTHONY WALLACE/AFP

A Coreia do Norte já foi mais tolerante com a cultura pop sul-coreana quando os laços tiveram uma pequena melhorano passado. Durante um curto período de reaproximação em 2018, a Coreia do Norte permitiu que algumas das maiores estrelas pop do Sul visitassem a sua capital, Pyongyang, e realizassem uma rara apresentação.

Gravações feitas pela TV pública sul-coreana mostraram que o público norte-coreano pareceu gostar de baladas clássicas de cantores românticos, mas demonstrou menos entusiasmo por Red Velvet, um grupo feminino de K-pop conhecido por seus vocais agudos e brincalhões e coreografias sensuais. Kim aplaudiu o concerto, descrevendo-o como um “presente aos cidadãos de Pyongyang”.

Uma guerra pode acontecer?

Há preocupações de que a antiquada guerra psicológica esteja aumentando os riscos de confrontos militares diretos entre as Coreias, tendo ambas já deixado claro que já não estão vinculadas aos seus acordos históricos de redução de tensão de 2018.

A diplomacia entre os dois países permanece descarrilada desde que uma diplomacia nuclear mais ampla entre Estados Unidos e Coreia do Norte colapsou em 2019. Portanto, pode ser difícil para os rivais estabelecerem diálogos como uma saída para escapar do ciclo de tensões de ação e reação.

“A Coreia do Sul tem vantagens claras em termos de operações de informação e capacidades militares convencionais, mas também tem mais a perder no caso de um confronto físico”, disse Easley. “Embora o regime de Kim seja vulnerável a informações externas, o seu autoproclamado estatuto nuclear pode lhe dar um excesso de confiança na sua capacidade de coagir.”

A Coreia do Norte poderia retaliar de uma forma que pudesse evitar um contra-ataque direto, empregando as chamadas táticas de “zona cinzenta”, onde o seu envolvimento não é rapidamente confirmado, escreveu Wang Son-taek, professor da Universidade Sogang de Seul, em um recente artigo de jornal.

As transmissões pelos alto-falantes sul-coreanos teriam durado duas horas no domingo, e o país não ligou seus alto-falantes novamente na segunda e terça-feira. Os militares sul-coreanos disseram que estão prontos para lançar uma retaliação forte e imediata se forem atacados.

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